Esta semana, numa das suas crónicas diárias no jornal Público, Miguel Esteves Cardoso levantou uma questão muito pertinente: por que raio é que uma pessoa não consegue dormir uma noite de jeito quando, no dia seguinte, tem de acordar mais cedo do que é costume? Boa pergunta. MEC chama-lhe insónia antecipativa. Esta jornalista gostava de lhe chamar outra coisa, mas não a deixam escrever palavrões. O cronista refere, especificamente, aquilo que todos nós, em podendo, tentamos fazer quando confrontados com uma alvorada digna de ordem religiosa: se amanhã temos de acordar duas horas mais cedo, então, não querendo perder 120 minutos de merecido descanso, vamos para a cama duas horas mais cedo. Ou, vá, uma, e divide-se o mal pelas aldeias. A ideia, que até parece muito sensata, resulta em quê? Resulta em voltas e voltas na cama, qual frango no espeto, com olhares furtivos para o relógio, a cada dois minutos, para ver quanto tempo de sono ainda sobra. Ou isso ou somos ou somos despertados, cada hora e meia, sacudidos pela certeza aterradora de termos deixado passar o alarme – apesar de isso nunca ter acontecido uma única vez na vida, pelo menos não desde o fim da adolescência.
Pois, sucede que andamos todos a fazer tudo mal. De acordo com Kathryn Pinkham, especialista em insónia e fundadora da Insomnia Clinic, no Reino Unido, no que toca ao sono, qualidade, como em quase tudo na vida, é mais importante do que quantidade. Num episódio recente do podcast da Which?, uma organização britânica de defesa do consumidor, Pinkham explica que, para dormirmos bem, temos de sentir um “forte impulso de sono”, ou seja, estar a ponto de arrastar os pés a caminho da cama e a lavar os dentes de olhos fechados com a cabeça encostada à ombreira da porta.
O cérebro, como um gato mal humorado, gosta de rotinas. Quando tentamos desligar-lhe as luzes uma ou duas horas antes do habitual, revolta-se. E se, ainda por cima, o que temos preparado para o dia seguinte é uma viagem, vai presentear-nos com uma lista infindável de coisas que talvez nos tenhamos esquecido de meter na mala (e talvez nem sequer precisemos). Portanto, conforme sublinha a especialista, indo para a cama mais cedo, criamos “mais pressão e mais vigilância” e vamos demorar mais tempo a adormecer. O melhor mesmo, garante, é irmos para a cama à hora do costume ou (respire fundo agora, leitor) – mais tarde. Isso mesmo.
MEC resume, de forma lapidar, a informação que corre dentro do cérebro de uma pessoa que tem de acordar mais cedo do que é costume: “Hoje temos de ficar acordados porque o despertador toca mais cedo.” Na prática, o que Kathryn Pinkham sugere é uma forma de baralhar o emissor e o receptor da mensagem, que acabam por ser a mesma entidade. Se, por um lado, “cuidado, amanhã acordamos mais cedo!”, por outro, “como assim acordamos mais cedo se ela ainda está aqui, tranquila da vida, a ver Netflix?” É tão simples que talvez resulte.