Sexo é saúde
Como vai a sexualidade dos portugueses? Tem a palavra Ana Alexandra Carvalheira, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC).

Vivemos de costas voltadas para o nosso corpo e encontramos muitos obstáculos culturais no caminho de descoberta do prazer sexual. Mas estamos a melhorar. Muitas de nós já perceberam que precisamos do bem-estar sexual para nos sentirmos plenas.
Celebrar a Saúde Sexual é uma forma de alertar consciências. Este é o segundo ano em que se comemora o seu Dia Mundial. Foi a 4 de Setembro mas foi oficialmente assinalado em Outubro, com Ana Alexandra Carvalheira, presidente da SPSC, a responder às questões dos portugueses – e portuguesas! – em tempo real no site da SPSC (www.spsc.pt). Mas agora é às nossas perguntas que a especialista responde.
Porque se torna necessário destacar este dia?
Porque a Saúde Sexual é uma componente da Saúde em geral, mas ainda não é reconhecida como elemento importante para a qualidade de vida das pessoas. E muitas vezes ainda é negligenciada pelos técnicos de Saúde.
É verdade que há médicos que encaminham as pessoas para as consultas de Sexologia Clínica, mas há também muitos que desvalorizam e, às vezes, nem querem ouvir as queixas dos pacientes por não saber responder. Ou respondem: “Isso passa com o tempo” ou “Isso não é nada, é da sua cabeça”. Ou seja, a pessoa, além de ter um problema, sai com outro – a culpabilidade.
Estas consultas existem desde quando?
Em Portugal, há oito consultas que funcionam de Norte a Sul do país, à excepção do Algarve.
Nasceram em serviços clínicos dos hospitais. As primeiras foram fundadas em 1975 pelos psiquiatras Afonso de Albuquerque (Lisboa, Hospital Júlio de Matos), Francisco Allen Gomes (Coimbra, HUC) e António Palha (Porto, Hospital de S. João). Depois destas, surgiram outras pelo país fora. Funcionam com uma periodicidade semanal e estão cheias. Algumas têm lista de espera de vários meses.
As pessoas hesitam quando são encaminhadas para uma consulta de Sexologia Clínica?
É mais fácil falar da cabeça que dói ou das pernas que incomodam do que expor a sexualidade, a esfera mais profunda e privada.
Alguns resistem e têm vergonha, mas cada vez mais as pessoas apresentam livremente as suas queixas sexuais. Fazem o que for preciso para conseguir o seu bem-estar geral. Começam a reconhecer que, se há uma dificuldade sexual, isso é perturbador na sua vida como um todo.
E o que mais aflige estas pessoas?
A principal queixa das mulheres é o desinteresse sexual. Nos homens é a ejaculação demasiado rápida e a disfunção eréctil. E também o desinteresse sexual masculino. Cada vez mais frequente.
Acontece mais ou os homens falam mais disso?
As duas coisas…
Espera-se que o homem esteja sempre disposto…
Mas acho que pode haver outros factores para este desinteresse crescente. O stress, por exemplo. Hoje há muito mais stress, cansaço, multiplicidade de papéis e de funções nas tarefas da vida do homem. Ser pai, contribuir nas tarefas domésticas, haver uma maior exigência a nível profissional e de formação. Um homem jovem que é pai de filhos pequenos, que tem de fazer um mestrado ou um doutoramento e ainda viajar porque a empresa obriga, vive com um stress enorme.
Não tem a ver com alguma banalização do sexo…
Sim, há uma banalização. Há também a deserotização das relações, a perda do erotismo, por exemplo, pelo cansaço, pela rotina de uma relação longa. Já não há jogo, nem surpresa ou novidade…
Não acha que isso acontece cada vez mais e mais rápido?
Sim. Há cada vez mais a tendência para as relações curtas, umas atrás das outras.
Porque é que isso acontece?
Há um valor contemporâneo na nossa sociedade: o imediatismo. Se não serve, que venha outro novo. No amor e no sexo está a acontecer um pouco isso. É tudo muito rápido e as pessoas investem menos. Se não deu, troca-se por outro.
E a saúde sexual dos portugueses como está?
Não está pior – nem melhor – do que nos demais países da Europa. Agora, não esqueçamos que vivemos num país católico, herdeiro da cultura judaico-cristã. E, portanto, temos uma série de estereótipos culturais perturbadores da vivência sexual. Isso é uma particularidade do nosso país que tem um custo na Saúde Sexual dos portugueses. Nas mulheres encontramos dificuldades, por exemplo, no processo da excitação sexual.
Porquê?
Porque foi socializada para não valorizar o sexo e o prazer sexual.
E isso ainda se mantém nas gerações mais novas?
Sim, mas bastante menos. E, depois, há as próprias crenças religiosas. A ideia de pecado. O modelo é o da sexualidade para a reprodução. E o resultado disso para os homens, desta socialização mais permissiva e exigente para eles é, por exemplo, essa crença de que o homem tem de estar sempre pronto, de que não pode haver nenhuma falha eréctil. É uma grande pressão e facilmente se instala uma ansiedade de desempenho, o medo de falhar… e aí pode falhar mesmo.
O prazer é uma coisa muito subjectiva. Como promovê-lo?
Mais do que subjectivo, é individual. Se calhar, é subjectivo porque nunca foi falado, discutido, promovido. Nunca fez parte da existência das pessoas.
Ainda não se fala o suficiente do tema?
Fala-se mal.
Qual a maneira correcta de o abordar?
O sexo está banalizado, o sexo vende. Não há nenhuma revista ou jornal que não fale de sexo. É o termo de pesquisa mais usado na Internet. É também dos mais procurados porque dá acesso à pornografia. E este é o produto que mais vende na Internet.
O prazer sexual implica um caminho de descoberta, individual e diversificado. Devido à nossa herança cultural, esse caminho é perturbado com obstáculos sobretudo para as mulheres. Obstáculos grandes, difíceis de ultrapassar. E isso tem consequências na vivência sexual na vida adulta. É isso que me preocupa, pois é o que vejo na minha consulta. Como consequência da socialização repressiva das mulheres está, por exemplo, o facto de muitas não responderem a estímulos sexuais. É um vazio erótico ou uma pobreza de recursos eróticos.
Como assim?
É como se cada um de nós tivesse uma base de dados erótica com ficheiros organizados em pastas. Esses ficheiros – registos eróticos – são estímulos que nos despertam sexualmente. Podem ser imagens de filmes, memórias, recordações de parceiros antigos, cheiros, fantasias… Tudo o que servir para acordar o desejo. Cada pessoa tem a sua base de dados erótica. Há algumas que são muito ricas, com muitas pastas diversas, e há outras que estão mais vazias.
E porque é que isso acontece?
Porque houve uma vivência pobre da sexualidade.
Como fazer, então, para que as novas gerações não enfrentem estes problemas?
As questões da sexualidade na mulher estão muito ligadas ao corpo. Estamos a falar de prazer sexual, mas podemos falar do prazer em geral. Vejo muitas vezes que algumas dessas mulheres cujo caminho de descoberta do prazer sexual foi perturbado e, por isso, têm uma base de dados pobre, são também pessoas que têm dificuldade com o prazer em geral e com o corpo. É através do corpo que percepcionamos o mundo e a vida. E com estas pessoas é como se estivesse tudo off.
Às vezes pergunto-lhes: “O que lhe dá prazer? Dê-me exemplos que incluam o corpo.” Nunca se lembram da comida, do Sol, do sal, da água do mar… Não há esta vivência de prazer em geral. É como se estivessem fechadas para o prazer. Têm pouco contacto com o seu corpo. Não sentem, não desfrutam, não gozam estes prazeres do cheiro, do calor na pele, de uma massagem. Vive-se muito do pescoço para cima, com a cabeça. São os pensamentos. É a racionalização de tudo, coisa séria, pesada e cansativa. As pessoas não estão em contacto com o seu corpo. Isto também não é promovido nem ensinado.
A pensar nas novas gerações, e não só, devemos promover o bem-estar físico também. O sentir com o corpo.
É de pequeno que se aprende a valorizar o corpo, estar em contacto com o corpo, aprender a ouvi-lo, a cuidá-lo, a gostar dele.
Ana Alexandra Carvalheira Porquê a Sexologia?
Porque era uma coisa desconhecida para mim. Depois de concluir a minha licenciatura em Psicologia, fiz o primeiro curso de pós-graduação da SPSC, em 1995.
Nesta pós-graduação rapidamente percebi uma coisa fantástica e que me motivou imenso. A sexologia abre janelas que nos permitem aceder às várias dimensões da pessoa. Quando estas nos falam das suas dificuldades sexuais falam de si próprias, da sua personalidade, das suas experiências de vida, daquilo que elas verdadeiramente são.
Outra coisa interessante é o carácter pluridimensional da Sexologia. Só cresce e evolui com o contributo de várias ciências: a Biologia, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Medicina. Isto permite-me pôr o pé em várias áreas do conhecimento, o que é muito enriquecedor.
