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Beleza / Wellness

Cancro da mama. O que fazer quando os tratamentos deixam sequelas físicas e psicológicas

Em oncologia, por vezes, o que é usado para tratar tem de ser tão ou mais agressivo quanto o adversário. Numa primeira fase, o foco está em sobreviver. Mas, a partir de determinada altura, as sequelas dos tratamentos podem tornar a vida difícil – e é preciso tratá-las também.

Cancro da mama: tratamentos agressivos podem deixar sequelas físicas e psicológicas nas pacientes
Cancro da mama: tratamentos agressivos podem deixar sequelas físicas e psicológicas nas pacientes Foto: Pexels
23 de junho de 2025 às 11:06 Madalena Haderer

Para muitas mulheres, um diagnóstico de é a coisa mais aterradora que imaginam ouvir. Muitas terão já visto as suas mães ou amigas passarem por isso e, portanto, recebem a notícia com muito medo e incerteza, e também com raiva, frustração, tristeza, negação… Todas as emoções são válidas. O cancro, de resto, é daquelas doenças cujo tratamento também é bastante assustador. E não só o tratamento, mas os seus efeitos secundários, as sequelas que deixa. Há tratamentos que se prolongam durante anos, o que significa que os seus efeitos secundários, também. , , , são só alguns. Muitas mulheres deixam de conseguir ter por causa disto, outras têm problemas psicológicos, depressão, falta de auto-estima. 

Regra geral, os oncologistas estão focados em manter as suas doentes vivas e em remissão – e bem –, portanto, tendem a ver tudo isto como questões acessórias. Mas, para quem tem de viver, diariamente, ao longo de semanas, meses e anos, com estas dificuldades, sentindo-se velha antes de tempo – há cada vez mais mulheres jovens a serem diagnosticadas –, estas não são questões acessórias, são centrais para a vida do dia-a-dia. Fazem parte da sua identidade, daquilo que significa, para elas, ser mulher. E são essenciais para a sua qualidade de vida.

Hoje retomamos, pela última vez, a conversa com a ginecologista Mónica Gomes Ferreira, uma entrevista em quatro partes que se focou em quatro doenças femininas raras ou de difícil diagnóstico e tratamento: líquen vulvar escleroso, dispareunia, lipedema e, agora, “o lado B do cancro da mama”. Esta entrevista teve lugar na clínica MS Medical Institutes, onde está localizado o Instituto HOPE (Health in Oncologic Patients Experience), que conta com uma equipa multidisciplinar que colabora para criar programas de reabilitação personalizados e adaptados para abordar os desafios específicos que cada paciente enfrenta na sua vida pós-cancro. 

Dra. Mónica Gomes Ferreira, ginecologista.
Dra. Mónica Gomes Ferreira, ginecologista. Foto: DR

A clínica MS Medical Institutes trata aquilo a que chama “o lado B do cancro da mama”. O que é que isto significa? Que “lado B” é este?

O cancro da mama é, como sabemos, uma doença oncológica mais predominante na mulher e há, infelizmente, mulheres cada vez mais jovens a serem diagnosticadas. Eu tenho visto mulheres mesmo muito novas. E, normalmente, quando falamos do cancro da mama, falamos daqueles tratamentos oncológicos que servem para salvar a vida da mulher e que são, sem dúvida, fundamentais, e que podem passar por cirurgia, quimioterapia, radioterapia, esvaziamento ganglionar, etc., de acordo com o grau e com o tipo de cancro da mama que a doente tenha. Mas também é fundamental falar das sequelas que estes tratamentos causam às mulheres que sobrevivem e são a essas sequelas que nós chamamos o lado B do cancro da mama

Portanto, não é só tratar a doença e curar a doente, é também tratar e olhar para esses outros efeitos, que podem ser, por exemplo, sequelas psicológicas. Todas as mulheres que passam por um cancro da mama precisam de um apoio psicológico porque muitas delas, mesmo aquelas que parecem muito fortes e enfrentam o cancro de uma forma mais estóica, acabam com depressões e medicações psiquiátricas. 

Depois temos as sequelas estéticas, o aspecto com que a mulher fica depois do tratamento. O nosso Hope Institute dedica-se às pacientes pós-oncológicas e ajuda a tratar estas repercussões e uma dessas vertentes é a vertente estética. Por exemplo, o cabelo, algumas doentes dizem que ficaram com o cabelo mais enfraquecido, portanto podem fazer tratamentos capilares. Outras que dizem que a pele simplesmente se alterou, tanto da cara como no resto do corpo, notam uma pele menos hidratada mesmo que passem cremes não conseguem fazer com que aquela pele fique realmente hidratada e confortável. O envelhecimento do rosto, com o aparecimento de rugas, também é muito típico nas mulheres que passam por estes tratamentos – nós olhamos para a doente e vemos que não é a mesma mulher de há um ano, a cara fica muito envelhecida. 

E esta parte estética é muito importante até porque está muito ligada também à parte psicológica, à autoestima. Muitas vezes, as mulheres querem fazer estes tratamentos porque dizem: “Esta não sou eu. Olho-me ao espelho e não me reconheço. Sou outra pessoa.” 

Isso acontece porque, muitas vezes, os tratamentos oncológicos, têm como objetivo bloquear o estrogénio, não é? E o estrogénio faz falta na pele, no cabelo, nos ossos… 

Exatamente. E é muito curioso que as mulheres na menopausa que não têm este estradiol, este estrogénio, têm mais risco de doenças cardiovasculares. Só não podemos dar hormonas às doentes que tiveram tumores com receptores hormonais positivos e, portanto, elas têm estas repercussões na pele e também a nível vaginal. Muitas mulheres fazem tratamentos imunomoduladores, como o Tamoxifeno, que é muito conhecido e que inibe esses receptores. E esse tratamento é feito durante muitos anos, hoje em dia 5 anos e já se está a prolongar até 10 anos. O que faz com que elas tenham muitos sintomas ao longo de muito tempo, como secura vaginal, desconforto nas relações sexuais porque toda a zona fica atrófica, há muitas que também começam com afrontamentos, com dificuldade em dormir, acordam ao meio da noite, no dia seguinte sentem-se demasiado cansadas, ou seja, é quase como os sintomas da . Precisamente porque estamos a inibir a parte hormonal. 

Também acontece muito terem infecções urinárias de repetição, não é? 

Sim, porque quando existe atrofia a nível da vulva e da vagina nós temos aqui a uretra [aponta para um modelo anatómico 3D que tem em cima da secretária], está logo aqui, é este pontinho, portanto, quando existe uma atrofia a nível de toda esta área da vulva e da vagina, todos estes tecidos são afetados. É por isso que nós, por exemplo, nas mulheres que estão na menopausa, que é uma situação similar a estas mulheres pós-oncológicas, dizemos que elas têm atrofia vulvovaginal ou síndrome geniturinário. Porque esta parte urinária, devido à proximidade, é afetada. Consequentemente, as mulheres têm, muitas vezes, infecções urinárias de repetição e, às vezes, incontinências ou desconfortos urinários. 

E nesses casos, é recomendável utilizar estrogénio tópico vaginal [em creme]? Porque há uma grande polémica entre os oncologistas e os médicos especializados em menopausa sobre se pode, ou não, usar, em contexto pós-oncológico.

Primeiro, depende do cancro que a mulher teve. O cancro da mama triplo negativo, por exemplo, nem sequer tem a ver com hormonas portanto temos que avaliar bem o tipo de cancro que a doente teve. Depois, é verdade que, ao ser aplicado ao nível tópico, não existe tanta reabsorção a nível sistémico e, portanto, teria menos probabilidade de ter possíveis consequências a nível de malignidade. Dito isto, de acordo com a minha experiência, sempre que eu tento oferecer essa opção, e tento que as doentes ponderem que, se calhar, o seu cancro não era hormonodependente, logo, os riscos são baixos, elas próprias não querem. 

A Dra. Mónica Gomes Ferreira, ginecologista, destaca a importância do tratamento das sequelas para uma melhor qualidade de vida.
A Dra. Mónica Gomes Ferreira, ginecologista, destaca a importância do tratamento das sequelas para uma melhor qualidade de vida. Foto: Unsplash

Não querem? Porquê? 

Porque estiveram ali naquele meio oncológico tanto tempo e sofreram tanto que preferem não arriscar. E, portanto, aí, podemos recorrer a outros tipos de tratamentos. Há os básicos, que as doentes dizem que praticamente não fazem nada, que são aqueles hidratantes e lubrificantes, ao nível da vulva e da vagina. E depois há aquelas tecnologias mais avançadas, como o laser e a radiofrequência, que é a mesma base daquilo que falávamos no líquen vulvar escleroso, que consiste em estimular, através da energia, a regeneração dos tecidos. 

Uma das primeiras coisas que elas começam a notar é a alteração na lubrificação. Normalmente, três semanas depois do primeiro tratamento, começam logo a notar essas alterações ao nível da lubrificação, da elasticidade dos tecidos, da vagina, menos desconforto com as relações sexuais. Portanto, de forma progressiva, à medida que vão fazer este tipo de tratamentos – que estão realmente indicados nas mulheres pós-oncológicas, não existe qualquer tipo de risco, é uma ótima opção –, elas, a pouco e pouco, vão notando essas alterações e essa melhoria dos sintomas, inclusivamente da incontinência urinária. As doentes dizem-me isso mesmo: “A incontinência urinária começou a melhorar, já não tenho tanto desconforto urinário, já estou lubrificada, não tenho desconforto com as relações sexuais.” 

Portanto, estas opções são, do meu ponto de vista, muito melhores, porque estimulam a regeneração dos tecidos. Os [tratamentos tópicos] hormonais melhoram ali um bocadinho a atrofia, mas não regeneram tanto os tecidos como este tipo de tecnologias, que são super indicadas para as doentes pós-oncológicas e o feedback que tenho tido é muitíssimo positivo.

Ouvindo a sua explicação, quase parece que está a falar de um rejuvenescimento de rosto.

Sim, é a mesma coisa. Também usamos este tipo de tecnologias na cara, a base é a mesma, produz uma reação inflamatória local, onde nós aplicamos a energia e faz com que o nosso organismo comece a regenerar e a rejuvenescer. Portanto, é o mesmo fundamento, só que, neste caso, é utilizado na zona íntima. E isto ainda é tabu na sociedade portuguesa, mas que tem que deixar de ser, temos mesmo de desmistificar esta questão, porque as senhoras sofrem tanto, eu tenho tantos casos de tantas doentes que vêm aqui com depressões, quase só por esta questão, porque não conseguem ter relações sexuais e são super novas. E elas dizem: “Parece que a minha vida acabou aqui. Já não vou ter mais relações, tenho 40 e tal anos, já não vou ter intimidade com o meu marido.” E há algumas que é curioso porque mesmo sem a questão das relações em cima da mesa [porque não estão num relacionamento ou seja por que razão for], afeta a autoestima delas, porque sentem a secura vaginal, o desconforto, a comichão, porque muitas vezes esta secura vaginal dá comichão. E elas já não se sentem as mesmas mulheres, e depois também têm, às vezes, sequelas físicas a nível da mama, olham-se ao espelho e vêem que aquela mama não é delas. 

Portanto, temos mesmo que começar a eliminar estes tabus e a ajudar as mulheres a darem esse primeiro passo e a decidirem tratar estas sequelas, porque é mesmo isso, elas quando vêm aqui dizem: “Eu decidi que quero tratar desta questão, porque me está a afetar.” Mas até chegar lá às vezes são muitos anos.

As mulheres também têm uma certa tendência para não se porem em primeiro lugar…

Sim, exatamente. E acho que também é um bocadinho cultural, porque eu estive no estrangeiro, em Espanha, em Inglaterra, nos Estados Unidos, e aqui em Portugal temos muitas brasileiras, e, de uma forma geral, as mulheres no estrangeiro pensam mais nelas, e tratam muito delas, da saúde feminina, do bem-estar. A mulher portuguesa tende a não tratar tanto de si própria. O que é particularmente dramático no âmbito destas doenças oncológicas, porque elas estiveram ali fechadas naqueles centros oncológicos, durante muito tempo, e ninguém quis saber destas sequelas. Elas vêm aqui à consulta e dizem: Ninguém me falou destas sequelas, ninguém me disse que eu ia precisar de apoio para resolver estes problemas decorrentes dos tratamentos e, agora, quando falo [sobre isto com os médicos oncologistas] também não dão muita importância.” Portanto, as mulheres sentem-se isoladas e sem saída.

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