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A sinopse do novo filme de Sandro Aguilar, no qual Isabel Abreu e Albano Jerónimo são um casal de protagonistas, com Eduardo Aguilar no papel de filho, deixa um enigma no ar. De que trata o filme? É perda? É inquietação? É a dura travessia do deserto que um casal atravessa em determinada fase das suas vidas? Mas há efeitos psicotrópicos pelo meio, e espaço para um ambiente permanente de suspense.
"A escapadela tropical de um casal para o seu 20º aniversário dá uma reviravolta inquietante quando os efeitos secundários da vacina provocam sintomas estranhos" lê-se, na descrição de Primeira Pessoa do Plural. "Enquanto se preparam para deixar o filho para trás, desenvolve-se uma atmosfera sinistra que ameaça as suas relações". Entrevistámos Isabel Abreu, que de momento está nos Países Baixos para estreia internacional do filme no Festival de Cinema de Roterdão.
Como se processa a preparação de uma personagem como esta, que retrata no fundo a angústia e a perda?
Para mim, seja que processo e que preparação for, mais importante do que o eu, e do que a preparação sobre a minha personagem - que a vou fazendo numa pesquisa sozinha -, é muito sobre a escuta das pessoas que estão à minha volta e, no fundo, também das pessoas que são as criadoras desta partitura da qual faço parte.
Como foram as rodagens no filme? Já existia uma relação de contracenar com o Albano?
Neste filme tivemos a sorte de trabalhar durante duas semanas separadamente, primeiro uma semana, depois outra semana, em residência, que ajudou bastante a uma definição de uma linguagem comum; a saber muito bem o que o Sandro queria, também; a saber como é que a nós nos interessava contar esta história. E, o facto de ter o diretor de fotografia sempre presente connosco e de experimentarmos vários caminhos, fez com que eu e o Albano conseguíssemos criar esta linguagem comum, conjuntamente com a realização e a direção de fotografia.
Depois, o resto acaba por ser preencher e encher com muitas coisas que vejo, leio, escuto e sinto. Foi um processo extremamente feliz. Ainda por cima começámos fora de Portugal, em Itália, foi um processo muito feliz, em estado de graça, em que tivemos sete semanas quase, diria, de um mundo paralelo, de um universo paralelo.
Em relação ao Albano, o Albano é um cúmplice já de longa data e é um ator com quem eu tenho a máxima confiança e onde acontece algo extremamente belo e bonito, que é a ausência da necessidade da palavra para nos entendermos. Ao ver agora o filme, acho que isso é altamente visível, porque muitas das vezes transformamo-nos numa pessoa.
Onde filmaram e durante quanto tempo?
Filmámos em Itália, no Lago di Garda. E filmámos também em Lisboa, na Guerra Junqueiro, portanto fomos filmando assim por várias zonas. As filmagens duraram mais ou menos, acho eu, sete semanas, não tenho a certeza.
Foto: DR
Quando se está tanto tempo fora do país profissionalmente, como manter rotinas fora do trabalho? O que mais gosta de fazer quando não está a trabalhar?
As rotinas fora do trabalho... dependem das cidades onde nós estamos, se já estiveste nesta cidade, se não estiveste, se são sítios que já se transformaram quase em casa, porque já passaste nessas cidades tanto tempo que quando chegas já reconheces como tua.
Quando não estou a trabalhar, muitas vezes estou a tentar descansar, a aproveitar para descansar entre trabalhos, porque às vezes não é assim tão fácil andar de um lado para o outro e visitar museus, estar com amigos ou amigas que estejam nessa cidade, estar com os atores e as atrizes que estão comigo, com os técnicos que estão comigo, almoçar. Depois, tento encontrar as pequenas coisas que me dão prazer ou que me são necessárias. Por exemplo, uma das coisas que eu tento encontrar sempre é onde é que há o melhor pho para comer (aliás, eu falei disso numa pequena rubrica que tive convosco), porque é algo que me dá imenso prazer e que me faz qualquer coisa como lembrança de casa, e talvez de infância.
Foto: DR
Como foi trabalhar com o Sandro? Foi a primeira vez que rodou um filme com ele?
Eu trabalho com o Sandro desde que tinha 20 anos, portanto... e fiz praticamente - não digo tudo, porque ele fez muita coisa em que eu não entrei -, mas acho que entrei em quase tudo o que ele fez, em todas as curtas e em todas as longas, certamente. Com o Sandro, o trabalho neste momento é, primeiro, envelhecer dentro de um cinema, e ver uma mulher que passa dos 20 aos 46 numa tela. E isso, para mim, é extremamente comovente. Eu acho que nós já somos verdadeiramente cúmplices um do outro.
Em muitas das vezes, sinto que adivinho o que o Sandro quer, e ele adivinha um caminho para onde eu posso ir. Somos muito claros no que gostamos e no que não gostamos. Eu acho que sei bem também o que é que ele não gosta. Ou seja, eu sou uma boa espectadora, também, dos filmes do Sandro, porque ele deixa-nos sempre uma margem que nos obriga a pensar, a refletir e a criarmos as nossas próprias histórias. Sim, sou uma belíssima espectadora dos filmes dele.
Foto: DR
Como se sai emocionalmente de uma experiência tão intensa como dar vida a um personagem?
Emocionalmente, como disse, foi um processo tão feliz, tão feliz, tão feliz, que eu saí com carregada de felicidade em mim. Agora, a experiência foi ver o filme, porque me deparei, para além desta enorme felicidade, com pessoas que criam uma felicidade para a sobrevivência. Que acreditam na felicidade para continuarem a existir. E isso foi um bocadinho avassalador, acho eu.
O que a continua a apaixonar na profissão?
Apaixonam-me muito os outros. Apaixona-me muito a sorte que tenho de viajar. A sorte que tenho de trabalhar com criadores e criadoras incríveis. Apaixona-me muito ver as reações do público. Apaixona-me muito pensar e perceber o poder que existe e a sorte que existe em poder estar numa tela ou num palco a produzir pensamentos e a discutir, a seguir, e a fazer coisas que não acabam ali, e que podem durar uma vida.
Como vê a questão emergente do idadismo no cinema? As mulheres mais velhas estão finalmente a ter papéis principais ou ainda estamos numa fase da conversa?
Estaremos sempre numa fase de conversa. A forma como se vê a mulher e como se vê o homem. E isto é uma conversa, se calhar, ainda mais complexa do que isso, porque estamos a reduzir isto à mulher e ao homem e não é só. Ou seja, há um crescimento muito grande para fazer. Falamos aqui do cinema. Falo de teatro também e falo, inclusive, de literatura, também. Acho que estamos a caminhar. Quero acreditar que o sítio onde estamos agora não é igual aquele onde estávamos há 20 anos. É lógico que não se está no mesmo sítio. Mas também é lógico que ainda há um caminho muito grande para fazer para que exista uma igualdade e uma paridade. Para que exista representatividade. Para que não exista medo de se envelhecer, por exemplo. Para que as pessoas percebam que o envelhecimento, numa mulher, não tem de ser visto de uma forma negativa, mas sim de uma forma bela. Que não há nada mais bonito do que eu viver num corpo que envelhece, sentir as histórias que estão nesse corpo, e as cicatrizes que estão nesse corpo. Muitas das vezes nós temos tendência a mostrar só o que achamos que os outros querem ver, ou aquilo que a sociedade considerou que queria ver. Mas há muito mais e há um caminho muito, muito grande para se fazer a todos os níveis, a nível de representatividade.
Foto: DR
Como sente a idade na pele, na sua profissão? O que a faz sentir-se bonita?
Sinto-me mais construída, ou reconstruída, ou existente, quase, agora aos 46, do que sentia aos 18. Acho que se me pedissem para voltar atrás, eu não queria. E não é por uma questão de tempo, porque eu gostava de viver muitos anos. É mesmo porque eu gosto muito de mim com a idade que tenho. E mesmo agora, quando falei dos filmes do Sandro, de ter começado com 20 anos e de agora estar com 46 e ver-me na tela, tenho muito, muito orgulho do que transporto com a idade. Como eu costumo dizer, a brincar, transporto uma série de coisas que para cinema são fundamentais, porque ficam nos olhos. E, portanto, mesmo em silêncio, com a idade, passa-se muita coisa. Não tenho problema nenhum com o envelhecimento. Sei que há determinadas coisas que são mais difíceis de fazer, mas ao mesmo tempo, por dentro, não sinto a idade que tenho. O que é interessante. Sinceramente, o que me faz sentir mais bonita é a capacidade de me me rir e de me espantar com coisas. Acho que as gargalhadas, o riso e as complicidades são as coisas que me fazem sentir melhor e mais bonita.