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Luís Onofre: “O calçado português é sinónimo de elegância, qualidade e prestígio.”

Quando pensamos em calçado made in Portugal, pensamos em qualidade, artesania, perícia. Quando pensamos em design de sapatos, com poder e sex appeal, é Luís Onofre, o designer português que dirige a APPICAPS enquanto calça as mulheres como se elas fossem sobrenaturais.

Foto: João Saramago
12 de junho de 2024 às 13:58 Patrícia Barnabé

Designer de sapatos talentoso, é o primeiro nome que se destaca no universo da moda portuguesa, o único que desfila os seus modelos de sonho em passerelle, no Portugal Fashion, e o único que veste os pés das mulheres para que elas flutuem sobre a calçada portuguesa enquanto caminham, como se fossem entidades divinas. Este ano renovou o seu mandato à frente da APPICAPS, a bem-sucedida Associação Portuguesa da Indústria do Calçado, Componentes, Artigos em Pele e Sucedâneos, que projeta uma imagem de qualidade e modernidade para o mundo. E o encontro destes seus dois mundos não poderia ser mais feliz.

Foto: João Saramago

Porque te entusiasmou o calçado, em primeiro lugar, como criativo? Sei que a tua família tem uma herança na área, por isso deves tens memórias desse mundo que te levem à origem do teu amor aos sapatos?

Sou a terceira geração de uma família ligada à produção de calçado. As histórias sobre sapatos sempre estiveram presentes na minha vida, sobretudo pela voz da minha avó, Conceição Rosa Pereira e do meu pai. Mas se tiver de escolher uma memória, foi o impacto de olhar pela primeira vez para um sapato novo, acabado de fazer. Tocar-lhe, cheirá-lo e vê-lo perfeito em todos os detalhes.

Dizes que desenhas para mulheres fortes e com valores fortes. Que valores são esses, que preconizas? E dá-nos exemplos de mulheres fortes que calces - e algumas que gostarias de calçar.

Penso sempre em mulheres fortes e independentes. Mulheres que tenham novas formas de pensar e ver o mundo. Que consigam cruzar valores tradicionais com uma forma de estar na vida mais livre e contemporânea. E tento trazer esses valores para os meus sapatos. Cruzar o melhor da tradição com a modernidade, para chegar a uma elegância mais intemporal. Não quero destacar nomes porque sinto sempre uma enorme emoção quando vejo na rua uma mulher calçada com um sapato meu.

Foto: DR

A coleção Luís Onofre para esta primavera-verão de 2024 foi inspirada no Brasil. Porquê?

A viagem ao Brasil cruzou-se com a produção da coleção e era impossível resistir ao impacto daquela cultura tão especial. Tive o privilégio de estar no Cristo Redentor de madrugada, sozinho com a minha mulher, e descemos pela escadaria do Sélaron. Esse momento foi tão mágico que acabou por ser a inspiração central da coleção. Todos aqueles azulejos, a sua aparente desordem de cores e formas que acabam por criar uma harmonia tão natural.

Foto: DR

Com a coroação do street e do sport na moda, na última década, e com a primazia dos ténis/sapatilhas usados por uma maioria de pessoas, sentiste que tiveste de te adaptar ao mercado, ou nem por isso?

A pandemia trouxe-nos a hegemonia do conforto e com ela esse reforço dos códigos mais desportivos que cruzavam os ambientes de interior e exterior. Produzimos algumas sapatilhas, poderíamos ter continuado, mas para mim não fazia sentido manter. Não é essa a essência da minha marca, nem são formatos que me inspiram enquanto designer. Achei que não estava a ser relevante. Na verdade, as marcas de referência de sapatilhas também não produzem saltos altos.

E qual é a tua opinião sobre as "novas" estéticas da moda e quais pensas que vão ser as próximas tendências de gosto, se é que isso ainda existe?

Quanto às tendências, penso que se tornaram cada vez mais relativas e subjetivas. Não sei se ainda faz sentido falar em tendências como algo fechado e absoluto. Acredito mais em valores essenciais de produto como elegância, qualidade e intemporalidade.

Foto: DR

Achas que os rasos vieram para ficar, ou não há nada como um bom salto alto? As novas gerações de mulheres continuam a procurá-los? Que magia consegue um salto alto, na imagem e no dia de uma mulher?

A velocidade da vida moderna implica uma dinâmica que tornou os rasos incontornáveis. São mais versáteis e confortáveis, num quotidiano que tem momentos muito diversos. Mas, para mim, em termos estéticos, os saltos altos são a referência primordial. É talvez por isso que os designers e as clientes acabem sempre por regressar a eles. O seu impacto visual é incrível, trazem uma vertigem especial que não existe num salto raso ou médio. É o prazer que define a forma em vez da sua função.

Como presidente da APPICAPS, diz-nos: o que nos distingue como produtores de calçado de qualidade? E de que forma é que os artesãos são protegidos e incentivados?

Diria que o que nos distingue é, no essencial, o saber-fazer acumulado ao longo de gerações. Sabemos, de facto, fazer sapatos bem feitos. Depois, estamos organizados em termos de cluster, com empresas de calçado, componentes e outros acessórios num raio de 50 km quadrados da cidade do Porto, é uma grande vantagem comparativa. Por fim, viajamos pelo mundo todo para apresentar os nossos sapatos e atualmente exportamos 90% da produção. Tudo o que fazemos é na proteção do nosso calçado e das 40 mil famílias que todos os dias trabalham nas nossas empresas.

Foto: DR

E há uma cada vez maior atenção aos materiais naturais e sustentáveis? Se sim, de que forma?

As nossas prioridades estão bem definidas. A nossa maior preocupação prende-se com fazer sapatos bem feitos, que durem muito tempo. Se assim for, estaremos seguramente a contribuir para um planeta melhor. Fazemos um trabalho muito significativo nos domínios da sustentabilidade e responsabilidade social. No âmbito do projeto Bioshoes4all, por exemplo, juntamos mais de 70 entidades, incluindo universidades e centros tecnológicos para desenvolver uma nova geração de produtos. Esta ainda é a fase dos cientistas. Mas temos, claramente, a ambição de ser uma referência internacional no desenvolvimento de soluções sustentáveis na nossa indústria.

Como vês a evolução do calçado português, no mercado nacional e internacional? Continua a ser de grande crescimento e esperança para o sector e para o país?

O calçado português evoluiu muito no passado recente. Hoje é um dos bons embaixadores de Portugal a nível mundial. É sinónimo de elegância, qualidade e prestígio. Por isso, é apreciado em mais de 170 países, nos cinco continentes. Historicamente, eram os mercados europeus que mais nos procuravam. Hoje, são os americanos que nos procuram.

Foto: DR

O calçado continua a ser o acessório de predileção (e vício e coleção irracional e fetiche), da maioria das mulheres?

Tem e continua a ser um vício, algo impossível de resistir. Até porque produzir um sapato de qualidade se tornou cada vez mais caro. A exigência da sustentabilidade, as limitações de produção associadas e o aumento do custo das matérias-primas tornarão o sapato num objeto mais caro no futuro. E os que não forem, não são de confiança.

E os homens, como são os homens a consumir calçado?

O cliente masculino é mais conservador, valoriza o conforto e a intemporalidade. A marca Luís Onofre vende essencialmente mulher e cerca de 95% da minha produção é calçado feminino.

Foto: DR

Alguma vez experimentaste os sapatos de mulher que desenhas? Se sim, qual foi a sensação?

Sim, exatamente num projeto que realizei em parceria com a Máxima, há alguns anos, onde cerca de 100 homens foram fotografados a calçar uns stilettos, com o objetivo de dar visibilidade aos direitos das mulheres. Foi um projeto muito giro onde participei duplamente porque produzimos os sapatos e fui um dos fotografados. Na verdade, na minha fotografia, quis fazer o pino para não colocar o pé no chão. Acabei por torcer o pulso, mas consegui manter os pés no ar...

Se fosses obrigado a usar sapatos de mulher na rua, por um dia ou por uma noite, e tivesses de eleger um modelo, e apenas um, ou um género, qual seria?

Se tiver de eleger um modelo de referência, será uma sandália simples com duas tiras, uma de frente e outra no tornozelo. O material é indiferente, mas o formato é um clássico que estará sempre presente.

Foto: DR

E o que te apetece, para já, desenhar para o futuro?

Quero redesenhar o passado. Regressar a portfólios antigos que tenho na fábrica e voltar a trabalhar essas referências que, em alguns casos, chegam aos anos 60 ou 70. Redescobrir materiais e formas de trabalho mais tradicionais e trazê-las para o futuro. Procuro esse regresso ao essencial, porque sinto que há muitas referências que se estão a perder. Artesãos que desaparecem e com eles técnicas e conhecimentos difíceis de reproduzir. Produtos ou materiais que devemos tentar preservar. Temos de usufruir no futuro do legado desse portfólio. Até porque estamos em tempos onde faz sentido pensar em qualidade em vez de quantidade.

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