A Refuse é um manifesto anti-fast-fashion: "É péssimo para o planeta, a qualidade é má e faz mal à saude."
No Chiado, entre a história e a modernidade, há um projeto que está a redefinir o conceito de luxo, aproximando-o de um consumo mais consciente e sustentável. Chama-se Refuse a loja fundada por Laura Vieira que propõe que peças de marcas como Chanel, Dior, Hermès, Balenciaga, Prada ou Yves Saint Laurent ganhem uma nova vida, e onde se prova que consumir em segunda mão pode ser não só consciente como, também, elegante.
Empresária defende sustentabilidade no futuro da moda e do segmento de luxo
Foto: DR14 de outubro de 2025 às 12:08 Inês Costa / Com Maria Salgueiro
Vivemos, talvez, na era mais acelerada da história da moda. Se é um facto que sempre seguiu um sistema cíclico e circular, a verdade é que nunca pareceu girar tão depressa: nas grandes casas de luxo, os diretores criativos vão e vêm - como se viu nesta última temporada - e no fast-fashion as tendências sucedem-se a um ritmo vertiginoso, fazendo com que o ato de usar e descartar se torne um hábito mais real do que possa parecer. Basta observar o ritmo das últimas tendências comercializadas nas lojas de distribuição em massa para o perceber. Este ciclo incessante faz da moda uma das indústrias mais poluentes do mundo, ferindo, em simultâneo a autenticidade e a construção do estilo individual de cada um.
Ainda assim, cresce em paralelo uma consciência coletiva que procura devolver à moda o seu valor essencial. Em Lisboa, ganha forma no projeto Refuse, fundado por Laura Vieira para desafiar a pressa do sistema da moda, apresentando-se como um contraponto necessário. A Refuse, explica a fundadora, baseia-se na valorização dos princípios que definem o verdadeiro luxo - a qualidade, intemporalidade, originalidade e a durabilidade; unindo luxo e sustentabilidade,apostando na economia circular e propondo um consumo mais sensato e consciente, sem abdicar da elegância, da autenticidade, nem - sobretudo - da exclusividade. Os espaços físicos da Refuse (já são dois) reúnem peças de marcas como Chanel, Hermès, Dior, Balenciaga ou Prada; todas criteriosamente selecionadas por Laura, entre guarda-roupas de clientes e feiras internacionais.
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Cada vez mais, a sustentabilidade deixa de ser um ideal distante para se tornar numa prática real e desejável. E, nesse mesmo sentido, a circularidade, outrora um último recurso para uns e um movimento de resistência para outros, deixou de ser um gesto simbólico, tornando-se uma escolha mais natural. É neste novo panorama que o luxo se redefine, unindo-se à sustentabilidade.
Foi este fio condutor que guiou a conversa da Máxima com Laura Vieira, que partilhou o seu percurso, a origem do projeto, explicou como faz a curadoria das peças e partilhou a sua visão sobre o mercado de segunda mão. Passámos pelo desafio de unir sustentabilidade e sofisticação, a forma como a economia circular está a transformar o conceito de luxo, e o impacto que espera deixar na forma como consumimos moda em Portugal.
Quem é a Laura Vieira? Diria que sou uma mulher com um pé na terra e outro nos sonhos, no sentido em que tenho um lado pragmático e também tenho um lado muito criativo, não concebo nada sem algum sonho e criatividade. Assim descrever-me-ia em algumas palavras: entusiasmada, persistente, destemida, leal, positiva. Lido mal com a frustração e talvez seja demasiado exigente comigo própria.
Percebemos que o seu background não é em moda. Qual foi a sua trajetória antes de fundar a Refuse? O meu background é de quinze anos de trabalho jurídico e advocacia, muitos dos quais na SonaeCom, que também foi uma grande escola na altura. Em janeiro de 2007 abri a Readymaid, agência de empregadas domésticas que nasce na fase de recobro do nascimento dos meus gémeos [os seus segundo e terceiro filhos], pois percebi a importância do apoio das empregadas domésticas na vida familiar, pessoal e profissional. Sempre adorei trabalhar, tenho demasiada energia e, sem o apoio de uma empregada, depressa percebi que não conseguiria realizar os meus projetos tão sonhados. E, como eu, muitos de nós. Assim, arranca a ferro e fogo a Readymaid, empresa que continua a ser uma das líderes de mercado, e já numa fase de grande maturidade, pois faz em breve 18 anos de existência. Mais tarde, em maio de 2023 empenhei toda a minha energia para concretizar este sonho: uma loja que juntasse sustentabilidade com luxo, peças de qualidade premium, únicas, originais, com carisma. Embora o meu background não seja em moda, sempre me fascinaram as pessoas que sabiam vestir-se de acordo com a sua personalidade, a ponto de ficar pasmada quando vejo uma pessoa realmente bem vestida, com carisma, sem se restringir apenas às regras da moda. A arte de saber vestir com originalidade, a beleza de uma decoração especial, uma peça bonita de design, são fonte de inspiração, até para as minhas decisões.
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Como surgiu a ideia de fundar a Refuse? A ideia foi surgindo por vários motivos. Por um lado, com o grande gosto que já tinha sempre que viajava — a Paris, Amesterdão, Londres, Nova Yorque — em encontrar em lojas mais seletivas com peças giríssimas. Lembro-me do sucesso que estas peças tinham em jantares e festas. A Refuse nasce do gosto nessas experiências, com a ideia de proporcioná-las a terceiros. Depressa percebi que tinha nos clientes da Readymaid — que hoje acumula em carteira mais de 8 mil clientes de um segmento sócioeconómico alto — a garantia de um fornecimento constante de peças de muitíssima qualidade. Por outro lado, a ideia surgiu também da vontade em aliar a moda à sustentabilidade, promovendo o consumo mais acessível a peças de luxo únicas e especiais.
Refuse, loja no Chiado, propõe peças de luxo em segunda mão de marcas como Chanel e Dior
Foto: DR
Porquê o luxo sustentável? Por vários motivos, nomeadamente porque o luxo sustentável evita o desperdício, mas também porque acredito que a sustentabilidade no luxo dá um certo prestígio às marcas, permitindo criar uma conexão emocional mais forte com os seus clientes. Com esta reutilização e transmissão, há uma maior valorização das peças de luxo, deixam de ficar esquecidas no armário e passam a ter várias vidas, a ser um investimento.
Como compreende a sustentabilidade? A sustentabilidade vê-se na moda, na alimentação nos hábitos de transporte... Já não se esgota num discurso moralista aliado ao ambiente. Tornou-se um lema das novas gerações que a integraram no seu estilo de vida, procuram reduzir o consumo e apreciam a originalidade. O fast fashion retirou muita originalidade à maneira das pessoas se vestirem. Ter peças exclusivas que contam uma história, apoiam produções locais, produtos duráveis - as pessoas vêm especificamente à procura da loja por isso.
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Qual foi o maior desafio em enveredar no comércio de segunda mão e no mercado de luxo? O maior desafio está em ter de selecionar as peças. Temos de manter um stock exclusivo, peças em excelente estado, com preços de mercado. Isto é sempre desafiante… Mas vemos que os clientes vão tento imensa confiança nas nossas sugestões, o que é uma enorme compensação.
Na sua experiência, como compreende o estado do mercado de luxo em Lisboa? O mercado de luxo em Lisboa tem demostrado um enorme dinamismo e valorização. Não nos podemos esquecer que Lisboa se tornou uma das cidades europeias mais atrativas ao investimento estrangeiro de um nível sócioeconómico alto, que procura o luxo. É ver a quantidade de marcas que se fizeram representar nos últimos anos na Avenida da Liberdade.
Sente que Lisboa está preparada para acolher este tipo de consumo sofisticado e consciente?
Sem dúvida. Desde logo, porque os lugares onde as lojas se situam são lugares de passagem de estrangeiros, que adoram o conceito de luxo em segunda mão. As novas gerações de portugueses também estão cada vez mais sensibilizadas para a sustentabilidade e a originalidade, cada vez gostam mais do mercado em segunda mão.
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Projeto Refuse redefine luxo com peças de Chanel, Dior, Hermès, Balenciaga e Prada, promovendo consumo consciente e elegante em Lisboa
Foto: DR
A Refuse é descrita como, mais do que uma loja, “um manifesto”. A Refuse é um manifesto anti-fast-fashion, anti-andarmos vestidos de igual e à moda. Queremos incentivar as pessoas para que se aventurem a comprar uma peça de outra altura, ou recente, com melhor qualidade, muito mais agradável de usar, mais original. queremos incentivar também os consumidores a criarem a sua própria imagem sem a ditadura do que está na moda este ano.
Com cada vez mais plataformas online de comércio em segunda mão, como enfrenta o desafio de uma loja física? Desde logo, a Refuse também vende online pelo Instagram. De qualquer forma, uma loja física como a nossa oferece uma experiência única. Primeiramente porque o cliente pode ver e sentir a peça, o que não tem nada a ver com uma compra online de segunda mão, que além disso tantas vezes dificulta as trocas. Nas plataformas online que conheço só é permitida a devolução ou a troca se tiver havido erro na descrição da peça, ou seja, compramos sem saber se serve, sem sentir a textura do material, sem ver exatamente a cor, e as fotografias iludem muito. Ora, em relação a peças de luxo que implicam um certo investimento, o risco é grande. Prova disso é que muitos clientes, depois de verem uma fotografia no Instagram, vêm à loja ver se gostam para experimentar. Também temos de considerar as compras de quem está de passeio. As nossas lojas estão sempre localizadas em locais turísticos de imensa passagem. Por outro lado, na Refuse tentamos que as compras presenciais sejam uma experiência própria do mercado de luxo. As lojistas são especializadas neste mercado, estão habilitadas para fazer um atendimento muito personalizado, aconselhando, mostrando alternativas. Conhecem os vários materiais, a qualidade e a cotação das marcas. E além disso, temos regularmente eventos em que oferecemos um copo, temos boa música, algumas vezes de jazz ao vivo. Não tem mesmo nada a ver com fazer compras online deste género de artigos, até porque os preços online não são mais baratos.
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Refuse no Chiado promove luxo sustentável com peças de Chanel, Dior e Hermès
Foto: DR
Como faz a curadoria das peças? As peças chegam-nos dos clientes que fomos angariando ao longo destes 18 anos e de compras em leilões internacionais que frequentamos. A partir daí, fazemos uma triagem onde são apenas escolhidas as peças de marcas boas que estiverem em muito bom estado.
Que marcas tenta sempre incluir? Tantas! Desde o luxo supremo, como a Hermès ou a Cartier, ao luxo clássico, como a Louis Vuitton, Channel, Dior, YSL, Celine, Bottega Veneta, Gucci ou Etro. Mas também luxo contemporâneo, como a Dries Van Noten, Forte Forte, Acne Studios, Alexander Mcqueen, Missoni, Vince. Tenho um grande fraquinho pelo luxo contemporâneo, são marcas atrevidas, com uma enorme criatividade.
Qual é o tipo de peças que mais vende? O que tem mais procura são carteiras, casacos e vestidos. Mas vendemos de tudo, sobretudo peças que tenham muita originalidade.
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Há alguma peça que tenha uma história especial, ou alguma aquisição mais inesperada? Uma jaqueta da YSL linda de morrer, super original. Um top feito pela Dior Haute Couture, uma carteira da Hermès vintage. Eu própria perco a cabeça e quase tudo o que visto é das nossas lojas.
O mercado em segunda mão tem assumido cada vez mais espaço. Sente que tem mais público? Sim, sem dúvida nenhuma.
Acha que o futuro do luxo passa obrigatoriamente pela ética e pela consciência ambiental? Acho que sim. O desperdício está a atingir proporções insustentáveis. As marcas de luxo têm de dar o exemplo.
Quem são os seus clientes? Tem uma carteira de clientes fiéis? Sim, já temos uma larga carteira de clientes que procuram sempre peças nas nossas lojas, quer para uma festa, jantar ou dia-a-dia. E olhe que fazem sucesso. Repare que o que as pessoas mais reciclam são precisamente as peças originais que, por chamarem à atenção, não se podem repetir tanto. Também é o que os clientes mais procuram neste tipo de lojas, peças absolutamente originais, que fazem a diferença. Ainda que a maior parte dos nossos clientes sejam estrangeiros que estão de passagem, que passam a palavra a amigos que, quando viajam para Lisboa, vêm de propósito à loja. Muitos californianos vêm através de amigos. É muito curioso e compensador saber que vêm pessoas do outro lado do planeta com a referência da nossa loja.
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Como é que os clientes portugueses e os internacionais reagem à proposta da Refuse? Há diferenças de mentalidade? Quanto aos clientes portugueses, são desde logo ótimos clientes. As gerações mais novas são doidas por comprar neste mercado de segunda mão. De qualquer forma, os estrangeiros procuram ainda muito mais o mercado de segunda mão de luxo. Notamos que prezam muito a qualidade, conhecem as marcas e sobretudo têm muito mais poder económico. São menos os portugueses que têm este poder económico, é pena.
Refuse: moda de luxo sustentável no Chiado, com peças de Chanel, Dior e Hermès
Foto: DR
Expandiu o projeto recentemente. O que nos pode contar sobre isso? A Refuse mantém-se muito fiel ao Chiado, no número 24 da rua da Horta Sêca, onde irá continuar. Abriu uma outra loja na Rua do Poço dos Negros 9, que tem um ambiente ligeiramente diferente. O novo espaço é mais pequeno do que o do Chiado, abarca menos peças, mas tem opções e marcas mais contemporâneas, mais atrevidas. O novo espaço é num bairro mais alternativo e artístico de que gostamos muito e onde assenta mesmo bem uma loja como a nossa, pois não se consegue encontrar facilmente à venda este tipo de peças especiais. Felizmente, esta nova loja tem sido muito bem recebida, tem estado sempre em crescimento.
Que impacto gostaria que a Refuse tivesse no sistema da moda e no consumo em Portugal? Gostaria que a Refuse se tornasse uma visita habitual também para os portugueses de diferentes gerações. Com a abertura de mais lojas especializaria as várias lojas nos diferentes segmentos de luxo, para que mais pessoas começassem a optar por peças com mais qualidade e menos fast fashion, que não só é péssimo para o planeta, a qualidade é má e faz mal à saude. Acho que as pessoas deviam ter mais consciência do mal que faz, por exemplo, o poliester , muitas vezes contendo resíduos tóxicos, corantes, maus para a saúde e para o ambiente.
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Qual seria o maior sinal de que a Refuse conseguiu cumprir a sua missão? Esse sinal já vai existindo. Prova disso é o começo da expansão da Refuse para outro lugares - estamos com o projeto de abrir em breve mais uma loja. É também o facto de vermos as mesmas pessoas a voltarem à loja para repetirem a experiência. É saber que pessoas do outro lado do planeta recomendam umas às outras a visita obrigatória à Refuse quando vêm a Lisboa. Também o facto de os clientes confiarem nas nossas recomendações e dicas. É sentirmos que já somos um ponto de encontro onde se sentem bem. Tanta gente já nos diz que quando precisa de uma peça especial, um blazer, umas calças , vestido ou carteira, que a primeira coisa que faz é visitar-nos e ver o que temos no Instagram. Ou seja, com muita alegria já temos esse sinal. Agora há que expandi-lo mais de forma prudente e sensata.
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