Maria Beraldo, em nome da liberdade de expressão
Aos 30 anos, Maria Beraldo (Florianópolis, 1988) é uma das vozes da música popular brasileira contemporânea (com laivos de eletrónica e world music) que se erguem pela liberdade de expressão e se insurgem contra a política e a misoginia através de composições sem filtro.

Antes de se lançar a solo, Maria Beraldo foi a voz da banda de Arrigo Barnabé no álbum Claras e Crocodilos. Cavala, o primeiro disco da instrumentista (toca clarinete, bateria e piano) e compositora, é apresentado pela primeira vez em Portugal durante o festival Tremor, nos Açores, que decorre de 9 a 13 de abril na ilha de São Miguel. Uma expressão da sua sexualidade, Cavala é um grito de liberdade cantado de forma doce mas determinada. Seguem-se ainda concertos a 17 de abril no Musicbox, em Lisboa, e a 18 no Maus Hábitos, no Porto.
Como é que se apaixonou pela música?

A minha história com a música começa com os meus pais. A minha mãe é compositora e toca saxofone, faz bandas sonoras para cinema e tem uma escola de música em Florianópolis (que é, aliás, um local de colonização açoriana – e, por isso, é uma feliz coincidência que os Açores sejam o primeiro lugar onde vou tocar em Portugal). O meu pai é músico e etnomusicólogo. Lá em casa havia sempre pessoas e música a tocar...
Começou por aprender a tocar instrumentos como o clarinete. Isso foi decisivo para o seu percurso?
Quando eu fiz seis anos, a minha mãe abriu a escola de música, passei por muitos instrumentos até chegar ao clarinete. Tocava flauta doce, piano e bateria e cantava no coro. Aos 11 comecei com o clarinete. Daí até decidir que ia ser a minha profissão não sei muito bem o que aconteceu. Estudei na Universidade de Música em Campinas, São Paulo [UNICAMP], que alargou os meus horizontes, comecei a ouvir música eletrónica, pop, rock… Compus a minha primeira música aos 18 anos. Era um choro… Só muito tempo depois voltei a compor.

Que artistas a inspiraram?
Na adolescência ouvia muito jazz por causa da minha mãe, ouvia Charlie Parker, mas a primeira coisa que me encantou foi a música de Hermeto Pascoal. Ouvia Caetano [Veloso], Chico Buarque, Tom Jobim, Jackson do Pandeiro, Clube da Esquina, Elza Soares ou Luiz Melodia.
O que é que a música desperta em si?

A música sempre fez parte da minha vida e acompanha-me em todos os meus processos emocionais. Está muito ligada à minha relação comigo mesma. Fui instrumentista durante muito tempo antes de me tornar compositora. Quando resolvi fazer o meu primeiro disco, fi-lo como uma espécie de canal para comunicar aquilo que sentia necessidade de expressar pessoal e politicamente.
Faz parte dos novos artistas que lutam contra os padrões e conservadorismo da sociedade local. O que quer dizer ao mundo com este disco, Cavala?
Em São Paulo, e por causa de Arrigo Barnabé e de conviver com ele, comecei a circular num meio de compositores que faziam uma música que me tocava muito (como Rodrigo Campos ou Iara Rennó). Abordo, no disco, a minha sexualidade (lésbica), porque toda a vida fui omissa nesse sentido, sempre me escondi, nunca falei sobre isso. A música e essas composições são sobre o movimento de libertação, de expressão de coisas reprimidas dentro de mim.

O disco é um grito de libertação?
É um grito de ativismo político não só LGBT como feminista. [Sou] uma mulher que fala do seu desejo num mundo reacionário, onde a sociedade anula o desejo, onde ainda somos consideradas pela sociedade um objeto de desejo e um ser para a procriação. Quando eu falo do meu desejo, isso só por si já é um movimento político muito forte. Com este disco eu percebi que tinha essa força política e que estava apta e disposta a expor a minha vida pessoal. Este álbum é autobiográfico e só fala a verdade, tem uma carga energética enorme.
