Um bom homem é difícil de encontrar
"Nunca quis ser a mulher assistente nem a mulher patroa, a santa amorosa ou a perigosa sedutora."

Roubei descaradamente o título ao livro de contos da Flannery O’Connor, talvez numa tentativa inconsciente de tocar a sua visão apocalíptica e humorada da vida. É que o mesmo sintetiza exemplarmente uma verdade universal: um bom homem é difícil de encontrar. No sentido humanista de O’Connor, como no sentido mais imediato do amor romântico, a razão porque o ofereci há uns bons anos a uma grande amiga. Para nós as duas, cartas fora do baralho já aos 20 anos, era incompreensível a obsessão feminina com os namorados - boa parte das mulheres não aguenta ficar sozinha - por um lado, e a indiferença deles ao tema, por outro, apesar de não aguentarem ficar sozinhos, mas por razões mais práticas.
As meninas crescem a imaginar encontrar um par, o amor continua central na vida das raparigas mesmo quando elas não o admitem, que hoje em dia é quase sempre. As novas gerações escudam-se no cinismo, fazer de conta que não se liga nenhuma é uma forma de proteger fragilidades e baixar expectativas. O que há mais são jovens raparigas a querer ter filhos antes dos 30, à antiga, e para isso laçar um pai que escolheram criteriosamente. E quando eles derem por ela zás! ops! já aconteceu e agora temos de casar, como era dantes. Mas no Instagram é tudo cool e moderno. É como usar t-shirts de bandas que não se ouve o que revolve as entranhas de quem cresceu no velho rock dos anos 90 como eu. São restos do princípio dos tempos, quando éramos definidas pelo homem e a família que "conseguíamos" porque era esse o nosso (único) papel.
Assim, e bem lá no fundo no fundo, todas ainda temos ou tivémos uma wish list. Há quem escolha o bad boy, porque é sexy, ou o velho paizão, porque é confortável e paga as contas, mas já encontramos nas miúdas padrões que antes eram exclusivos masculinos como escolher o rapaz só pela sua beleza ou utilidade, algumas raparigas gostam de rapazes que lhes vão buscar as pantufas. Eu sempre preferi o sentido de humor, que é inteligência, a generosidade e a sede de mundo. Por seu lado, nunca vi os rapazes ligarem muito a estas qualidades, talvez à generosidade, vá, que é coisa mais católica e pode dizer-lhes respeito, qual inteligência, qual humor, qual alegria, muito menos mundo. As mulheres com mundo ainda metem medo no século XXI.
Por isso têm tanto sucesso as rapariguinhas fascinadas e adaptativas. Não encho os dedos de uma mão com os homens que me admitiram preferir mulheres com mundo e independência - e confesso que me apaixonei por eles. Eles não só são menos exigentes como escolhem muito menos do que são escolhidos - as mulheres são capazes de suaves perseguições subliminares, muito persuasivas e resistentes, de sacrifícios inimagináveis para a maioria dos rapazes. Lá está, muitos séculos a virar os frangos da família toda. Mas depois fazemos aquele ar como se não custasse nada, que é ainda mais desarmante para eles porque é diretamente apontado ao ego: eu faço tudo por ti e não me queixo. Zzzzzzzzzzz

É precisamente este papel sacrificial que sempre me desmotivou. A minha mãe dizia-me em adolescente que a minha independência me iria dar problemas, e deu: o mundo é dos sonsos e dos falinhas mansas, mas sempre rejeitei o papel esperado de uma rapariga e esses básicos truques de sedução. E elas nunca me perdoaram: como te atreves a sair das fileiras cerradas que inventámos todos estes anos para sobreviver? Afinal, somos raparigas, já sabemos que a trabalheira fica sempre do nosso lado. Hoje chefiamos empresas, poucas, e acedermos a cargos políticos, poucos, mas em casa como no amor, e na família como na vida, continuamos a decidir quase tudo, mas falamos no plural, em nome do casal.
Nunca consegui brincar às casinhas, ser uma rapariguinha prendada que gosta de cozinhar e que tudo assiste, porque, tal como os rapazes, estava a pensar noutras coisas também. Foi o que aconteceu às filhas das mães desempoeiradas, com o écran aberto e noções ferozes de liberdade, deslocadas a vida inteira: fulminadas pela maioria que as invejou pela sua graça e amor-próprio. Estas novas mulheres dão muito mais trabalho. Como dizia esta mesma minha amiga a quem ofereci o livro, o pensamento delas é: at least is the devil I know. Só que esta maioria esmagadora de rapariguinhas que herdaram séculos de conhecimento construído nos bastidores da vida, castram as outras inconscientemente, como se fosse um decoro, a maioria nunca pensou sequer no assunto. E levamos com a incompreensão deles também, por tabela, eles confundem independência e liberdade com desinteresse e desapego. Na esmagadora maioria dos casos, todos foram educados por mães também elas silenciosas e sacrificiais, e não conhecem muito mais. Por isso, fica o conselho: diz-me como é a tua mãe e dir-te-ei quem és.
Nunca quis ser a mulher assistente nem a mulher patroa, a santa amorosa ou a perigosa sedutora. Nós podemos ser tudo isto e muitas outras coisas mais. O mundo está cheio de mulheres mal amadas, desleixadas e esquecidas porque uns são apaparicados como bebés, e as outras têm de decidir sempre o que se janta, se os miúdos já tomaram banho e onde se vai de férias. Eles têm mais o que fazer, porque sempre puderam, mas nós também porque podemos se quisermos. Os homens são tendencialmente mais imaturos e egoístas amorosamente, e nós mais maduras e voluntariosas, porque a história assim nos educou. E apesar dos estudos que demonstram um retrocesso de valores nas gerações mais novas - violência no namoro, a sério? - é daqueles caminhos que têm de ser os próprios a trilhar.
Mas se os temas da raça e dos estereótipos, do género ou do planeta já estão a repor a sua verdade, também o amor protegerá os audazes... Mas sabemos que o mundo está a mudar quando encontramos à porta de um prédio em obras no nosso bairro (que será o próximo condomínio de luxo para estrangeiros ricos) uma pilha abandonada de revistas Playboy antigas a quem ninguém ligou nenhuma. Eu juntava-lhe as revistas para donas de casa e começávamos por aí.

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