Serenata à chuva: à conversa com o figurinista português de ‘A Forma da Água’
Há um nome português na lista de nomeados dos Óscares 2018. Luís Sequeira é figurinista e vestiu as personagens do filme mais nomeado desta edição dos prémios da Academia, A Forma da Água. A Máxima falou com ele e até ficou a saber alguns segredos dos bastidores. Para quem ainda não viu o filme, aqui fica um spoilers alert!
27 de fevereiro de 2018 às 07:00 Carolina Carvalho
A Forma da Água divide opiniões, mas a métrica dos Óscares é clara: com 13 nomeações, este é o filme mais nomeado deste ano. O trabalho de Luís Sequeira pode até não estar nos créditos iniciais mas ele é parte integrante do filme e, talvez por isso, o figurinista português se tenha destacado nesta época de entrega de prémios do cinema. Aproveitamos a oportunidade para conversar com ele e saber mais sobre o trabalho que faz. Luís Sequeira atendeu o telefone em Toronto onde trabalha num novo projeto: "Estou a trabalhar num filme da Netflix que se chama The Christmas Chronicle, é sobre o Natal e com o Kurt Russel, que faz de Pai Natal." É na cidade canadiana que hoje vive e trabalha, mas a profissão já o levou à África do Sul, ao Reino Unido e aos Estados Unidos. É filho de pais portugueses, mas acrescenta: "Tenho dupla nacionalidade e orgulho-me disso. Tenho uma casa no campo e um espaço em Lisboa. Tento passar pelo menos um quarto ou metade do ano em Portugal, quando estou entre projectos."
Luís Sequeira também foi nomeado para o Bafta de Melhor Guarda-Roupa, mas na noite de 18 de fevereiro o prémio foi para Mark Bridges, com o filme A Linha Fantasma. A 4 de março concorre ao Óscar na mesma categoria com Jacqueline Durran (A Bela e o Monstro e A Hora Mais Negra), Mark Bridges e Consolata Boyle (Victoria & Abdul). À pergunta se tem um discurso preparado, a resposta é dada com naturalidade: "Não tenho discurso. Tenho a base de um discurso. Ainda tenho um pouco de tempo."
Os Óscares de Melhor Guarda-Roupa começaram a ser entregues em 1948 e durante nove anos a categoria dividia-se entre filmes a cores e filmes a preto e branco. Foi difícil conseguir o devido reconhecimento para quem pensa e concretiza as roupas de um filme, mas hoje esta já é considerada uma categoria importante. Os figurinos ajudam a contar a história e escondem as suas próprias mensagens e técnicas, assumindo por vezes um papel de destaque no enredo. Ora veja!
Segundo um figurinista, qual o papel dos figurinos num filme?
Acho que o papel dos figurinos é ajudar a contar a história. Definir um tempo e um espaço e contribuir para compreender cada personagem. Há histórias em que as pessoas começam num determinado nível e depois ganham destaque ou caem em dificuldades. Os figurinos ajudam a contar essa história, ajudam os atores a sentir o papel. Os figurinos tornam-se muito importantes, não apenas para ver de frente mas também de lado, de costas. Eu, pessoalmente, olho para os figurinos de todos os ângulos para poder identificar qualquer peça ou melhorar o design e compreender o que a câmara vai ver no dia em que vamos filmar.
Como é que o trabalho de figurinista do filme A Forma da Água chegou até si?
Tive o prazer de trabalhar com o Guillermo del Toro quando ele foi produtor executivo num filme chamado Mamã, em 2013. Ele gostou do meu trabalho e pediu-me para fazer uma série chamada The Strain, onde ele foi novamente produtor executivo. Ao fim do terceiro ano veio ter comigo, depois de uma reunião, e disse-me que gostava muito que eu trabalhasse no próximo filme dele.
Qual é o ponto de partida para fazer o guarda-roupa de um filme?
Primeiro, ler o guião, obviamente, e formular algumas ideias e depois fazer uma pesquisa temporal de fotografia, filme e pesquisar tecidos e publicidade. Depois há reuniões com o realizador, falamos sobre as personagens e começamos a construir um lookboard para cada personagem.
Faz este trabalho sozinho ou tem uma equipa?
Tenho uma equipa fantástica. Tenho shoppers e shoppers específicos para procurar os tecidos, tenho outros para outras coisas de que precisamos, tenho alfaiates, costureiras, bordadeiras e tenho pessoas para tingir e para transformar roupas novas em antigas.
Li uma entrevista sua que construiu uma paleta de cores e uma biblioteca de tecidos. Como fez isso?
Para a biblioteca de têxteis fui a Nova Iorque, Los Angeles, Montreal, Toronto. Tivemos tecidos trazidos do Reino Unido e começámos a colecionar tecidos. Eu sabia que tinha de fazer fatos, casacos, alguns vestidos de dia, roupa interior. Provavelmente foi uma viagem de três semanas à procura de tecidos fantásticos, vintage e contemporâneos que tivessem um look vintage. Criámos uma biblioteca de tecidos pendurados em secções específicas de tipo de tecido e, a partir daí, começámos a juntá-los para cada personagem.
É um processo complexo, teve de viajar por diferentes cidades para encontrar tecidos. Porque é que precisou de ir a todos estes sítios?
Estamos a falar de um filme que se passa há mais de 50 anos e ouvi histórias de grandes fábricas que estavam a deitar fora lãs antigas e de alfaiatarias a fechar. Em termos técnicos, os tecidos tornam-se mais finos e, no contexto do filme, os tecidos eram mais espessos, por isso encontrar esse tipo de tecido agora é complicado. Tenho ótimos fornecedores em Nova Iorque, Los Angeles, Montreal. No início da coleção eu tinha de estar lá para tocar e sentir e por isso é que fui a tantas cidades. Toronto tem uma indústria de tecidos muito boa, mas precisávamos de mais.
Quantas personagens vestiu para este filme?
Acho que eram cerca de 50.
É muito?
Para um filme pequeno é um pouco! Não é enorme, mas também não é pequeno.
Tinha alguma personagem favorita?
Cada personagem tinha as suas características, é difícil dizer. A Elisa era uma ótima personagem para vestir. O Giles também era igualmente interessante porque ele estava mais nos anos 50 e por isso tinha aquela sensação de time gone by, que era divertido. Não tenho uma personagem favorita, foram todas boas.
A água teve um papel fundamental no filme. Impôs-lhe alguns desafios?
Sim. Acho que pelo menos o último quarto do filme é à chuva, por isso muitas dessas roupas têm reforços interiores, para ajudarmos os atores a não ficarem totalmente ensopados. Porque estivemos a filmar no outono, no Canadá, em setembro/outubro, à noite e com chuva. Não eram as circunstâncias mais agradáveis. Filmámos essas cenas, provavelmente, ao longo de duas semanas. Em relação aos sapatos também refizemos muito do calçado em vinil, para podermos usar, deixar secar e voltar a usar. Se tivéssemos pele para aquelas cenas, estaria arrasada na primeira noite.
Não sei se as pessoas sabem, mas o início e o fim do filme parecem ser debaixo de água, mas na verdade filmámos com uma técnica que se chama dry for wet. Por isso as roupas da Elisa no fim foram refeitas em tecidos diferentes, como uma rede dupla falsa, numa mistura de lã e rayon para que fosse maleável e fluido. O mesmo com o vestido, que era de algodão. Mas consegui encontrar um tecido parecido com as mesmas características em rayon, então construímos esse vestido em rayon. Depois, com um pouco de magia do cinema e uma ventoinha criámos roupas que pareciam estar debaixo de água. Foi divertido.
Agora está nomeado para o Óscar de Melhor Guarda-Roupa. Como foi o seu percurso até aqui?
Nos anos 80 estive a trabalhar em moda, estudei moda e depois tive uma pequena loja com um ateliê atrás. Vendia para Toronto, Montreal e Vancouver. Fiz isso durante cinco anos, mas queira algo mais, era um pouco solitário. Queria trabalhar com mais pessoas e adorava cinema. Tive a sorte de conhecer umas pessoas que estavam a trabalhar num filme do David Cronenberg e conheci-os socialmente e acharam que eu era bom e disseram-me que devia tentar entrar no guarda-roupa. Eu fui estagiário numa série chamada Sexta-feira 1, em 1987, e fiz o mesmo em alguns projetos diferentes. Depois trabalhei em todas as posições do departamento de guarda-roupa, fui assistente, coordenador de acessórios, assistente em cenário, depois fiz o cenário, depois fui designer assistente e, finalmente, tornei-me designer.
Fez de tudo?
Sim! Tentei.
Como é que ficou a saber da nomeação para o Óscar?
Quando fui nomeado para o Bafta foi a meio da noite e acordei com o meu telefone a tocar e antes dos Óscares [nomeações] muitas pessoas me diziam que eu ia ser nomeado. Eu respondia: "Calma, vamos ver." Trabalhei até tarde na noite antes [das nomeações para os Óscares] e decidi que não ia acordar cedo para ver as nomeações. Quando acordasse acordava. Por volta das 8:30 o meu telefone começou a tocar e vi que alguém me disse ‘Parabéns’ em letras maiúsculas, então liguei a televisão e fiquei a saber.
Vai à cerimónia?
Claro. Não a perdia por nada deste mundo!
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A Forma da Água, de Guillermo del Toro, com figurinos de Luis Sequeira.
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Luis Sequeira.
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A Forma da Água, de Guillermo del Toro, com figurinos de Luis Sequeira. Ilustração de Christian Cordella
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A Forma da Água, de Guillermo del Toro, com figurinos de Luis Sequeira. Ilustração de Christian Cordella
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A Forma da Água, de Guillermo del Toro, com figurinos de Luis Sequeira. Ilustração de Christian Cordella
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A Forma da Água, de Guillermo del Toro, com figurinos de Luis Sequeira.