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Beleza / Wellness

Andrea Maier: "O problema na longevidade é que, muitas vezes, tentamos melhorar apenas a parte de fora"

A idade sempre foi o grande tema da beleza e hoje, mais do que nunca, (quase) todos queremos parecer mais jovens. Conversámos com Andrea Maier, geriatra e especialista em longevidade, sobre o grande mistério do tempo no nosso corpo.

Andrea Maier, investigadora em gerontologia, defende foco no interior do corpo para uma beleza duradoura
Andrea Maier, investigadora em gerontologia, defende foco no interior do corpo para uma beleza duradoura Foto: DR
06 de outubro de 2025 às 14:35 Patrícia Barnabé

Para partilhar as inovações tecnológicas da marca, a gigante L'Oréal organizou, em Paris, um evento onde reuniu alguns especialistas sobre a longevidade, The beauty of Longevity. De todas as questões onde a cosmética dá uma mão, o envelhecimento sempre foi o mais inglório e desafiante. Envelhecemos todos, é certo, mas de maneiras diferentes, a genética é uma lotaria, mas as nossas escolhas e hábitos de vida têm um peso considerável na forma graciosa como os anos nos visitam, ou nos derrotam.

Sentámo-nos numa poltrona com Andrea Maier, que tem vasta experiência como investigadora principal em gerontologia, é especialista em geriatria e medicina interna e já viveu em diferentes cidades - incluindo Lisboa onde esteve quase quatro anos, até 2018, no comité científico da Associação Europeia de Hematologia – e o seu forte é prevenir e gerir doenças relacionadas com o envelhecimento. Há dois anos, depois de ser conselheira técnica da Decade for Healthy Ageing das Nações Unidas fundou a Chi Longevity, em Singapura, um centro que quer ser de “excelência global para a descoberta e reversão da idade biológica com base em evidências”. Já inaugurou uma segunda clínica no Four Seasons, também em Singapura, e parece ser só o começo. Atravessámos várias salas a meia luz onde todos os produtos L'Oréal estão expostos, delicadamente iluminados, todos e desde sempre, para o rosto e para o corpo, dos cabelos à maquilhagem, desenham uma timeline que nos situa na passagem do tempo. Desaguamos numa pequena sala onde  Andrea Maier nos espera, impecável no seu vestido preto clássico de manga à cava, o cabelo grisalho apanhado a fazer sobressair os olhos azuis.

Depois de séculos a admirar os mais velhos, vivemos hoje num tempo que só valoriza a juventude. Porque escolheu trabalhar com os mais velhos?

Depende da definição de velho, eu não trabalho com idosos, mas com ageing people. Toda a gente envelhece e ainda não conheci ninguém que conseguisse escapar ao processo de envelhecimento. O envelhecimento começa, muito provavelmente, logo no momento da concepção.

Certo, mas o seu interesse pelo tema presumo que venha dos seus estudos em geriatria.

É verdade, sou especialista em medicina interna e geriatra, sempre adorei estudar a forma como envelhecemos e sempre olhei para as pessoas de 20, 30, 40, 50, e a forma como envelhecem, em comparação com as pessoas de 90 anos ou 100, ou até mais velhas. Queria perceber as diferenças: porque somos diferentes aos 30 de aos 80? Foi o que investiguei, na prática clínica queria mesmo perceber se podemos encontrar terapêuticas que previnam o processo de envelhecimento. E, por isso, tornei-me geriatra. Porque é que tenho uma aparência diferente de há cinco anos? Agora trouxemos essa investigação para a prática clínica. Como médica especializada em longevidade, trato adultos desde os 21 anos, ou mesmo desde os 18, dependendo do país.

Faz sentido, aos 18 ou 20? Porque nos preocupamos com a idade cada vez mais cedo?

Ah sim, eu tenho clientes de 25 anos, de 35, e o meu paciente mais velho tem quase 100 anos. Toda a gente está a envelhecer! Nós podemos optimizar a saúde, independentemente do estádio em que se esteja. Hoje conseguimos medir e determinar a idade biológica da pessoa. E, muitas vezes, e em idades mais jovens, querem logo saber: “Hey, como é a sensação de envelhecer e qual é a idade do meu corpo?” E isso é muito emocionante. Porque se conseguires interferir com o processo de envelhecimento num estádio anterior, a fase inicial, nos 20s e 30s, tens muito mais tempo para começar a investir na tua trajectória de envelhecimento. Isso não significa que quando tiveres 60, 70 ou 80 não devas investir. Mas é conhecer quem és e interferir na tua trajectória de envelhecimento. Nós temos um corpo magnífico, com tantas capacidades e com tantas reservas para fazer sobressair o bom, as células boas. E isso é independente da idade.

E ainda nos conseguimos divertir no caminho? Porque estar a pensar em como se envelhece aos 20 ou aos 30 anos, a contar as horas de sono e a pensar em tudo o que se come...

Claro! (risos) Tudo depende do que se queira atingir e o quanto se está disposto a investir. E o investimento também é dinheiro, é financeiro, mas também quanto tempo estás disposto a investir e o quanto de prazer, o que chama de diversão, quer ter. E, no fim, de qualidade de vida. Para mim, é a única coisa que conta. O corpo é o único bem que temos e devemos preocupar-nos e cuidar dele enquanto fazemos as coisas que amamos.

Também pressupõe uma mudança de mentalidade, a forma como pensamos o envelhecimento. Eu tenho 50 anos e antes não sabia que existia idadismo, até porque sempre admirei, e priorizei, os mais velhos. Agora sinto-o na pele, profissionalmente, num mundo cada vez mais superficial, que não valoriza a experiência ou a profundidade Como mudamos esse caminho de desvalorização dos mais velhos?

Você é muito nova! Mas sim, é verdade, e a Psicologia é muito importante, a forma como nos sentimos, e nos sentimos a envelhecer. E a forma como os outros nos tratam é muito importante na trajetória desse envelhecimento. O idadismo é um tema fundamental e que devíamos observar de perto. Está reconhecido pela WHO, a World Health Organization, e não é nada nada bom. Nós hoje temos formas de medi-lo e o que descobrimos, na nossa investigação, é que os indivíduos mais velhos, com mais de 60 anos, um em cada dois sente o idadismo. E os mais novos também o sentem.

Os mais novos sentem paternalismo, é muito menos perigoso do que descartar a experiência, diria.

Sim, temos de trabalhar no sentido de respeitar cada uma das nossas idades. Mais do que reparar nas nossas idades biológicas, é antes saber quais são os nossos propósitos de vida, que são mais do que apenas um número. O que realmente fazemos e como podemos prosperar, quais são os nossos valores? Não devia haver espaço para qualquer tipo de idadismo. Nenhum. O que observamos no cuidado médico, e também de uma percepção do nosso próprio corpo, é: para quê esperar até ter a primeira doença? Porque esperas até chegares às urgências médicas? Porque só vais ao dentista quando te doem os dentes? Se isso mudar, nós hoje sabemos que podemos prevenir essas ocorrências, mas temos de começar a agir muito, mas muito, mais cedo. E isso está a ser reconhecido por muitos jovens, nos seus 20 e 30 anos. Eu não quero ter uma doença relacionada com a idade quando chegar aos 50, nem quero estar dependente quando chegar aos 70, como posso mudar essa trajetória? Está hip saber agora que idade biológica tem o teu corpo. É curiosidade, é uma coisa boa. Porque não ser curioso sobre si próprio, se pudermos mudar isso? E podemos mudá-lo, o que é ainda mais maravilhoso. A curiosidade aliada à melhor ciência do planeta, e que podemos hoje aplicar, e dá-nos um sem fim de oportunidades.

Homens e as mulheres envelhecem de maneira diferente, biológica e socialmente. Quais são as suas impressões sobre o tema, da sua experiência?

A idade é muito importante e o género também. Agora não, mas no passado, negligenciámos, na medicina, o facto de as mulheres envelhecerem de uma maneira diferente dos homens. Mas isso acabou, e porque agora sim, sabemos, claro, que somos diferentes nos nossos hábitos, necessidades, na nossa vontade de mudança, no nosso corpo, que somos muito muito diferentes. E sabemos como cada um envelhece. Temos a questão das hormonas, em ambos, que pode ser medida de forma a saber o quão longe estamos no processo de mudanças hormonais. E somos confrontados com a menopausa, nas mulheres, e hoje sabemos como não ter aquele pico rápido de envelhecimento depois da menopausa, hoje podemos interferir nesse processo. Como prolongar o estádio hormonal, como optimizá-lo. Este é um dos grandes tópicos na medicina do envelhecimento, muitíssimo fascinante e necessário. Nenhuma mulher, como nenhum homem, deve ter sintomas de mudanças hormonais, por isso é muito importante medi-lo e saber de onde vem, e depois adaptar uma, ou várias, terapêuticas, e opções de mudança. Reconhecê-lo é o mais importante.

A terapia hormonal de substituição ainda gera imensas dúvidas e receios.

Esses receios vêm de um estudo, que tem cerca de 20 anos, mas hoje sabemos que a terapia hormonal de substituição é importante. E também pode ser importante para os homens. Também é importante repensar os hábitos, nomeadamente com a comida e a atividade física, que influenciam os nossos corpos. Nós podemos influenciar os receptores mais simpáticos do nosso corpo onde as hormonas deveriam funcionar. Se olharmos para a totalidade dos nossos órgãos, o que fazemos e o que podemos optimizar enquanto envelhecemos, durante o processo. Se uma mulher está na peri menopausa ou na menopausa, hoje podemos “surfar” o corpo feminino muito melhor do que antes, e uma das terapias é a hormonal de substituição.

Também se associa a juventude à sexualidade. Estudos recentes descobriram que as mulheres depois dos 50 estão a viver vidas sexuais satisfatórias, em alguns casos mais do que antes. Como explica isto?

É verdade. Eu sou médica geriatra, por isso fui das primeiras a falar em sexualidade durante o envelhecimento, e nos estudos sobre a sexualidade. A sexualidade é muito importante para o ser humano, sejam mulheres ou homens. O desejo muda ao longo do tempo e é uma questão muito pessoal. É muito importante saber que é um tópico que pode, e deve, ser discutido abertamente, e também com o seu médico de família. Nós vamos ao encontro das necessidades das mulheres, e dos homens, em especial nas suas relações. É um tema muito importante, física e mentalmente.

Também se fala muito na beleza natural, e sem maquilhagem, mas nunca vivemos um tempo tão artificial, (lá está, obcecado com a juventude). Das cirurgias às pestanas postiças, do botox aos 20 anos a usar unhas gigantes e coloridas.

Eu acho que isso está a mudar nos últimos anos. Podes estar linda, ou parecer que estás linda, mas quando falo na beleza do corpo não estou a pensar que esta pessoa é bonita, por causa dos seus milímetros ou coisa do género. Não tenho essa norma. O que se torna norma é o que é belo em termos de funcionamento do corpo, que podemos realizar ou pôr em andamento, que nos leva a melhorar a função cognitiva, por exemplo, a estar em boa forma. E isso não tem nada que ver com a massa muscular que cada um tem, mas com as suas tensões e poder/potência, que leva o corpo a agir de forma muito bela. Não acho que todos devam ser desportistas de topo, mas temos apenas uma máquina, que é o nosso corpo, e que funciona muito, muito bem. E essa é a minha interpretação de beleza. E essa dá uma longevidade imediata. Vai ao centro da estética, pode ajudar na maneira como se é percebido pelos outros, como é vista a nossa beleza, e isso vai ajudar a auto-estima também. Mas as rugas dentro do corpo vão continuar lá, o que significa que elas podem, até, acelerar o exterior. Por isso, é uma solução que resolve um problema no curto prazo. Eu diria para nos concentrarmos no interior do corpo, no seu centro, e isso tornar-te-á mais bela porque sabes que está a funcionar bem: tem energia suficiente, tem um bom tempo para “reparar”. Não queira arranjá-lo apenas do lado de fora. O problema na longevidade é que, muitas vezes, nós tentamos melhorar a parte de fora, apenas. Como é que eu posso surfar o meu corpo da melhor maneira possível enquanto me mantenho bonita?

O que é que podemos aprender com os muito mais velhos?

Eu gosto muito do aspecto mental. Estar numa sala com alguém com 90 ou 100 anos, que tem orgulho na sua vida, é absolutamente esmagador. E foi por isso que estudei geriatria. Porque já não interessa se aquela pessoa consegue correr 100 metros em 11 segundos. E não é só a sabedoria, é ter orgulho em tê-lo feito. E querer continuar a participar. O primeiro sinal de que estás a envelhecer bem é teres amigos de diferentes idades. E esta é uma lição para os jovens: tenham amigos que sejam mais velhos, e mesmo velhos, e tenham discussões com significado. E é o que tenho percebido com pessoas que, na minha opinião, estão a envelhecer muito muito bem: eles estão lá, são donos do seu espaço e fazem parte dele.

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