Tim Bernardes: “O amor de hoje está soterrado por muita coisa”
As desilusões do coração nunca fizeram tanto sentido como em 'Recomeçar’, o disco de estreia a solo do músico brasileiro, que também faz parto da banda indie O Terno e que canta este sábado no Super Bock em Stock.

Ouvi Tim Bernardes é regressar a um tempo em que as canções de amor faziam diferença e as letras de desamor falavam diretamente para o coração. Depois de estabelecer O Terno como uma das mais recomendáveis bandas de indie brasileiro, o músico deitou cá para fora todas as suas emoções em Recomeçar, disco de princípios e fins que volta a cantar em Lisboa este sábado, 24, no Teatro Tivoli, durante o festival Super Bock em Stock, como se nos falasse ao ouvido.
Este "Recomeçar" é o primeiro disco sem a sua banda, O Terno, é uma aventura em que está sozinho. Foi preciso ganhar coragem?

É o primeiro, mas também o quarto, por causa dos que já gravei com O Terno, mas foi uma redescoberta no sentido em que já não tinha os meus dois amigos comigo. Também é um disco muito pessoal, não estou escondido atrás da banda nem de uma personagem. É na verdade isso que tenho achado muito bom neste disco – é muito íntimo, como se eu estivesse sozinho no quarto a cantar para quem está sozinho no quarto.
Passou vários anos a compor e a guardar estas canções. O álbum tornou-se inevitável?
Já há algum tempo que tinha as canções neste formato e que tinha imaginado o Recomeçar, pensado nos arranjos, etc. Inconscientemente, acho que tinha resistência a enfrentar o desafio de me expôr sozinho, e, como estava focado n’O Terno, tinha menos tempo para as minhas coisas. Estava a tomar coragem e em 2017 calhou ter um tempo mais livre. Além disso, tinha feito a tournée com o Melhor do que Parece [d’O Terno], que é um disco mais emocional, livre e íntimo e que me deixou mais à vontade para eu ser do meu próprio jeito. Cheguei a um ponto, também porque ganhei mais experiência de vida, em que precisava mesmo de ir em frente.

O Recomeçar fala de emoções que toda a gente conhece e isso torna-o universal. Foi estranho perceber que tanta gente se identificou com estas canções?
Realmente, o disco tem uma abrangência maior do que o nicho da banda, que é um indie autêntico e original do Brasil. O meu disco é muito mais pessoal, chega a diferentes classes e idades embora também tenha a estética e o som que tinha na banda… Mas a letra, a canção está sempre em primeiro plano. Sinto que tenho muito público em comum com O Terno, mas há gente diferente, o filho que leva a mãe aos concertos por exemplo.
Nesta era de rapidez e de redes sociais de aparências, escrever sobre amor desta forma é quase um ato de loucura. As pessoas ainda têm tempo para o amor?

É verdade, mas acho que essa barreira se vence. As pessoas têm [o amor] muito represado porque as pessoas sentem que têm de mostrar as coisas de forma muito instantânea: a foto de Instagram, o texto curto… Nesta geração que trabalha muito o superficial, é muito interessante chegar à profundidade porque é um tipo de sentimento que está ali, mas o amor de hoje está soterrado por uma série de coisas. Sinto que é voltar a uma base. Assim como eu gosto de ouvir artistas que peguem no meu lado mais íntimo, mais sozinho.
Teve medo que estas canções de amor se tornassem banais, já vistas?
No início, sim, quando comecei a compor muitas vezes guardava as canções até por isso. Pensava ‘ah eu não sei se essa música me toca porque fala de mim, se fará sentido para as pessoas ou se será só mais uma canção de amor.’ Então eu guardava-as e olhava para elas mais tarde para ver se sobreviviam ao tempo. E continuei a gostar delas. Mas na verdade não sabia se as pessoas iam sentir o mesmo porque não tinha coragem de mostrar a quase ninguém.

Sendo este um disco de desilusão, são inevitáveis os paralelos com a situação política no Brasil. Foi assim que sentiu estes últimos anos, como uma perda?
Foi uma coincidência bem interessante porque eu escrevi estes temas antes de as coisas se tornarem mais efervescentes no Brasil e calhou que o momento em que eu consegui parar, gravar o disco e depois lançá-lo, em 2017, aconteceram uma série de reviravoltas. O Brasil estava nesse clima de ruína, eu estava de novo num clima de ruína, já tinha passado por várias coisas. Acho que isso depois bateu certo com o clima político do mundo, o Trump, o radicalismo. Quando eu era adolescente, não imaginava que as pessoas no Brasil começassem a ir para a rua como foram, era um altura bem mais apagada nesse sentido. E a partir de 2013 em diante houve uma movimentação que entretanto se banalizou. O disco alinha-se no contexto político por essa desilusão, é perceber que não deu. E que vem aí um período difícil.
O lado estético está muito presente em todos os pormenores, do som ao vídeo aos espectáculos. É importante trabalhar essa beleza?
Um disco para mim é sempre um todo, não faz sentido ter uma enorme preocupação com a música e não ter com a letra ou ter na letra e não ter na imagem, no cenário ou no figurino. Eu estou a comunicar alguma coisa e todos os elementos comunicam entre si, há uma coerência e uma unidade estética. Isso dá-me imenso prazer.
Já está a pensar num novo disco, vai voltar à banda ou vai alternar entre os dois?
Tenho conseguido alternar entre os dois, tenho feito shows tanto d’O Terno como sozinho, em muitas cidades no Brasil fizemos umas dobradinhas, numa noite um concerto com a banda, noutra um show do Recomeçar. Correu muito bem e está a chegar a novos públicos. O plano agora é finalizar um novo disco d’O Terno, que já compus e vamos gravar para lançar no ano que vem. Depois disso, acho que posso começar a pensar num novo disco a solo, tenho até algumas coisas já escritas. Não quero parar nenhum dos dois.
