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Joana Marques Vidal: "Nunca sacralizei o poder. Sempre vivi com a noção perfeita de que é precário"

A ex-Procuradora Geral da República deixou-nos hoje, aos 68 anos. Recordamos a entrevista que deu a Isabel Stilwell, em julho de 2013, ao lado de Judite de Sousa, Catarina Martins, Assunção Esteves e Isabel Vaz, sobre poder.

Joana Marques Vidal
Joana Marques Vidal Foto: Pedro Bettencourt
09 de julho de 2024 às 17:57 Isabel Stilwell

Joana Marques Vidal, ex-Procuradora-Geral da República

“O poder nunca me deslumbrou”

“Nunca sacralizei o poder. Sempre vivi com a noção perfeita de que é precário, uma coisa efémera. Hoje está-se num cargo de poder, amanhã não, e não é por aí que devemos reger a nossa vida. Aprendi-o com os meus pais e é uma maneira de estar na vida. Não só não me deslumbro como até as obrigações decorrentes deste cargo me confrangem um pouco. Ainda me estou a habituar a ter seguranças, por exemplo, não pelas pessoas em si, que são extraordinárias, mas porque sempre fui muito independente.

'O PGR tem poder? Claro que tem. Mas para mim o poder consiste na possibilidade de mudança'

O Procurador-Geral da República tem poder? Claro que tem. Mas para mim o poder consiste na possibilidade de mudança. O Ministério Público é uma magistratura de iniciativa, que promove o exercício dos direitos dos cidadãos e principalmente das pessoas mais vulneráveis, além do exercício da ação penal. Quero trabalhar para que, no concreto, seja cada vez mais assim. Quero fazer mudanças, apesar do momento complicado em que vivemos e das limitações orçamentais. Não é um poder fácil de exercer porque as pessoas, às vezes, têm a ideia de que o Ministério Público pode resolver tudo, e nós só temos as competências que estão na lei. Mas podemos ser mais pró-ativos, podemos promover e facilitar os percursos que as pessoas têm de tomar para resolver os seus problemas. Não basta despachar o processo…

Dar poder aos que não têm poder, que é a nossa missão, passa, por exemplo, pelos direitos das crianças, que são uma luta antiga, minha e de muita gente. A situação melhorou, mas ainda estamos contaminados por uma visão assistencialista. É um facto que quando se definem políticas, habitualmente a questão das crianças não surge como uma prioridade. Falta-nos uma estratégia nacional. Quanto às crianças nos tribunais, continuo a pensar que a formação especializada devia ser um pressuposto e uma condição da colocação dos magistrados nos Tribunais de Família e Menores, aliás, bem como nos outros. O que obriga, necessariamente, à mudança da forma como se faz o respetivo concurso.

Qual é a sensação de ser a primeira Procuradora-Geral da República?

Não penso muito nisso, se quer saber a verdade. Ser mulher nunca afetou a minha carreira, provavelmente porque como não vejo nenhum poder como sagrado, necessariamente nunca vi assim o poder masculino. Mas é verdade que as mulheres, para serem reconhecidas, continuam a precisar de trabalhar muito mais, a provar mais. E quando uma mulher está num lugar de destaque e falha é muito mais criticada e de um modo mais humilhante do que é um homem incompetente que estivesse no mesmo lugar. Tenho também consciência de que a vida das instituições ainda está estruturada de uma forma que torna a vida das mulheres difícil, sobretudo das que são mães – o facto de não ter filhos deu-me, provavelmente, uma disponibilidade maior. Mas também isso está a mudar.

Quer voltar à questão da minha família? Não gosto de falar de mim, mas reconheço que o facto de ter cinco irmãos, quatro deles rapazes, ajudou-me, com certeza, a perceber que o poder é negociado, embora eu seja a mais velha [sorriso].”

Esta entrevista foi publicada originalmente na edição 298 da Máxima, de julho de 2013, juntamente com os testemunhos de Judite de Sousa, Catarina Martins, Assunção Esteves e Isabel Vaz. As fotografias foram captadas por Pedro Bettencourt.

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