A nova face da beleza
Viajamos de um tempo em que a maquilhagem se focava em camuflar as imperfeições e em que as revistas enfatizavam o ideal perfeição à era em que são as mulheres a redefinir os padrões de beleza. Hoje são as novas gerações que estão a “abanar” a cosmética e a impelir uma mudança de direção em pequenas e em grandes marcas. Fomos explorar como é que as millennials estão a reinventar a indústria da beleza.

O compromisso do futuro
Ecologia, transparência e sustentabilidade. É a "ameaça tripla" à qual os jovens estão cada vez mais atentos. Conquistá-la é um longo processo para a maioria das empresas de cosmética, mas os objetivos de muitas delas passam por cumprir esses requisitos. Mais do que qualquer outra geração, as millennials acreditam que aquilo que colocam na pele e nos cabelos afeta a saúde de forma geral. Procuram mais informação, importam-se com a proveniência dos ingredientes, passam a pente fino os rótulos e pedem transparência nos produtos. Não é de admirar que sejam cada vez mais as novas marcas decididas a ir de encontro a estes interesses... e as que apostam na reinvenção segundo estes critérios modernos. Fundada em 2013, a Beauty Counter tem sido sinónimo da clean beauty (o movimento que apela a uma maior transparência na indústria da beleza) e criou a The Never List, uma lista com todos os ingredientes considerados questionáveis ou prejudiciais à saúde e que nunca são utilizados nos seus produtos. É também uma das três mil empresas que pertencem à B Corp, um grupo restrito que comunga da mesma missão: provocar alterações na sociedade através de negócios éticos e sustentáveis. Fundada por uma bióloga, que formula cerca de trinta barras de cosmética sólidas, a Ethique é outra marca que pertence a este grupo, ao qual acaba de chegar a The Body Shop, juntando-se à empresa-mãe, a Natura, que foi a primeira empresa B Corp do mundo. A certificação B Corp é atribuída às empresas que cumprem os elevados padrões de desempenho social e ambiental, e de transparência e responsabilidade jurídica para equilibrar lucros e objetivos. Mede o desempenho social e ambiental global de uma empresa para além dos produtos e da certificação com base no serviço prestado. David Boynton, CEO da The Body Shop, comenta que esta "juntou-se ao movimento B Corp numa altura bastante empolgante: o planeta e a sociedade precisam de empresas comprometidas e responsáveis". E sublinha: "Não chega estar preocupado com lucros a curto prazo. Os consumidores, os colaboradores e, até, os acionistas reconhecem esta mudança e estão a alterar os seus comportamentos de forma a recompensar as empresas e as marcas que estão a apoiar um futuro sustentável. As mudanças acontecem se trabalharmos juntos e numa altura em que o mundo está a enfrentar uma emergência climática, em que as desigualdades sociais se acentuam. Chegou a hora de agir."

Por um mundo mais verde
Sofia Catarino, uma das fundadoras da eco-shop Pegada Verde, que comemora agora o seu 10º aniversário, é uma das Millennials a batalhar por um mundo mais ecológico. Considera que a geração Millennial e Z não tem medo de defender aquilo em que acreditam e são muito fiéis aos seus valores. Depois de um ano a viverem em Nova Iorque, onde o desperdício era imenso, e inspirados pela jornalista canadiana Vanessa Farquharson, que todos os dias introduzia uma nova medida ecológica na sua vida, decidiram implementar uma mudança em Portugal. "Compreendemos que podíamos fazer muito mais no nosso dia-a-dia e que, com pequenos gestos, podíamos fazer efetivamente a diferença. E é aí que surge a Pegada Verde, em Outubro de 2009, criada com o objetivo de tornar os hábitos de reutilização num estilo de vida, contribuindo para um mundo melhor e mais sustentável através de pequenos gestos." Dez anos de desafios, continua, mas também uma década que tem visto crescer o interesse das pessoas por questões do género: "Notam-se muitas diferenças, essencialmente porque agora já não são apenas os ambientalistas a falar publicamente sobre questões relacionadas com sustentabilidade e preocupação ambiental. De alguma forma tornou-se numa moda, o que é muito positivo – as modas levam à ação e é exatamente disso que o planeta precisa. Sempre acreditámos que cada um de nós pode fazer a sua parte."

A procura pela personalização
Bares de perfumes feitos à medida, combinações infinitas de cremes e de séruns para o cuidado do rosto, paletas de tons de base que vão até às 40 variações de cores. A personalização e a exclusividade de um produto são cada vez mais desejadas pelos jovens consumidores. Procuram elementos diferenciadores que se adaptem à sua própria individualidade. Atenta às necessidades deste público, também as várias insígnias do Grupo Perfumes & Companhia (que detém 145 pontos de venda no pais) apostaram neste aspeto. Isabel Costa Cabral, diretora de Marketing da Perfumes & Companhia, reconhece o potencial dos millennials: "São os clientes do futuro e, claramente, estamos atentos às inquietudes deste público. Ao contrário do que se pensava há uns anos, muitos dos millennials têm entre 30 a 35 anos e o poder de compra para entrar no mercado do luxo. E a cosmética e a perfumaria são o primeiro contacto com uma experiencia premium." Para qualquer consumidor que gostaria de adquirir uma peça de luxo, fazê-lo através de um batom ou de um perfume é mais acessível do que investir numa peça de moda. Segundo Isabel Costa Cabral, são consumidoras híbridas que investigam e que preparam a compra através dos canais digitais, mas que valorizam muito o contacto direto, testar a fórmula na pele e ser aconselhadas por uma consultora no local. "Este processo poderá ser finalizado online ou em loja, mas a compra não é sempre tão imediata como se julga." Há outros fatores em jogo, como a personalização e as preocupações ambientais. "Esta geração gosta muito de tudo o que é personalizado: do monograma, do perfume criado especialmente para ela, das edições limitadas… Identificam-se com o que é exclusivo e personalizado. E nós procuramos marcas que correspondam a esse perfil, seja através das presenças no mundo digital, seja indo ao encontro das preocupações deste público com marcas e produtos vegan com uma responsabilidade ecológica assumida e que permitam personalização."
Depois de Clinique ID, o sérum/creme com várias combinações possíveis para as diferentes necessidades da pele, foi a vez de a Artistry desenvolver o sérum personalizado assente na avaliação realizada pela aplicação da marca. A app Artistry Virtual Beauty tem uma deteção facial inteligente que, através de apenas uma fotografia, avalia a condição da pele e a idade biológica, indicando depois a combinação de ingredientes ideal para formular o sérum perfeito para cada pessoa. Após a análise, o sérum é criado e enviado para o consumidor final.

As novas trendsetters
Depois do sucesso da maquilhagem Fenty Beauty by Rhianna e de Glossier, fundada pela editora de beleza Emily Weiss, marcas transparentes e dirigidas aos desejos das millenials, como The Ordinary e The Inkey List, têm crescido exponencialmente. Mas num mercado com permanentes "buracos" por preencher, as portas para novas trendsetters são fáceis de abrir. A Rael lançou algodões orgânicos e tampões, e focando-se em questões das mulheres com alterações hormonais criou uma linha específica para as borbulhas que surgem com a tensão pré-menstrual. Com o interesse no canabidiol a aumentar, a veterana na indústria da cosmética Casey Georgeso criou a Saint Jane, baseada num sérum luxuoso com este ingrediente que está a dar que falar. Para chegar às peles latinas, houve o lançamento de Cai Para Mi, uma coleção de bases com subtons oliva, castanho e amarelo.
Os clássicos reinventam-se

A coleção de maquilhagem da Clarins para a primavera/verão deste ano apostava na beleza para as redes sociais com o nome Selfie Ready. Além de uma imagem mais fresca e jovial, os produtos dirigiam-se às problemáticas das peles mais jovens: o primer Instant Poreless, os iluminadores Glow 2 Go, a palete de olhos Ready in a Flash e para os lábios um discreto Embellisseur Lèvres fazem as delícias das jovens adultas. Mas enquanto 2018 foi o ano em que a cosmética mais económica investiu nas novas consumidoras, esta parece ter sido apenas uma forma de pavimentar o caminho para as marcas de luxo que começam a apostar as fichas nas gerações mais novas. Exemplo disso é a Guerlain, a marca com 190 anos que conseguiu, no espaço de poucos meses, chegar ao coração (e aos nécessaires) das jovens portuguesas. A estratégia era clara, explica Maria José Andrade, diretora-geral da Guerlain Portugal: "Sempre fomos inovadores no lançamento de novos produtos e fizemos apostas infalíveis que criavam alguma frustração porque não conseguíamos implementar estes produtos entre as faixas etárias mais novas. Isto acontecia porque a Guerlain era olhada como uma marca cara, usada pelas avós ou pelas mães, e havia muitas reticências por parte das jovens em procurá-la." Depois de um alerta para a necessidade de rejuvenescer internacionalmente, Maria José Andrade seguiu o seu instinto. Apostou no relançamento de Rouge G, um batom personalizável, através de uma festa na discoteca Rive Rouge, em Lisboa, onde estiveram presentes influencers e youtubers. Mas foi com a base L’Essentiel que tudo mudou: "Não sendo [a Guerlain] uma marca com ligação à moda, conseguimos implementar esse lado mais fashion com Rouge G. Mas foi com L’Essentiel que arriscámos. Internacionalmente houve uma grande aposta em influencers premium, mas senti que em Portugal teríamos de enveredar por pessoas com quem as jovens se identificassem. Fomos, assim, pelas youtubers como a Helena Coelho, por atrizes como a Jessica Athayde e pela família Patrocínio, com a qual iremos manter a ligação. O sucesso foi imediato e L’Essentiel passou a ser a base mais vendida em Portugal de marcas seletivas nas lojas Sephora, desde que foi lançada em fevereiro deste ano. À boleia deste sucesso da base, a marca ganhou consistência entre as jovens e outras linhas como a Terracotta e Abeille Royale ganharam reconhecimento entre elas." Mas não ficará por aqui. Parte da estratégia da marca é também reduzir a pegada ecológica. O relançamento de Abeille Royale aposta em fórmulas novas, inclusivamente uma para peles oleosas, mas também na transparência das embalagens e na reciclagem do vidro que utiliza. "A defesa das abelhas continua a ser um dos nossos grandes projetos e, além de protegê-las, queremos reduzir o nosso impacto ambiental. E este é um aspeto das marcas que também interessa muito aos jovens", conclui Maria José Andrade.
Ventos de mudança
Depois de Twilly, o sucesso da perfumaria de 2017, que apostou nas millennials, a Hermès entra agora em novos territórios com a sua linha de cuidados de pele. Em entrevista ao Business of Fashion, o CEO da Hermès, Axel Dumas, comentou: "É muito empolgante. É uma nova atividade, com todos os riscos que isso envolve, e por isso iremos lançá-la progressivamente e de início apenas nas nossas lojas [Hermès], e em pequena distribuição para que possamos aprender." É mais um passo na direção de converter-se também numa grande marca de cosmética, além de ser já um dos gigantes de luxo da moda que conta com iniciativas ecológicas. A Hermès informou que todas as futuras embalagens serão livres de plástico para irem de encontro ao consumidor ecorresponsável. A Eisenberg Paris, uma marca familiar com uma forte identidade, também se lança na aventura de uma nova linha de cuidados urbanos para homem e mulher: Eisenberg Start para os primeiros cuidados de pele. Nas lojas Sephora, todas as estações trazem uma novidade empolgante. Este mês chegam às prateleiras marcas como a Milk, a Hourglass e – sentem-se, beauty addicts – a Pat McGrath Beauty.

Perfumaria de nicho
Sylvie Loday, uma das três fundadoras da marca de nicho Ex-Nihilo (um exclusivo em Portugal das Boutique Stores Skinlife), reconhece a contribuição da geração millennial para o rápido sucesso da sua jovem marca que conta apenas com seis anos. "Em entrevista ao The New York Times, Hailey Baldwin Bieber admitiu que estava obcecada pela nossa fragrância Fleur Narcotique. Nem sabíamos que a tinha experimentado. Tínhamo-la colocado num gift bag numa entrega de prémios e numa entrevista posterior admitiu que a comprava sempre que ia a Paris. Teve uma repercussão muito grande porque foram várias as revistas e os canais a divulgar esta informação, aumentando mais o burburinho em torno da marca." Mas Hailey não é a única a reconhecer o seu apoio. Drake, Barbara Palvin, Devon Windsor e Olivia Culpo também andam a par do que de melhor se faz na perfumaria de nicho. Terá sido esta uma das razões que alavancou a expansão da marca para um novo continente, explica Sylvie Loday: "Os coreanos são grandes trendsetters no continente asiático e, por isso, a nossa primeira presença será em Seul, na concept store 10 Corso Como. Sabemos que entrar na Ásia é um grande desafio, especialmente porque apesar de o cuidado de pele estar completamente instituído nesse país, acontece o contrário com os perfumes que eram proibidos, até há bem pouco tempo..." Associados ao exacerbado capitalismo do ocidente, os perfumes e outros produtos de consumo foram proibidos durante décadas, tendo a abertura aos bens de luxo começado apenas no final da década de 70. No entanto, até 2014, menos de um por cento dos chineses admitia utilizar perfumes, um número que tem vindo a subir, desde então, atingindo o valor de cerca de 2 mil milhões de euros, em 2017. E se considerarmos que os chineses representam um terço dos consumidores de produtos de luxo, investir naquela região é um risco que vale a pena correr. A perfumaria de nicho é um exemplo da aposta numa geração que pretende distinguir-se das anteriores, exibindo códigos de moda mais refinados e seletivos e, consequentemente, apostando em produtos únicos e personalizados. Ex-Nihilo criou o conceito do Osmologue, um bar personalizável de fragrâncias, testadas pelos melhores perfumistas, mas criadas através de inteligência artificial. Não é a única. A icónica Jo Malone foi a pioneira na arte de misturar fragrâncias na loja e Carolina Herrera lança-se numa coleção exclusiva: Herrera Confidential, que será a próxima a chegar ao El Corte Inglés, em Lisboa, e inclui eaux de parfum e eaux de toilette misturáveis entre si. É a aposta da marca depois de ter destronado fragrâncias clássicas com o lançamento de Good Girl, talvez o perfume mais irreverente da Casa Herrera. A escolha para representar este sucesso sem precedentes é Karlie Kloss, uma das mais bem-sucedidas modelos do momento, epítome das millennials multitaskers que não se ficam pela moda e amiga de nomes como Taylor Swift e Kendall Jenner. Da Puig (empresa espanhola que detém as marcas de perfumaria Carolina Herrera, Paco Rabanne e Penhaligon’s, entre outras), Portugal pode esperar a chegada da Penhaligon’s, a casa de perfumes britânica com um toque de irreverência e 38 referências para desbravar em breve. E a PA Collection de Paco Rabanne, uma ideia reinterpretativa de Julien Dossena (o diretor criativo, de 36 anos, que revitalizou a Paco Rabanne) de um encontro entre personagens que convergem na mesma ideia: a de ter uma personalidade. "Eu faço moda com o objetivo de apoiar a expressividade, a criatividade, a ter uma voz. A minha oferta de moda é como um compromisso moral. O mesmo funciona com a criação destes perfumes. Descodificam um leque de identidades e a maneira como se expressam, com fluidez de género, o que significa agir livremente e fora das barreiras do género. Dar uma personalidade específica a estes perfumes e a estas harmonias que se misturam com a vida é o que caracteriza a abordagem de Paco Rabanne. É como uma comunidade de indivíduos em cada um dos quais conseguimos reconhecer-nos."
As novas embaixadoras
Referimos Karlie Kloss como um dos eixos fundamentais ao sucesso de Good Girl, a mais recente fragrância de Carolina Herrera a destacar-se no mundo das millenials, mas são diversos os lançamentos deste segundo semestre que apostam em nomes sonantes da moda, da representação e da música, para se associarem às suas fragrâncias. A divisão de luxo da L’Oréal inaugurou a rentrée com um convite para a apresentação exclusiva da primeira fragrância Valentino sob a sua alçada, coincidente com o desfile de alta-costura da casa romana. A Máxima esteve lá, testemunha em exclusivo da festa mais diversificada da semana da moda de Paris – Pierpaolo Piccioli, designer da marca, chamou-lhe "a opulência da diversidade" – com modelos de todas as partes do mundo e influencers asiáticas a movimentarem os seus trajes infinitos entre Naomi Campbel, Gwyneth Paltrow e Celine Dion. A modelo sul-sudanesa Adut Akech e Anwar Hadid (o irmão mais novo de Bella e de Gigi Hadid) foram os eleitos para interpretar a campanha, símbolos da visão moderna para a casa de alta-costura.
Zendaya é outro nome a fazer furor no mundo da perfumaria, associada ao novo Idôle, de Lancôme, assim como Dua Lipa (cuja entrevista pode ser lida no início desta edição) se junta a Yves Saint Laurent através da fragrância Libre.
Os novos frascos
As embalagens seguem os mesmos ritmos: Idôle, de Lancôme, inspirou-se no design do iPhone para criar um frasco translúcido extremamente feminino e tão prático que cabe num bolso dos jeans e nas clutches especificamente criadas para guardá-lo. Na sua página de Instagram, Paco Rabanne revela o lançamento da sua "primeira coleção suave, leve e inquebrável". A já referida PA Collection inclui seis perfumes explicitamente destinados aos millennials irreverentes, com nomes como StrongMe, EroticMe, FabulousMe e CrazyMe e uma embalagem vanguardista metálica e sensual.
