Há ícones que nascem discretos e, quase sem se dar por isso, tornam-se parte da cultura visual de uma época. O urso da Tous é um deles. Uma silhueta quase infantil, que se transformou num dos símbolos mais reconhecíveis da joalharia contemporânea. Em 2025, a marca catalã celebrou os 40 anos desta figura que transcendeu o estatuto de logótipo e se tornou linguagem emocional. Foi nesta ocasião - íntima e internacional - que Barcelona se tornou palco de três dias de celebração.
A marca reuniu convidados de vários pontos do mundo - Espanha, Portugal, México, Polónia, Colômbia - para uma experiência que tinha tanto de celebração institucional como de encontro afetivo. A viagem começou com um gesto que revelava já a delicadeza da curadoria: o teleférico que nos transportou até ao jantar de abertura estava totalmente personalizado com a palavra Tous. Um detalhe simples, sim, mas evocativo, quase cinematográfico, como se Barcelona se preparasse para vestir o papel de anfitriã de um aniversário singular.
O rooftop onde decorreu o primeiro jantar revelava a cidade numa vista ampla, iluminada. Era um encontro mais suave, uma entrada elegante para o programa que se seguiria: conversas descontraídas, o mar à distância, e aquela sensação de que a noite inaugurava algo maior do que um evento - inaugurava um clima.
O segundo dia trouxe a dimensão mais cultural e material da celebração. A marca abriu uma pop-up dedicado exclusivamente ao urso - um espaço quase museológico, onde estavam expostas peças que revelavam as várias metamorfoses da silhueta ao longo das décadas. Carteiras, acessórios e objetos imagéticos conviviam lado a lado, num diálogo entre nostalgia e contemporaneidade.
À noite, o jantar principal transformou-se numa festa. O ambiente, totalmente tingido de rosa, criou um contraste elegante com o dress code exigido: preto absoluto. A estética era deliberadamente teatral - um jogo de luz, som e cor que convertia o ícone num cenário vivo. Uma atuação surpresa de Amaia Romero encerrou o jantar, e a celebração rapidamente se tornou dança, partilha, euforia discreta. Entre os nomes portugueses presentes estavam Kelly Bailey, Joana Ribeiro, Luisinha Oliveira e Daniela Melchior, presenças que acrescentaram ao evento um brilho cinematográfico.
Para compreender a dimensão dos 40 anos do urso, é preciso regressar ao início. A Tous nasceu em 1920, em Manresa, como uma pequena oficina de relojoaria fundada por Salvador Tous Blavi e Teresa Ponsa Mas. Nas décadas seguintes, a marca cresceu de forma orgânica, ainda profundamente enraizada na lógica artesanal e familiar. Foi apenas em 1985 que surgiu o elemento que mudaria tudo: Rosa Oriol, então designer da casa e figura central na reinvenção estética da marca, viu em Milão um ursinho de peluche que a tocou pela simplicidade e ternura. A partir dessa inspiração, desenhou uma peça de joalharia em forma de urso - nada mais do que um contorno suave, quase infantil, que contrariava a dureza habitual da joalharia tradicional.
Esse desenho, aparentemente despretensioso, revelou-se revolucionário. Não apenas porque diferenciava a marca, mas porque introduzia um código emocional inédito na joalharia contemporânea: o gesto de oferecer um urso - símbolo de afeto, memória - transcendia o valor material da peça.
Com o tempo, o urso ganhou expressão própria. Foi reinterpretado em prata, ouro, pedras, esmaltes, volumes e escalas. Tornou-se narrativa, tornou-se assinatura, tornou-se identidade. Em 2017, um dos seus primeiros protótipos foi integrado no Museu del Disseny de Barcelona, reconhecimento do seu impacto enquanto objeto de design.
Hoje, o urso não é apenas um ícone da marca: é um fragmento da cultura pop ibérica e um exemplo raro de como um símbolo pode permanecer relevante durante quatro décadas sem perder a delicadeza da sua origem.
O evento em Barcelona não era, portanto, apenas uma festa de aniversário. Era um gesto de retorno às origens - à cidade que viu o urso nascer, crescer e tornar-se global. A curadoria dos jantares, o teleférico personalizado, a pop-up conceptual e o encontro entre culturas refletiam exatamente isso: a consciência de que o urso é ao mesmo tempo intimista e universal.