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Criar e Educar

Álvaro Bilbao, neuropsicólogo. "A escola e a família colocam expectativas muito altas nos jovens. Também é importante não fazer nada."

Formado em Psicologia da Saúde e Neuropsicologia, Álvaro Bilbao esteve em Lisboa a apresentar o seu mais recente livro: 'Prepara-te para a Vida', um guia para os adolescentes se compreenderem melhor e viverem bem.

Foto: DR
28 de março de 2025 às 13:22 Júlia Serrão

Investigador no âmbito da psicologia e neurociência, por cujo trabalho já recebeu vários prémios, o neuropsicólogo Álvaro Bilbao tornou-se uma referência em temas educativos com o best-seller O Cérebro da Criança Explicado aos Pais (Planeta Editora), um livro dedicado aos progenitores. Em Prepara-te para a Vida (Planeta Editora), o também especialista em plasticidade cerebral dirige-se diretamente aos adolescentes e aos jovens "dos 14 aos 21, 22 anos que queiram aprender a compreender-se melhor e saber como funcionar bem na vida", disse-nos. Um guia indispensável dividido em sete capítulos que começam sempre com uma história ou uma lenda e onde, através de uma abordagem prática e uma linguagem clara, explica aos adolescentes o funcionamento do seu cérebro e a importância de assumirem responsabilidade sobre o próprio desenvolvimento, mas também de saberem procurar ajuda sempre que precisem. Também pode servir de manual e informação para os pais.

Foto: Wook

Como é que surgiu a ideia de escrever um livro sobre o funcionamento do cérebro dos adolescentes dirigido aos adolescentes?

Eu vou muitas vezes a escolas falar com os adolescentes, dar palestras para cem, duzentos jovens. Acontece que os diretores diziam-me sempre que ninguém me ia ouvir porque eram adolescentes, não iam prestar atenção porque não se interessavam por nada. Mas o que eu verificava é que eles estavam sempre muito atentos ao que eu dizia e no fim aplaudiam, colocavam perguntas, e aproximavam-se de mim porque queriam saber mais. Então, eu aprendi que os adolescentes podem não querer falar com os pais sobre alguns assuntos, mas interessam-se muito por aprender sobre o cérebro. O sono, por exemplo, é um dos temas que mais lhes interessa, sendo também sobre o que mais perguntam. A ideia de escrever este livro surgiu daí.

Quer dizer que toda as transformações na adolescência, acompanhadas de um corpo em mudança, são resultado das alterações no cérebro dos adolescentes?

Sim. As primeiras mudanças aparecem de uma forma silenciosa quando os meninos e as meninas têm por volta dos 11, 12 anos de idade, o que tem a ver com o desenvolvimento sexual. Quando se inicia o desenvolvimento muito cedo o cérebro começa a mudar. Esse desenvolvimento sexual faz com que o cérebro se irrigue de hormonas sexuais, testosterona e estrogénios, e isso faz com que os meninos e as meninas mudem a sua maneira de sentir-se e de relacionar-se como os pais. Estão a preparar-se para a grande mudança que vai acontecer no seu cérebro e no seu corpo.

De que forma é que o conhecimento do funcionamento do cérebro pode ajudá-los a compreender as mudanças que estão a viver, a acalmá-los, e até a tomar melhores decisões?

Quando um adolescente conhece o seu cérebro tem mais informação e pode compreender fenómenos que acontecem a todos nós. Por exemplo, todos os seres humanos tendem a comparar-se. A comparação é natural para o cérebro. Quando um menino ou menina de 15 ou 16 anos faz um exame e tem um seis de nota, e os seus colegas um nove e um dez, fica triste. Mas quando tira um seis, e os seus colegas um quatro e um três, já fica contente. A comparação é necessária para saber onde estamos dentro do nosso grupo.

Mas quando os adolescentes começam a comparar-se com as pessoas que seguem e/ou veem nas redes sociais (no Instagram, no Tik Tok), sempre em viagens, em férias, com bons carros, e veem ‘que todos são bonitos e bonitas e têm vidas fantásticas’, podem começar a sentir-se tristes.  Ora se eles compreenderem que a comparação é normal e que tem de decidir com quem se comparar, vão começar a comparar-se mais com os seus amigos, os vizinhos, com pessoas com vidas ditas normais. Quando eles entendem que o seu cérebro está a experimentar muitas mudanças e que podem ser muito impulsivos, vão aprender que têm de ganhar autocontrolo, e que as pessoas que têm um carácter mais forte são aquelas que dominam o seu temperamento. Então, esse tipo de conhecimentos ajuda-os muito a compreender que trabalhos têm de fazer, ao longo dos próximos anos, para formar uma personalidade e um carácter que os ajude na vida.

Fala na importância do autoconhecimento como "melhor ferramenta" para prevenir e resolver os problemas. Como é possível os jovens conhecerem-se, num período de instabilidade e procura de identidade?

No livro, eu explico que há dois tipos de autoconhecimento. O primeiro tipo de autoconhecimento é como eu sou, que coisas quero, que coisas gosto, que coisas não me fazem sentir bem. O outro tipo de autoconhecimento é como funciona o meu cérebro.

Descobrir a primeira parte é uma coisa que leva tempo e que está sempre a mudar ao longo da vida, porque vivemos situações distintas, temos sempre novas desafio. Mas o cérebro sempre vai funcionar de uma maneira similar em todos ao adolescentes. Todos têm muitos riscos de ter uma adição a uma droga se a experimentarem porque o cérebro tem adições, todos têm um risco de adição aos ecrãs, às redes sociais. E todos nós vamos sentir-nos mal se estivermos acompanhados de pessoas que não nos tratam bem, que não nos valorizam. Acontece que muitas vezes os adolescentes e os adultos não conhecem esses princípios básicos e fundamentais para todos os seres humanos. Então, é isso que pretendo explicar, esses princípios básicos fundamentais de autoconhecimento, do conhecimento do cérebro que os adolescentes podem conhecer.

Foto: DR

Convida os adolescentes a ouvirem as suas emoções e logo depois a controlar o temperamento. Como fazer esta passagem?

É muito difícil, porque como eu sempre explico, o cérebro não é uma única coisa. O cérebro tem muitas estruturas distintas que servem para coisas distintas. Às vezes são complementares, outras vezes lutam entre si. Então, os adolescentes têm de saber que é importante confiar nas emoções e nos sentimentos para tomar decisões, mas também é igualmente importante ter autocontrolo. Esta é uma tarefa muito difícil na adolescência porque eles têm muitas hormonas, têm de enfrentar riscos, mas é essencial. Portanto, têm de combinar essa necessidade de enfrentar riscos com a necessidade de cuidar-se, de ter autocontrole. É um trabalho que o cérebro vai fazendo nos próximos nove, sete e oito anos, com o desenvolvimento do córtex pré-frontal.

Sobre o sono, constata que os jovens dormem cada vez menos, sendo a exposição aos ecrãs na hora de ir dormir, especialmente aos telemóveis, a grande responsável. Como sensibilizá-los a ‘desligarem-se’ quando o modelo em casa às vezes não ajuda?

A primeira coisa que eu explico às famílias que têm adição aos ecrãs é que primeiro os pais e depois os filhos, mas todos têm de dormir com o telemóvel longe do quarto, no compartimento mais afastado, porque sabemos que a exposição aos ecrãs altera os ciclos do sono. Os dipositivos vão interferir no princípio do sono, na qualidade do sono, e também no final do sono. Então, é importante que todos entendam como estão a afetar o funcionamento cerebral, e como podem dificultar o seu descanso, o seu estado de ânimo, e como podem afetar também as suas tomadas de decisão e a relações com as outras pessoas. O ideal é ‘desligarmo-nos’ pelo menos duas horas antes de ir dormir, para que não haja interferências.

Ao falar de vícios, aconselha os jovens a nem sequer começarem se não quiserem vir a ter problemas relacionados com a dependência…

Especialmente com drogas que têm um risco de adição muito alto.

O risco de adição está também associado ao mapa do cérebro?

Eu acho que tem mais a ver com a vulnerabilidade do cérebro individual a esse agente tóxico. Sabemos que há casos de psicoses que são originadas por uma só experiência com uma droga recreativa. Logo, temos de ser conscientes que ninguém conhece a sua vulnerabilidade até experimentar. Uma só experimentação pode conduzir a algo dramático para uma vida inteira.

É claro que a cocaína e os opiáceos são preocupantes, mas agora temos o fentanil que é um grande problema nos Estados Unidos da América, e que mais cedo ou mais tarde vai chega à Europa. Portanto, os adolescentes têm de ser muito conscientes que há drogas que são muito perigosas.  Há drogas como a cocaína ou as recreativas como o ecstasy em que o risco de adição depende mais da vulnerabilidade da pessoa, mas há outras como o fentanil em que o risco é certo para todas as pessoas. Também temos a canábis e o haxixe que muitos jovens pensam que é uma droga segura, que é natural e que não tem nenhum perigo, mas que os estudos dizem que afeta todas a estruturas do cérebro e provocam desmotivação, problemas de memória e problemas de concentração.

Esclarecendo que não há pessoas inteiramente felizes o tempo todo, incentiva os jovens a cultivar a felicidade. De que forma é que eles podem cultivar esta e outras emoções positivas?

Eu explico aos adolescentes que é importante que cultivem relações positivas com as outras pessoas, porque sabemos que a maior fonte de felicidade e bem-estar no ser humano é ter boas relações com os outros. Também lhes explico que ajudar as outras pessoas, dedicar tempo a fazer coisas que os fazem perder a noção do tempo, aos seus hobbies, ajudam muito a que se sintam bem. Há uma emoção que se chama a emoção do fluir, que é o que sentimos quando estamos a fazer algo de que gostamos muito – para mim pode ser escrever, para outra pessoa desenhar, para outra cozinhar, etc. –, quando experimentamos isso os nossos níveis de felicidade aumentam. Mas também a gratidão, o sentirmo-nos gratos aumenta os nossos níveis de bem-estar.

Por outro lado, é importante controlar o stress – que não é uma emoção em si mesma mas um estado fisiológico –, pois níveis altos de stress sentidos durante muito tempo dão lugar à ansiedade, e quando esta persiste por longos períodos instala-se a depressão. Portanto, temos de ter baixo controlo do stress também.

Este controlo do stress poderá ser mais difícil?

Uma coisa importante para controlar o stress é dormir bem. O sono reduz os níveis de cortisol no cérebro e permite enfrentar o dia seguinte mais descansado, com mais energia e menos stress. Também é importante entender o que podemos fazer e não fazer, há coisas que são demais para nós. Às vezes, a escola e a família colocam expectativas muito altas nos jovens: muito horas na escola, muitas atividades extracurriculares, aprender idiomas, praticar desporto… Ainda que tudo isso seja interessante, também é importante que tenham tempo para descansar, para relaxar, para não fazer nada.

Foto: DR

No seu livro, também vem dar importância à inteligência emocional. Quer comentar?

É algo que trabalhamos muito com os adolescentes com grandes capacidades porque têm um cérebro intelectual muito desenvolvido, mas têm muitas dificuldades para compreender as suas emoções e as dos outros. Vivem num mundo muito intelectual e pouco emocional.

Os adolescentes têm de saber que as emoções estão sempre a dizer-lhes algo, estão sempre a ajudá-los. E compreender que é importante cuidar das emoções e das relações com as outras pessoas, rodearem-se de pessoas boas, mas também que um jovem que tem uma inteligência racional muito alta mas uma inteligência emocional baixa certamente não vai chegar muito longe nem sentir-se bem. Logo, é muito importante trabalhar a parte emocional.

Pessoas muito inteligentes podem ter trabalhos muito bons e ter dificuldade de se relacionar com os outros. Outras vezes são pessoas que são suficientemente inteligentes mental e emocionalmente para ter boas relações no trabalho, mas têm uma má relação com eles próprios: não sabem descansar, fruir de um passeio, é só trabalhar. Por isso, é essencial que ensinemos os jovens desde pequenos que o trabalho é importante, mas que o descanso também, que é importante saber descansar e ter amigos. Nas palestras digo sempre que o mais importante é ter bons amigos, pelo que há que cultiva-los.

Sugere que os jovens não se comparem com os outros e não acreditem em tudo o que veem. Numa fase em que a comparação com os pares é uma contante e numa sociedade em que os influencers dão cartas, resistir nesse sentido é um desafio enorme, não lhe parece?

Muitos meninos e meninas sentem que não se devem comparar, mas acreditam constantemente nas coisas que veem nas redes sociais. Isso é um problema, porque as coisa que veem são fantasias. Às vezes não são coisas comparáveis, como um Ferrari, viagens, mas são coisas que vêm de pessoas felizes, de felicidade. E as pessoas não são felizes o tempo todo. As pessoas estão contentes um dia, no dia seguinte podem estar cansadas, podem estar tristes, podem ter um problema. Os casais não estão sempre felizes, a dar beijinhos. Os casais têm momentos tranquilos, têm momentos de tédio, têm momentos de felicidade. Então, os adolescentes têm de deixar de acreditar em tudo o que veem nas redes sociais, é difícil porque às vezes perdem muito tempo no Instagram e no Tik Tok, e prestar mais atenção às coisas normais à sua volta.

Em matéria de construção do futuro, que conselhos úteis podem então ser tirados para ajudar adolescentes indecisos nesta área da vida?

Há quatro coisas que eu acho que podem ajudar os adolescentes. A primeira coisa é que têm de ser pacientes. Alguns meninos e meninas sabem o que querem vir a fazer com 14 anos: quer ser bombeiro, cozinheiro, quer ser jornalista. Outras pessoas precisam de mais tempo, e mais tempo, e mais tempo para chegar a uma conclusão, e a espera pode ser difícil. Mas a paciência vai ajudar. A segunda é que se fixem nas coisas que gostam de fazer quando têm tempo – escrever, falar, aprender coisas, ouvir os outros ou defender os outros. A terceira coisa é que se fixem no que fazem bem – eu posso gostar de desenhar, mas não desenho bem. E a quarta nas coisas para as quais as pessoas lhe pedem ajuda ou confiam – pode ser resolver um problema, pensar um estratégia, um plano, organizar coisas, consertar outras, etc. A soma de tudo isto pode dar muitas pistas. É claro que implica tempo e paciência, mas é importante.

O que é que os jovens estão a dizer sobre o livro?

Alguns jovens tiveram acesso através dos pais, que lho ofereceram. Estes agradeceram, mas não prestaram atenção. Mas muitos outros jovens escrevem-nos emails para dizer que o livro os ajudou muito, porque não estavam bem, permitindo-lhes algumas mudanças. Eu explico sempre que o livro tem sete partes, e cada adolescente vai descobrir uma parte mais interessante do que as outras, porque cada um tem mais dificuldade numa área da vida.

Os miúdos estão a gostar muito, as recensões estão a ser muito boas, e há muitas escolas em Espanha que estão a utilizar o livro como material pedagógico para os jovens dos 14, 15 e 16 anos, porque ajuda os professores a explicar os assuntos, e os jovens a compreender competências que são importantes para as suas vidas. Por exemplo, os jovens passam por grandes crises de ansiedade na adolescência. Ora para trabalhar a ansiedade, é importante trabalhar as capacidades que permitam geri-la. A pessoa que tenha uma ansiedade social, que tem medo de relacionar-se com os outros, por exemplo, tem de aprender a ‘ousar’, fazer perguntas, a interessar-se. O livro ensina habilidades, as estratégias para poderem enfrentar essas dificuldades.

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