Alba Baptista, a promessa da representação portuguesa que chegou à Netflix
Se o céu é o limite, como uma metáfora, Alba Baptista está numa ascensão estelar a uma velocidade fascinante. Forte promessa da representação portuguesa, a jovem atriz será a protagonista de uma nova série da Netflix, a estrear em 2020. E nós observamo-la, como espectadores atentos, enquanto ela se lança no espaço.
Enquanto a chuva vai caindo lá fora, incessante, num dia de outono atipicamente tropical, no interior do estúdio em que nos encontramos impera a calma, a boa disposição e paira uma subtil bruma de glamour no ar. Alba Baptista posa para a lente do fotógrafo como uma verdadeira musa, entre retoques de maquilhagem e de cabelo, trocas de roupas e conversas cruzadas. Enquanto tudo isso acontece, sento-me no sofá e vou lendo o livro A Campânula de Vidro, de Sylvia Plath (The Bell Jar, no original), uma história fatídica e intensa sobre uma jovem à beira da depressão e que durante anos esteve na wishlist das minhas "próximas" leituras. "É o meu livro preferido. É uma história linda, trágica, li-o com 14 anos e marcou-me imenso. Estranhamente, foi esse livro que me deu inspiração para o meu trabalho", confessa-me a jovem atriz no início da nossa conversa. Coincidência ou não, o poder da literatura evidenciou-se quebrando qualquer sensação de estranheza que ainda pairasse entre as duas, na verdade, desconhecidas.
Alba nasceu em Lisboa, no dia 10 de julho de 1997. Filha de pai brasileiro e de mãe portuguesa, e a mais nova de três irmãos, tem 22 anos e fala fluentemente português, inglês, francês, alemão e espanhol. Em televisão, integrou, por exemplo, os elencos de séries como Madre Paula (2017) e Filha da Lei (2017) ou de telenovelas como A Impostora (2016-2017) e Jogo Duplo (2017-2018). No cinema, estreou-se como Raquel, em Miami (2014), de Simão Cayatte, seguindo-se aplaudidas prestações em Leviano (2017), de Justin Amorim, Caminhos Magnétykos (2018), de Edgar Pêra, e Patrick (2019), de Gonçalo Waddington, que a levou, com o elenco, à passadeira vermelha do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián. O grande salto internacional deu-se com o convite para ser Ava, a protagonista da série Warrier Nun, de Simon Barry, uma produção Netflix que estreia em maio de 2020. Baseada numa banda desenhada, "é sobre como as mulheres juntas são muito mais fortes, como a competitividade é nada em comparação com a irmandade", declara. No Festival de Cinema Europeu Subtitle, na Irlanda, em 2018, Alba foi distinguida com o Prémio Revelação (feminina) e, mais recentemente, recebeu o Prémio Nico, da Academia Portuguesa de Cinema, destinado às promessas da sétima arte. No início do próximo ano poderemos vê-la ao lado de Beatriz Batarda e de Ana Moreira em Nothing Ever Happened, de Gonçalo Galvão Teles, e tem, pelo menos, duas longas-metragens por gravar. Embora pareça, ao primeiro minuto, ser tímida e reservada, Alba Baptista conversa sem filtros, segura de si, à medida que revela, sem esforço, uma maturidade rara para alguém da sua idade.

Que memórias guarda da infância passada em Lisboa? Sei que tem ascendência luso-brasileira…
O meu pai é brasileiro e, por isso, estávamos sempre em "risco" de nos mudarmos para o Brasil. Como é engenheiro mecânico, de dois em dois anos mudava de sítio e tanto podia estar na Índia, como estar no Canadá. Na verdade, eu nunca vivi com o meu pai. Íamos visitá-lo e ficávamos alguns meses aqui ou ali, e acabámos por ser sempre uma família viajada. A minha mãe era tradutora. Eu não me lembro de, alguma vez, querer ser atriz. Sempre quis ser artista, ou seja, sempre fui fascinada pela arte. A minha mãe pinta muito e eu acompanhava-a nas suas horas e horas de meditação de pintura e isso sempre me fascinou. E eu fazia muitos retratos e gostava de desenhar a carvão. Primeiro quis ser pintora, depois quis ser pianista e toquei piano durante sete ou oito anos, e sempre adorei dança.
Em que momento entra a descoberta da vocação para a representação?

A primeira vez que eu tive algum tipo de primeiro sentido pelo gosto da representação foi quando fui a um espectáculo de magia quando tinha 10 ou 12 anos. Um mágico estava a fazer os seus truques, olhou para toda a gente e escolheu-me a mim. E eu não queria, escondi-me dele. Estava a suar e quase a chorar. Assim que subi ao palco e me virei para a plateia, estava um escuro absoluto, senti uma energia que não se explica em palavras. Foi poderoso. Foi o facto de eu me sentir sozinha, mesmo sabendo que não estava, e sentir-me também conectada com pessoas que não conhecia. Foi a primeira vez que eu tive aquela sensação e lembro-me de pensar que era mágico e que era algo que só se conseguia ali.
Daí até ao primeiro papel de uma adolescente obcecada com a fama, a Raquel, de Miami [de 2014], como é que tudo aconteceu?
Na minha cabeça sempre foi esse o filme que desencadeou um amor que eu não sabia que tinha. Foi explosivo. Tenho alguma dificuldade em explicar isto, mas o processo com o realizador Simão Cayatte foi diferente. A sua abordagem foi o que fez com que eu me apaixonasse pelo cinema… Passou muito por entrar no meu lado psicológico e encontrar semelhanças com aquilo que queria para a personagem, retirou-as de mim e acrescentou algo que era fictício. Foi um trabalho muito psicológico, analítico e filosófico, coisa que me interessa muito. Eu adoro Filosofia e Psicologia. Aos 15 anos aquilo fascinou-me imenso e adorei estar fora da zona de conforto. Deu-me uma adrenalina que ainda hoje tenho e que espero sempre ter, e que tem muito a ver com o não estar confortável e ter necessidade de me adaptar. Ele conseguiu moldar-me e eu consegui crescer.
O que é que faz um bom ator, da sua perspetiva?
Temos de ser muito bons ouvintes, absolutos camaleões na vida pessoal e saber adaptarmo-nos aos extremos. Parece ser fácil, mas cada realizador, cada projeto, é muito diferente e o trabalho de um ator é precisamente conseguir saltar de um para o outro. E humildade. Não falando de talento e de esforço ou, até, de sorte…. Mas a falta de humildade pode levar um ator a desviar-se do propósito que é meramente o projeto em si.
Como é que se prepara para uma personagem? É difícil deixá-la por fim?

Custou-me muito, ao início, e ainda passo por dificuldades. Porque eu não tinha a bagagem emocional, nem tinha controlo suficiente das minhas portas emocionais interiores para conseguir diferenciar a ficção da realidade. É uma luta que também vem com a maturidade e com a experiência. O processo de cada um é muito pessoal. Adoro a esquizofrenia do meu trabalho, esquecer-me quem eu sou e entrar num transe qualquer. Ao fim de cada projeto é como um destroço de coração, é despedirmo-nos da pessoa que se ama e com quem se viveu um tempo específico. O coração parte e choramos. Também me aconteceu estar tão feliz, tão confortável e orgulhosa do trabalho feito que, no último dia, fechei o capítulo e na minha cabeça estava tudo arrumado.
Quais são as maiores diferenças entre o tempo do cinema e o tempo da televisão?
Eu diria que a televisão é o alcance à realidade e que o cinema é o alcance à perfeição. Em cinema, há perfecionismo e detalhes até não ser mais possível, até o produtor nos expulsar do set… Em televisão, passa tudo muito por cumprir e por trazer a maior verdade possível. Qual é a mais desafiante? Ambos têm os seus desafios, diferentes e parecidos, mas essa é, para mim, a maior diferença. No cinema, se o olhar mexer cinco milímetros, o take já não funciona. É um desafio, a meu ver, mais emocionante.
Num mundo glamoroso como o do cinema é fácil cair no deslumbramento?
Eu não vejo deslumbramento numa passadeira vermelha, por exemplo, mas é algo que faz parte do trabalho. São os ossos do ofício. Por um lado, apetece-me simplesmente não ir, mas por outro é irresponsável e também vejo isso como um desafio bom. Nas red carpets é bom estar em equipa, desde os atores à equipa técnica, porque é uma sensação de orgulho e de partilha em "família". É um reconhecimento em equipa que me dá muita alegria, ao invés de desfilar num vestido e falar das minhas joias…
Que atriz admira?
Se eu pudesse escolher a carreira de alguém, escolheria a de Natalie Portman, sem dúvida. Ela dá aquele toque do perfecionismo e da verdade que é tão raro encontrar nos olhos de uma pessoa. A maturidade com que ela encarou aquele primeiro papel, com 12 anos [em Léon, o Profissional, de Luc Besson, de 1994], fascinou-me quando era miúda. Via-se nela uma alma velha com que me identifiquei.
Vivemos numa era para o cinema marcada por remakes e por biografias. É preciso uma reinvenção?
Eu creio que o cinema precisa sempre de reinvenção. Deve ser constante. O cinema de autor tem essa qualidade e, no entanto, muita gente não tem tanto interesse [nele] porque fomos formatados a um tipo de seguimento de filme onde nos é tudo dado muito facilmente e banalmente. Eu temo que seja cada vez mais raro um espectador ir ao cinema para ser precisamente desafiado e sair de lá a pensar no assunto e não lhe ser dado tudo.
Tem um papel de leading lady na série Warrior Nun, da Netflix. Que crescimento é que lhe trouxe esta oportunidade?
Cresceu em mim um sentimento que eu nunca tinha tido, nem na minha vida, nem na minha carreira, e que é o gosto pela responsabilidade e pela pressão de ter muita coisa nos meus ombros. Eu tive imensa sorte, não só em ser protagonista, mas porque o produtor do programa me deu abertura e confiança para me envolver em outros departamentos, como o de fotografia, de edição ou de escrita. Foi um enorme prazer e uma bênção porque cresci muito. Nesse momento apercebi-me que eu gosto de chegar ao trabalho e ter quarenta mil coisas com que lidar. Sempre achei que não tinha perfil de líder, mas gostei da experiência.
Que memórias ficam de Málaga, a cidade onde decorreram as filmagens?
Eu filmava entre 12 a 15 horas por dia, seis vezes por semana, e aos domingos encontrava-me com o meu coordenador, discutíamos ideias e fazíamos o balanço da semana. Foram seis meses entre ensaios e filmagens. Às vezes íamos dançar ao ZZ Pub, o bar onde toda a gente ia, e eu falava sobre o que tinha corrido mal na semana e chorava [risos].
É uma série que fala sobre poder no feminino e irmandade. É verdade?
Quando fiz o casting, só sabia que era um projeto para a Netflix, mas quando falei com o produtor, fui pesquisar a banda desenhada e pareceu-me um pouco misógina e sexista. Mas acabei por perceber que retiraram apenas o universo que foi criado na banda desenhada. Tudo o resto é história inventada. É uma série sobre como as mulheres juntas são muito mais fortes e como a competitividade é nada em comparação com a irmandade. E foi um processo muito inspirador, este de gravar nesse sentido e de sentir as atrizes nesse ambiente. Estávamos todas nesse estado de espírito. É incrível o que as mulheres juntas conseguem alcançar quando se estão a apoiar umas às outras.
Styling: Marina Sousa
Cabelos: Pini.
Maquilhagem: Rita Fialho
