Isabel Stilwell redefine Leonor Teles: A verdadeira história por trás da lenda da rainha mais difamada da história
O livro mais recente da escritora portuguesa baseia-se num romance que revela a complexidade e a resiliência de uma rainha injustamente pejorada na história de Portugal. A autora desmonta mitos e expõe a verdade oculta por séculos de manipulação. Conversa com a Máxima sobre a razão por detrás da criação deste livro, a sua inspiração e as descobertas mais fascinantes sobre a rainha.

Isabel Stilwell, jornalista e escritora reconhecida pelo seu contributo ao jornalismo português e pela sua habilidade em retratar figuras históricas complexas, lança agora o seu novo livro Leonor Teles, a Rainha que desafiou um reino. Numa conversa envolvente com a Máxima, Stilwell desvenda a verdadeira face de uma das rainhas mais difamadas da nossa história, contestando os relatos tradicionais que a pintam como adúltera e traiçoeira. Segundo a autora, Leonor Teles é vítima da maior operação de difamação da história de Portugal, construída por cronistas como Fernão Lopes para legitimar outras dinastias. Através de uma pesquisa meticulosa e uma narrativa cativante, Stilwell apresenta-nos uma mulher multifacetada e resiliente, que se destacou num tempo em que o poder e a ambição femininas eram severamente condenados.


O que a motivou a escrever um livro sobre Leonor Teles, uma figura tão controversa da história portuguesa?
Exatamente por ser controversa, odiada mesmo. O estereótipo da mulher sedutora e vingativa. Desconfio sempre, porque somos todos muito mais complexos e interessantes do que estes retratos a preto e branco tentam fazer crer. Por isso parti em busca da verdadeira Leonor.
Que aspetos da vida de Leonor Teles a intrigam mais e como tentou abordá-los no seu livro?

Quis perceber como foi o seu primeiro casamento, o primeiro filho que "abandonou", como o rei se apaixonou por ela, e que tipo de relação tiveram. Na verdade, tudo me intrigava, o envenenamento de D. Fernando, as rivalidades e intrigas. É um daqueles tempos da História em que a realidade supera em muito a ficção.
Durante a pesquisa para o livro, encontrou alguma informação nova ou surpreendente sobre Leonor Teles que não fosse amplamente conhecida?
Penso que a chave para abrirmos a porta que nos aproxima de Leonor é perceber que Fernão Lopes, que escreveu sobre ela cerca de cinquenta anos depois, tinha um propósito claro: denegri-la, para justificar a legitimidade da Dinastia de Avis, para quem trabalhava. É um homem brilhante, que escreve fabulosamente, mas peca por encaixar as peças como lhe convém. Hoje diríamos que era um verdadeiro criador de fake-news.

Como é que caracteriza Leonor Teles: como uma vilã histórica ou uma mulher mal compreendida pela sua época?
Como uma pessoa complexa, com muitas facetas, capaz do melhor, mas também do pior. Num tempo — será que mudou assim tanto? — em que uma mulher que tem ambição de poder e luta por ele, é imediatamente acusada de ser "uma Leonor Teles". Adúltera, barregã, aleivosa, o que não falta são epítetos como estes que foram replicados ao longo dos séculos.
Quais foram as principais dificuldades que encontrou ao tentar reconstruir a vida de Leonor Teles, dado que a informação disponível pode ser escassa ou enviesada?

Felizmente os historiadores atuais já nos dão as armas para conseguirmos ler os acontecimentos daquele tempo com outra imparcialidade, cruzando fontes e pontos de vista, e ajudando a entender o que se passou em Portugal no contexto do que sucedia então em toda a Europa. Por exemplo as revoltas populares que Fernão Lopes atribui ao casamento do rei com Leonor, estavam a acontecer em Castela, França, Inglaterra, e por ai adiante e eram uma consequência da crise económica desencadeada pela Peste Negra. Como acontece quase sempre, é a riqueza ou a pobreza que define um tempo.
Pode descrever algum episódio específico da vida de Leonor Teles que considera particularmente marcante ou revelador da sua personalidade?
Quando percebeu que o rei tinha sido envenenado e estava muito debilitado e às portas da morte, tanto quanto sabemos "escondeu-o" dos olhares da corte e dos embaixadores, e assumiu discretamente a governação por ele. Mesmo antes e depois deste episódio, vemos a assinatura da rainha quase sempre ao lado da do rei, inclusive nos tratados de aliança com Inglaterra, o que era invulgar, mas sinal da sua força e da consideração que os outros reinos tinham por ela.
Qual foi a sua principal inspiração ao escolher o formato narrativo para contar a história de Leonor Teles?
É o meu 12º romance histórico, já deixo que seja a história a decidir como quer ser contada. Neste caso, com uma segunda voz, a de Guiomar Lopes Pacheco que educou Leonor e que é simultaneamente irmã do assassino de Inês de Castro e maior inimigo do rei D. Fernando, e nos dá sempre um segundo ponto de vista.
Acha que a história de Leonor Teles pode ter paralelismos ou relevância para os dias de hoje? Em que aspetos?
A história de Leonor Teles é uma lição para os dias de hoje: o efeito das fake-news, a destruição do carater de alguém nas primeiras páginas dos jornais, perdura por séculos e séculos. Não é por acaso que a Constituição Portuguesa consagra o direito ao bom nome.
Existe alguma parte da história de Leonor Teles que gostaria de explorar mais a fundo num futuro trabalho?
Há sempre personagens secundárias que davam um livro, como é o caso de Diogo Lopes Pacheco, que esteve envolvido no assassinato de Inês de Castro, fugiu de Portugal disfarçado de mendigo, lutou com os reis de Castela, esteve com um "partido" e com outro, mas resistiu sempre, ao ponto de ser uma das testemunhas vitais já em velhinho para a aclamação de D. João I.
Como é equilibrar a ficção com a realidade histórica ao escrever sobre figuras históricas complexas como Leonor Teles?
Costumo dizer que sou jornalista do passado, e que, portanto, uso as mesmas técnicas do jornalismo: ouvir o máximo de pessoas, confrontar cada facto com o possível contraditório, e procurar aplicar a plausibilidade às lacunas que inevitavelmente existem. Seja numa história de há 700 anos ou passada há dez dias. No final do meu livro tenho sempre uma História dos Personagens e a Bibliografia, para ajudar o leitor a conhecer melhor os factos sobre cada personagens e a procurar mais, se assim o entender.
