Carteiras: 500 anos a guardar segredos
Entre uma Lady Dior, uma Hermès Kelly ou uma mochila militar há mais em comum do que se possa pensar. Na nova exposição do Victoria & Albert Museum, em Londres, o foco vai para a História das carteiras enquanto acessórios de moda mas também como objetos indispensáveis do quotidiano.

O que têm em comum Mary Poppins, Alexa Chung e a rainha Isabel II? Provavelmente muito pouco, à parte da consciência de que não há poder, beleza ou profissionalismo sem uma mala de mão que associe a elegância da forma à eficácia de um canivete suíço. Ali se deposita tudo o que pode fazer falta fora de casa, desde dinheiro ao telemóvel, sem esquecer os artigos de maquilhagem e as bolachas para o caminho. Mas que ninguém, por mais íntimo que seja do seu dono, a ouse abrir, ainda que por segundos, já que como sublinha, Lucia Savi, curadora da exposição Bags: Inside Out, há várias constantes na história das carteiras desde os tempos isabelinos aos nossos e uma delas é a estrita confidencialidade do seu conteúdo. Seja ela uma sumptuosa (e cara) peça de design ou um humilde saco de pano.
Depois de ser adiada por causa da pandemia, Bags: Inside Out inaugurou no último sábado, no Victoria & Albert Museum, em Londres, apresentando-se como a maior e mais abrangente mostra alguma vez dedicada a este acessório no Reino Unido. Com a profundidade a que esta instituição (um dos museus de artes decorativas mais importantes do mundo) nos habituou, a exposição é muito mais do que um catálogo de carteiras notáveis. Com uma atenção particular ao fabrico e aos pormenores, dá-nos a ver, sempre de dentro para fora, clássicos como a Hermès Kelly, a Fendi Baguette ou a Lady Dior mas também malas de escritório, mochilas militares e até sacos para transportar máscaras anti-gás durante a Segunda Guerra Mundial.

A primeira secção aborda estes acessórios enquanto peças utilitárias, fundamentais para o transporte dos nossos pertences, sejam eles os básicos para umas férias sem stress à beira mar ou documentos altamente confidenciais. Ali encontramos expostas a bolsa ricamente bordada onde a Rainha Isabel I guardava o selo real, com que autenticava os diplomas por si assinados (recorde-se que os selos reais eram de tal modo pessoais e intransmissíveis que eram destruídos logo que um monarca morria), a caixa de despacho de Churchill ou um impressionante malão de viagem Louis Vuitton evocativo da idade de ouro dos transatlânticos, quando o glamour e o requinte eram elementos essenciais da bagagem. Pertenceu a uma socialite norte-americana e a quantidade de etiquetas coladas na sua estrutura dão bem conta da vida aventurosa da sua dona.
Nas secções seguintes o V&A dá-nos a ver o modo como a função se casou com o estilo, fazendo da carteira de mão um dos acessórios mais determinantes para o sucesso de um look, a par dos sapatos, com que durante muito tempo tinham de combinar ton sur ton. Lá estão, pois, as carteiras que se tornaram icónicas na mão ou no braço de celebridades como a Hermès 'Kelly', assim nomeada em homenagem a Grace Kelly, a 'Lady Dior' dedicada à Princesa Diana, a Fendi 'Baguette' usada e logo roubada a Sarah Jessica Parker numa das cenas mais recordadas de Sexo e a Cidade, a Louis Vuitton 'Monogram Miroir' Speedy assinada por Marc Jacobs, popularizada por Paris Hilton e Kim Kardashian. Incluídas neste catálogo de ícones estão ainda a primeira Hermès Birkin usada pela cantora e atriz Jane Birkin e as malas de mão Mulberry (marca que, aliás, patrocina a exposição) de Alexa Chung e Kate Moss. Entre muitos outros objetos de desejo como a cloche, criada nos anos 1920 pelos Lacloche Frères (quem mais?), a safety pin bag de Gianni Versace ou a Traviata, de Launer, o modelo que Isabel II transporta para todo o lado, sempre em branco, cinzento ou preto.
Mas num tempo em que à moda também se exige responsabilidade ambiental, a exposição do V&A mostra alguns modelos em que a preocupação com a sustentabilidade faz parte do atrativo. É o caso da mochila Stella McCartney feita inteiramente com plástico recolhido no oceano ou o saco Elvis and Kresse confeccionado com mangueiras de incêndio fora de uso.

Sendo uma exposição de Design de Moda, a leitura proposta aos visitantes não exclui, todavia, a Sociologia do uso de um objeto, afinal, bem mais íntimo do que um vestido ou uma écharpe, já que, ao contrário destes, a carteira recria, à escala, o mundo de quem a usa. Uma função que é tão verdadeira hoje como em épocas remotas.
Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, a curadora Lucia Savi afirmou: "Habitualmente olhamos para o exterior das carteiras, para o seu preço e consequentemente avaliamos o perfil de quem a usa também em função disso. Mas o mundo interior é frequentemente mais rico do que esse exterior." Um mundo que foi mudando, mas talvez não tanto quanto nós pensaríamos. Uma malinha de senhora de 1740, bem mais pequena do que as nossas (não só porque as mulheres viveriam bem menos no exterior mas também porque a roupa teria uma quantidade apreciável de bolsos), continha habitualmente um relógio, dinheiro, uma caixa de rapé e eventualmente algo de comida. Um século depois, já haveria também uma bolsa para o dinheiro, uma pequena tesoura, um dedal, um bloco de notas e talvez até uma lupa."O formato e dimensão das carteias- refere a curadora na citada entrevista ao The Guardian - são sempre ditados pelos objetos que neles transportamos. Nos séculos XVIII e XIX importava que elas permitissem o transporte de pequenas quantias em dinheiro sem grande risco. Hoje é fundamental que na carteira caiba todo o tipo de telemóvel disponível no mercado. Numa sociedade em que o dinheiro é digital pode-se sair para o exterior com uma micro-carteira, desde que nela caibam o telefone, as chaves de casa e o baton.
Ao longo dos dois anos em que trabalhou nos vastos fundos do Museu para conceber a exposição (fundos em que encontrou qualquer coisa como 3000 carteiras de todo o tipo), a curadora percebeu que a ideia de brincar com as formas deste acessório não nasceu nas décadas de 80 e 90 do século XX. E aponta vários exemplos que, pela sua originalidade pioneira, foram incluídas na mostra como é o caso de um saquinho em forma de sapo, provavelmente usado para transportar doces ou ervas aromáticas, ou ainda de uma clutch francesa dos anos 30 que tinha a forma do luxuoso paquete francês, Normandie. Eles são os verdadeiros precursores da clutch Chanel em forma de pacote de leite de coco ou da mala cesto de flores de Lulu Guiness.

Embora, como não podia deixar de ser, o protagonismo da exposição vá para as carteiras de senhora e a sua longa história feita de segredos, Bags: Inside Out também faz incidir holofotes para alguns destes acessórios usados no masculino, sejam as tradicionais malas de médico ou os sacos de pano hoje usados tanto por rapazes como por raparigas. Mas a nossa imaginação histórica é facilmente captada pela mala (em forma de caixa de madeira com uma pega que a tornava facilmente portátil) em que eram transportados os documentos de Estado colocados à consideração de Winston Churchill enquanto primeiro-ministro, ministro e líder da oposição. Olhamo-la na vitrine do museu e sentimos, com um arrepio na espinha, que boa parte da História do século XX foi ali transportada.
Bags: Inside Out pode ser vista até 12 de setembro de 2021.

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