Panda Bear: “quis que qualquer pessoa que ouvisse as músicas se sentisse amada”
Conversámos com o artista Panda Bear sobre as suas origens, a influência da música experimental na sua vida e como é viver em Lisboa.

Noah Benjamin Lennox é o guitarrista e compositor por detrás de Panda Bear, o projeto a solo do músico nascido em Vírginia, nos Estados Unidos, membro dos experimentais Animal Collective. Panda Bear acaba de apresentar o seu sexto álbum de originais – Buoys, editado a 8 de Fevereiro, disco que sucede a Tomboy (2011) e Panda Bear Meets the Grim Reaper (2015), antecipado com os temas Token e Dolphin.O artista, que se mudou para Lisboa há vários anos, tem concerto marcado para dia 24 de abril no Grande Auditório da Culturgest. Antes, falou com a Máxima.
Como era a cultura musical de Virgínia, onde nasceu, e quais são as primeiras memórias musicais?

Saímos de Virgínia quando eu tinha três anos… Eu tenho só uma imagem na minha cabeça de Virgínia que é uma rua com restaurantes de fast food, uma série deles como o McDonald’s. É uma imagem triste de infância, mas é mesmo só o que me recordo. Com essa idade mudámo-nos para Baltimore. Tive duas vias para a música, quando era pequeno. Uma era a minha mãe, que sempre esteve no meio do ballet, aliás ela ainda dança. Em casa, tínhamos sempre a rádio na música clássica... E depois, no carro, o meu pai sintonizava sempre em estações com música dos anos oitenta, hits… estas são as minhas primeiras memórias da música. Tinha também a sorte de termos um piano em casa. Eu pareci interessado o suficiente para os meus pais me inscreverem em lições de música – o que eu adorei. Recordo-me de a professora de música ter dito aos meus pais para me colocarem numa escola "a sério" porque eu estava a evoluir muito.
Como é que se tornou artista a partir dai?
Eu não me lembro disto, mas após três aulas com o senhor com quem passei a estudar (que era exigente), saí dessa aula e desisti. Eu senti que essa nova perspectiva [sobre aprender música] não iria resultar. Tenho memórias vagas desse episódio. A escola que frequentei, depois, era muito estranha, todas as manhãs ouvíamos discos, havia sempre música, e acabei por integrar a orquestra da escola, onde tocava violoncelo. Quando cresci, fiquei mais receptivo ao treino formal. Dessa vez foi a última vez que estudei.

Acabou por criar o seu próprio caminho na música…
Já na altura em que tocava piano, adorava inventar, improvisar… E tenho dois irmãos, um irmão mais velho e uma irmã mais nova. Todos estão na música… Porque os meus pais incentivaram esse nosso lado. A certa altura, compraram um sintetizador e foi o primeiro aparelho que quis investigar, conhecer todas as funcionalidades. Foi o primeiro instrumento que usei para fazer música. Lembro-me de ver um vídeo dos Daft Punk à noite, e pensar "isto é o que eu faço! Repetições, e sessões em loop". E eu não tinha, na altura, uma visão do que estava a fazer. Na altura conhecia já o Josh [Dibb] mas não estava muito virado para a música alternativa. Nem sabia nada sobre música electrónica. Antes dos Animal Collective, trabalhei numa loja de bagels e conheci a Jen, que era cinco ou seis anos mais velha que eu. Ela dava-me cassetes com música para ouvir de bandas como Sun City Girls… E nessa altura comecei a procurar pessoas com gostos diferentes. Quem me dera dizer que foi algo que veio dentro de mim, mas não foi assim que aconteceu.
Em que momento surge o projeto a solo Panda Bear?

Eu diria que o momento em que os meus pais que me ofereceram o sintetizar marcou o início do meu percurso como produtor de música.
Estudou religião, antes de ser artista. Como recorda essa fase da sua vida?
Eu cresci em Baltimore, onde começamos a tocar como Animal Collective. Mas foi em Nova Iorque que desenvolvemos o coletivo (se perguntar aos outros membros, talvez tenham uma perspectiva diferente da minha). Eu comecei a estudar Religião em Nova Iorque e decidi desistir no terceiro ano (…) não sabia bem o que estava a fazer, só que gostava de teologia e de descobrir mais sobre o conceito de Deus. Continua a ser um assunto que me interessa, mas quem me dera que na altura [do curso] alguém me tivesse dito que tudo o que aprendi era importante para um dia "fazer dinheiro". Só sabia que era um tema interessante para se pensar sobre. Não é mesmo o melhor trilho profissional para se ser financeiramente sustentável…

Em que momento passou a chamar a si mesmo artista?
Eu fazia música a todo o momento, mas nunca imaginei que esse fosse o meu futuro. Lembro-me da primeira vez que escrevi "músico" num formulário para entrar num país. E fiquei a pensar, uau… É mesmo isto que eu sou. Antes, escrevia estudante de religião (risos).
O novo álbum de Panda Bear chama-se Buoys. Que quer este disco dizer ao mundo?
Eu sabia que, em termos gerais, queria fazer algo diferente de tudo. Não tinha uma visão clara do que seria, mas sabia bem o que não queria, e isso ditou o resto dos passos. Na composição não há nada que ligue nenhuma das músicas e há um certo sentimento geral nelas, quis que qualquer pessoa que as ouvisse se sentisse amada. É uma reacção a tudo o que vejo à minha volta, muito relacionado com a política.
Há vozes portuguesas neste disco, como a de Dino d’Santiago. Como é que isso aconteceu?
Conheci o Dino através do Rusty. Comecei a gravar, e o Dino estava noutra sala do estúdio. Estavam sempre pessoas a entrar e a sair. Uma noite, cruzámo-nos os dois e o Dino disse que tinha uma ideia para uma das músicas. Aconteceu assim.
Como veio parar a Lisboa, tornando-a a sua residência permanente?
Na altura lembro-me que fizemos uma viagem de seis meses em que aconteceram três ou quarto tours, só eu e o Dave [Avey Tare]. Era outubro…e demos um último concerto em Lisboa, nas Docas (acho que o sítio já não existe). Nesse momento lembro-me que estava emocionalmente em baixo, mas não tinha noção. Tinha 25 anos e sabia que [no fim da tour] me sentaria no meu apartamento em Nova Iorque e teria ataques de pânico, então não queria lá estar mais – mas não sabia onde queria estar. Assim que aterrámos em Lisboa de avião senti que me sentia bem. Na noite antes do concerto, um amigo, o Miguel, convidou-me para sair à noite com o seu grupo de amigos. Sem introduções, cruzei-me com ele na rua. Tentámos ir ao Kremlin, mas ainda não estava aberto… Eram três da manhã, ainda não estava aberto, achei aquilo surreal. Desse grupo de amigos, dei-me muito bem com a Fernanda [Pereira]. Começámos a falar muito, e a passar tempo junto durante a minha estada aqui…Eu estava alojado num hotel no Rossio: acordava e ia explorar a cidade… É uma sensação que ainda tenho hoje. Depois, a Fernanda foi visitar-me várias vezes a Nova Iorque, eu voltei cá… E um dia decidi ficar. Temos dois filhos.
