Entrevista. Isabel Abreu brilha em Cannes como uma estrela de cinema
Cresce de uma aparente fragilidade e enche o palco e o ecrã do Cinema como da Televisão. Move-se entre a luz e a sombra com uma subtileza aquática, sensual, apaixonada. Presença habitual nas peças de Tiago Rodrigues e nos filmes de Tiago Guedes, duas referências nas suas áreas, deste último estreia agora ‘Restos do Vento’, que levou ao Festival de Cannes. Foi essa luz que a Máxima captou na cidade francesa do glamour. Fotografia de Rui Aguiar. Realização de Filipe Carriço.

Propõe conversarmos ao ar livre e sentamo-nos no relvado da Gulbenkian. Debaixo de uma sombra, depressa entramos pelo mundo em ebulição a que assistimos todos os dias e onde Isabel está comprometida a participar. "Tenho estado mais atenta às expressões que são endémicas, coisas que entraram sem te aperceberes e estão contigo desde que nasceste", e que são racistas ou sexistas, tão antigas que lhes perdemos a consciência. E depressa entra pela sustentabilidade. Às vezes "o que é violento", acrescenta, "é não sentires essa preocupação" à tua volta. "É como se existisse um adormecimento em relação a determinadas questões. E não falta muito para que o mundo te exija grandes mudanças".
A emergência climática e a sustentabilidade social parecem ser grandes causas para ti.
Sim, a relação com o que é biológico e com a sustentabilidade. Se eu pensar na minha avó, ela sempre teve um comportamento altamente sustentável, tudo tinha um reaproveitamento, tudo, a água era posta num regador de metal a apanhar sol de manhã, para aquecer e depois lavar a loiça. E não era por uma questão económica, sempre fui privilegiada no meio em que nasci, mas por preocupação. É claro que o problema da água sempre me preocupou, mas este ano ao ver nascentes ou cascatas, onde ainda há dois anos andei a nadar, completamente secas... Mmm, se calhar isto está perto.


E tenho um projeto incrível que nasceu durante a pandemia e é um projeto de higiene e combate à pobreza menstrual. Começou pela sustentabilidade e foi um dos grandes acontecimentos, e mudanças, na minha vida. No primeiro confinamento, perto da minha casa, criei uma relação de proximidade com um casal em situação sem-abrigo, não sei como é que agora estão a viver e se continuam nessa situação, mas ficaram desempregados e todos os dias tentava saber do que precisavam. E há um dia em que estou a falar com ela e pela primeira vez pensei como seria menstruar sem condições nenhumas. "Que idade é que tens?" E ela disse "43". "E ainda menstruas?" "Sim". Espera lá, tu para além de pedires na rua para teres dinheiro para comer, tens também de..." E ela respondeu-me muito simplesmente: "Faço como toda a gente, vou ao supermercado e depois vou a um café, peço um café e vou à casa de banho." Na altura o Casal Vistoso tinha aberto um ginásio para receber pessoas em situação de sem-abrigo e eu dei-lhe um copo menstrual. Nesse mesmo dia enviei uma mensagem à [actriz] Joana Seixas: "Hoje pensei em ti...." E contei-lhe que lhe tinha dado o copo menstrual, que dura cinco anos, no máximo 10, se a utilização for bem feita, e o que isso significa economicamente, mas também em termos de sustentabilidade. Ela ligou-me logo: "Tens noção que essa é uma ideia absolutamente incrível?" E começámos a desenvolver o projeto que hoje é da Corações com Coroa, [organização sem fins lucrativos, fundada por Catarina Furtado, cuja missão é, há 10 anos, empoderar mulheres e meninas. Não só actua em situações de vulnerabilidade social e pessoal, como no acesso à educação e a cuidados de saúde como garante da igualdade de género].
Que ações levam a cabo para combater a pobreza menstrual?
Entregámos uma carta aberta para que se distribua gratuitamente produtos de higiene menstrual, que foi aprovada com maioria parlamentar. Ainda não está a acontecer, espero que não caia no esquecimento, se não estamos cá para lembrar. Se distribuis a pílula e contraceptivos, porque não produtos de higiene menstrual? É tão fácil! Fizemos estudos junto de uma série de entidades e estruturas, e na carta falámos da gratuitidade e do seu acesso, as escolas saberem que as pessoas podem aceder (digo pessoas para percebermos que não são só as mulheres que menstruam e que há homens que ainda têm menstruação). Temos um projecto que é A Mecarca vai à Escola, estivemos este ano no agrupamento de Escolas do Alto do Lumiar, com o apoio da Câmara de Lisboa, e um grupo da comunidade cigana, num trabalho de distribuição de produtos de higiene menstrual, sempre sustentáveis, e de consciencialização de que esta é um bem social, não é uma escolha, a menstruação acontece independentemente de quereres ou não, e o que implica em termos de dificuldade de acesso ao trabalho, de doenças como a endometriose, quais são as consequências de ires trabalhar com aquelas dores, das meninas que muitas vezes não vão à escola porque não têm produtos de higiene menstrual... De repente, tens isto à tua frente e a passar-se aqui em Lisboa. E depois começámos a pensar: quando alguém começa a usar produtos descartáveis, qual é a pegada ecológica? O que posso fazer? Não sendo responsabilidade nossa, é um problema global. E vais lá com números: durante uma vida, se nasceres a menstruar durante toda a tua vida fértil, tens de ter mais quatro ou cinco mil euros de gastos do que alguém que não menstrua. E começas a pensar que há as prisões femininas, as trabalhadoras do sexo, onde podes introduzir o disco, por exemplo. É um dos projetos que me apaixona verdadeiramente.


Sempre tiveste sensibilidade para os temas femininos, ou poderia ser uma outra causa qualquer?
Poderia ser uma outra causa qualquer, mas há determinadas coisas que têm vindo a ganhar terreno dentro de mim. Se é por este espetáculo que estamos a fazer, encenado e escrito pelo Tiago Rodrigues, Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, um espectáculo que é um fenómeno [a peça é um sucesso estrondoso do Teatro Nacional que anda em tournée pelo país e pelo mundo], se pelo facto de sermos todas Catarinas... Ou se é por eu ter lido imensos livros e manifestos e pensamentos sobre o feminismo, principalmente porque acho, cada vez mais, que alguma coisa ainda não está bem resolvida. E a menstruação, por exemplo, promove mesmo desigualdades, embora seja visível é invisível.
Fala-se mais de pares de tomates.
Muito mais. Estou convencida que a questão da contracepção está resolvida porque também mexe muito com o homem. Para mim é claríssimo, e é cada vez mais claro, que se este fosse um problema associado a um patriarcado já estava resolvido há muito tempo. Porque garanto-te que ninguém a suportaria, como nós a suportamos, e como para nós é entendida como natural. A mim também ninguém me explicou, é um segredo e é uma vergonha sujares-te, é uma vergonha pedires um penso ou um tampão. E tem nomes, é o Benfica, o coiso, a história, e temos medo das palavras. E estamos a falar de muitos anos, da menarca à menopausa. Tenho recolhido imenso material do ponto de vista pessoal e a seguir quero trabalhar com isto, é invisível mas tem afetado a minha vida e afeta-a física e psicologicamente. Mas quanto mais conhecimento deres, mais pensamento poderá existir e maior mudança poderá acontecer. Uma coisa boa e bonita - e que me deixou feliz - é que há questões tão grandes que não consegues resolver e esta, sem nos apercebermos, foi ganhando forma e foi tendo impacto. E temos marcas que se associaram a nós sem saber bem o que íamos fazer, a Lunette que nos fez as doações dos copos menstruais, a Flo ou a [cosmética] Organii, porque no início distribuímos cabazes de higiene para as mulheres poderem experimentar. É um assunto que se vai ampliando na esperança que o governo não se esqueça que o temos de resolver.


Estudaste Teatro na Escola Superior de Teatro, querias mesmo um palco ou era um caminho para chegar ao Cinema?
Escolhi o teatro porque nunca vi a opção de fazer outra coisa. E não sei bem porquê. Ou seja, toda a gente, e ainda hoje me dizem, na terrinha de onde eu sou [vila de Arronches, distrito de Portalegre] que sempre estive envolvida em tudo o que são festas e festinhas e festetas de tudo, de teatro, festivais da canção, réplicas de telenovelas, e depois tive a sorte de apanhar, no 10ºano, a nova reforma e de esta numa escola-piloto onde tinha a disciplina de teatro. (Tantas tantas vezes nos esquecemos do interior e centralizamos tudo, Portugal não é muito grande e somos muito mais do que as grandes cidades e o litoral.) E duas coisas importantíssimas para mim: o Festival Internacional de Teatro de Portalegre, onde com 14, 15 anos tive acesso e pude ver imensas coisas de todo o mundo. Lembro-me de ver lá, O que Facciamo qui?", acho que é a primeira peça do Teatro Meridional, lembro-me de pensar: é isto que eu quero fazer! E tinha acesso a falar com os artistas. E depois havia umas tendas da Madalena Vitorino e da Manuela Pedrouço, que também foram à escola de Portalegre, à Mouzinho da Silveira, estavam nas escolas uma semana e iam fazendo workshops, de movimento, palavra e movimento, uma série de coisas, e lembro-me de fazê-los e dizer: é mesmo isto! Depois tive um professor de inglês no quinto ano que era tradutor de teatro, trabalhava imenso, e eu sem querer tive acesso a um mundo que não era o meu mundo. Os meus pais são médicos. Por isso defendo o ensino artístico nas escolas, porque te abre a cabeça e te dá um contacto, uma sensibilidade, uma atenção, um gosto para determinadas coisas.
Mas a tua estreia foi no Cinema, em 1996, com Roleta Russa da realizadora Rita Nunes.

A Rita estava na Escola Superior de Teatro e Cinema, trabalhei com a Rita ainda dentro da escola. Mas eu tive um percurso... Não era uma aluna de teatro brilhante, muito pelo contrário, fui mesmo convidada a sair e a desistir no primeiro ano. Durante os três anos de Conservatório fiz mesmo muito pouca coisa como atriz, tinha colegas que já trabalhavam numa companhia, mas eu não fiz nada profissional. Curiosamente, comecei a ser convidada para alguns exercícios da escola de Cinema, agora são grandes realizadores e a Rita foi realmente uma das primeiras com quem trabalhei, obrigada por me lembrares.

Conheces o Tiago Guedes em 2000, com o filme Alta Fidelidade, e em 2001 fazem o Acordar, que ele co-realizou com Frederico Serra. Seguem-se, também de ambos, Coisa Ruim, de 2006, e Entre os Dedos, de 2008, e em 2014 entras em Coro dos Amantes, do Tiago apenas, com quem virias a casar e a ter dois filhos.
Mas no Acordar faço uma voz off e no Coisa Ruim faço uma figuração, se não me engano com o Marco d'Almeida, e nessa altura já vivia com o Tiago. Mas sabes como é, quando tenho amigos que estão a fazer coisas, vou fazer uma perninha, nem que seja ir lá para ver e dizer que estou presente. Adoro assistir a processos de ensaio, gosto imenso, aprendo tanto. E acho que tenho uma coisa meio infantil, uma capacidade de abstração, de que aquilo é o meu meio, e consigo estar a absorver as coisas sem ter o meu sentido crítico no alerta máximo. Gosto mesmo da contribuição e do trabalho coletivo, de assistir ao processo de criação, da mesma forma que gosto que assistam ao meu trabalho. Lembro-me, por exemplo, quando o Rui Mendes me convidou para fazer a Menina Júlia - eu não sou muito fã do Strindberg, tenho algumas dificuldades com a escrita dele, acho-o um bocadinho misógino, nunca gostei muito - e lembro-me quando o Rui Mendes me convidou para fazer, eu aceitei, acho que 90%, para estar presente, para além de adorar o Rui Mendes e ter por ele imensa admiração, mas para ver o Albano [Jerónimo] e a Beatriz [Batarda] ensaiar, são duas pessoas que admiro, queria estar presente e participar. Depois, curiosamente, até percebi que aquilo podia ser muito mais do que aquilo que estava escrito. E, de repente, vês a Katie Mitchell que pega na Menina Júlia mas do ponto de vista da Cristina, e diverti-me mesmo muito a fazer aquilo. Opino muito, se calhar demais, mas gosto muito do coletivo, do processo, cada vez mais, mais até do que o depois.

Temos agora em estreia este Restos do Vento, fala-me deste encontro e como olhas para este filme, como te ficou na pele.
(Longo silêncio) O Restos é um filme que já existe há muito tempo, filmei-o o ano passado, mas já existe na minha vida há uns anos. É um filme que mexe comigo a vários níveis, principalmente do ponto de vista do perpetuar da violência e de certas relações tóxicas, de como às vezes replicas coisas que achas que estão erradas, sem te aperceberes e, acima de tudo e sobretudo, como a sociedade está organizada. E é curioso, porque já não devia ser assim, mas acho que é cada vez mais: a escolha dos mais fracos para serem sacrificados.

É a perda da inocência.
Eu gosto muito da base do personagem do Albano, com quem acabo por ter uma relação muito muito forte, porque, para mim, é a pureza em pessoa e, lá está, é quem acaba por ser o sacrificado. É para haver uma redenção? O filme não diz, mas é baseado numa tradição, que não existe só em Portugal - o diretor de fotografia que é da Républica Checa disse: Ah, temos uma tradição que é muito parecida!". Não tens a máscara, mas são os homens jovens que, num momento de passagem para a idade adulta, como se fosse num ritual de iniciação, andam a açoitar as raparigas e depois elas dão-lhes ovos... Levas com a chibata e ainda agradeces e bebes e aquilo ainda pode virar. E continuas a replicar, todos os anos, porque achas que é assim, porque sempre foi assim, não questionas. O Restos para mim é um bocadinho isso, esse vento, essa coisa cíclica que te abafa. Eu senti muito, imenso. Quando estávamos em residência cinco dias, e fomos conhecer o sítio onde filmámos, que foi em Meimão [Beira Baixa], cheguei lá e vi a casa desta mulher e pensei: "Esquece tudo, não há cá maquilhagem e cabelos, esta mulher é auxiliar num lar, não tem tempo a perder, está frio, tem de sair às seis da manhã...." E a terra é assim, a puxar, é condensada, e tu percebes, as histórias que existem e que estão ali, as pessoas extraordinárias que são pessoas esquecidas também. Mas a perda de inocência é muito clara, e o silêncio, os cúmplices coletivos que é uma coisa altamente assustadora. E sabes, a personagem que o Albano faz, o Laureano, dei por mim, no outro dia, a ver e a pensar: ele também são cúmplices.
Na apresentação do filme há uma frase que reflete sobre esse medo e como ele "condiciona e distorce a realidade" e é dele que "nasce, tantas vezes, a maldade humana".
Tu consegues anular praticamente todas as coisas do ser humano, menos o medo. E depois ele faz-te reagir: o medo do outro, o medo da diferença. Foi com o Raoul Peck no Exterminate all the Brutes, um documentário inacreditável em quatro episódios onde percebes como isto está enraizado profundamente, e fala-se precisamente do medo, é o medo de ser rejeitado ou de ser aleijado, o medo como motor. Porque é que uma criança consegue determinadas tessituras vocais que depois nunca mais consegues? Porque é que quando cai não se magoa? Porque depois começas a retrair-te pelo medo. Começas a castrar, a castrar, a castrar. Não o consegues apagar de toda a sociedade: tiveste-o com a lei do armamento, com o Covid, com os incêndios, não é? E, curiosamente, a minha personagem no filme, a Judite, age pelos seus e age pelo medo, o que a torna também cúmplice de toda uma sociedade, e do sacrifício, lá está e sempre, do mais fraco.

Por falar em coragem, tens algum tipo de heróis? Profissionalmente ou na vida, temos falta deles.
Tenho muitos heróis e muitas heroínas e às vezes não são só ligados à arte e àquilo que faço. Quando há pouco falava na Maria [a empregada da família, "provavelmente das pessoas mais interessantes que conheci"] tem em mim esse efeito. E tenho pessoas que admiro pela maneira como conseguem levar o mundo, e tenho heróis criativamente, muitas pessoas que admiro, cientistas, pensadores, neurocirurgiões e, muitas vezes, os heróis que estão na sombra, os que nós não vemos, e não é o cliché. Também são os bombeiros, mas se a sociedade estivesse mais atenta a como estes heróis e heroínas são fundamentais tínhamos-lhes muito mais respeito e vangloriávamos mais o seu trabalho invisível. Para mim, é extremamente importante, as pessoas que se levantam e continuam a trabalhar para que isto não caia tudo, como os médicos e os auxiliares de saúde durante esta pandemia.
Já foste nomeada para 10 prémios como actriz, e ganhaste metade deles, mas como foi ir ao Festival de Cannes, onde Portugal não ia com uma longa-metragem há algum tempo. Como foi fazeres estas fotografias lindas de morrer?
São, não são? (risos) Eu adoro mesmo fazer Cinema! A minha vida até é mais teatro, não temos uma grande indústria de Cinema, e eu não filmava há imensos anos, por acaso, o ano passado, filmei três filmes, o que é fixe. E agora vou fazer um próximo. Eu nunca tinha estado num festival tão grande, estive em San Sebastian. Os festivais e prémios... É muito engraçado porque depois estás lá – eu cada vez mais acho que não há melhores nem piores – e é um reconhecimento do teu trabalho. Cannes é completamente star, glamour, chique, tudo! Depois tive estes dois seres loucos [o Rui Aguiar e o Filipe Carriço]... que acreditaram! E foi mesmo brutal!

Como surgiu esta produção?
Estava a contar ao Filipe [Carriço] que, fez agora um ano, estava a viver um dos momentos mais fora da minha vida e que foi estar na estreia no Palais des Papes, em Avignon, de repente estava a fazer O Cerejal [de Tchekhov] só com franceses, e com a Isabelle Huppert como protagonista... E estava a falar disso e das digressões dos festivais gigantes incríveis, com criadores geniais do mundo inteiro, pessoas que nunca me passou pela cabeça conhecer. E o Filipe Carriço diz: "Ando há imenso tempo com vontade de te fotografar e vou contigo a Cannes." E, de repente, leva um dos fotógrafos que mais me tem fotografado, e o nosso encontro é surreal. Conheço o Rui Aguiar com ele a enviar-me uma mensagem no Instagram a dizer-me que gostava de me fotografar... E um dia fomos fazer as melhores fotografias que eu tenho na minha vida. Fomos às cinco da manhã, e não nos conhecíamos! Sem make-up e sem cabelos e eu digo-lhe: "Eu tenho 40 anos, não brinques comigo!" Ele só disse: "Confia em mim". "Ok, 'bora lá". E íamos no carro em silêncio e ele diz: "Olha, sou um bocado ditador a fotografar, tenho muito mau feitio e as pessoas fazem aquilo que eu lhes peço, é para saberes." E eu, "ok". (risos) Tinha levado um vestido branco que o Ricardo Preto me tinha emprestado. Parámos, saímos do carro e ao fim de dois minutos ele diz: "Esquece o que te disse e faz o que te apetecer." E estivemos uma manhã inteira a curtir. E agora, às vezes, combinamos, bebemos um chá e vamos desbundar com uma luz que ele gostava de experimentar. Esta produção foi louca, fizemos as fotografias todas numa hora! Foi: Vai! Salta! Faz assim! Vai para o corredor! Agora aqui! Foi mesmo muita giro. Sabes que eu tive a sensação clara de que era amor. Quando o Filipe me diz: "Não, tu mereces isto! E foi uma comoção enorme ter alguém que me disse: "Tu mereces que as pessoas vejam que estás lá, teres esta produção e estares vestida desta maneira". Foi mesmo muito comovente. E ter o filme em Cannes e estreá-lo lá foi extremamente gratificante.
Como é a tua relação com a Moda?
É pouca ou nenhuma... Sou uma apaixonada pelo estético, pelos pequenos detalhes, do sapato ou da mala. Nunca tive muito dinheiro para fazer grandes extravagâncias. Depois conheci o Ricardo Preto através da Cláudia Effe, fiz uma curta com ela e ela é a musa do Ricardo, eu estava a fazer uma peça do Peter Handke, que vinha ver o espetáculo no LEFFEST [Lisbon & Estoril Film Festival], eu é que estava a tratar dos figurinos e não tínhamos quase dinheiro nenhum e eu fui ver umas coisas que o Ricardo desenhava para a MEM: isto é que era! E fui assistir a um desfile e perceber como é feita uma coleção, sempre tive essa curiosidade em mim, de ver a utilização incrível de determinados materiais, por exemplo. E gosto muito de opinar sobre os figurinos. O meu Instagram tem imensos criadores. O Ricardo, na altura, conheceu-me e os "trapinhos" que ele tinha no atelier assentaram-me bem. A primeira vez que entrei numa ModaLisboa foi com o Ricardo, entrei a desfilar! Curiosamente, disse-lhe logo: "Não tenho jeitinho nenhum para desfilar!". Aquilo começava com uma chama e quando a luz se acende oiço uma voz ao meu lado: Isabel Abreu? E era o Filipe Carriço, imagina!
Mas o meu gosto pela Moda vem desse lado estético, o mesmo que nos diz que é bom estarmos aqui na Gulbenkian a conversar debaixo destas árvores. Acredito que as coisas reverberam em nós e têm influência no nosso estar. E temos cada vez melhores criadores portugueses, eu sou mega fã, por exemplo, dos sapatos portugueses!
Ainda continuas a ter aqueles nervos antes de subir ao palco ou de gravar uma cena?
Tenho sempre, acho que não passa e que tende até a piorar com a idade, não sei (risos). Há uma relativização das coisas, cada dia é um dia, cada opinião é uma opinião, cada ser é um ser e é essa aceitação. Fico nervosa quando vou filmar, sim, mesmo com espetáculos que já fiz muitas vezes, e está minimamente controlado, já tens um feedback e não tens uma razão clara para o nervo. Tenho porque sim, o nervo também faz parte de mim, tenho esta ansiedade permanente, e que é quase infantil, pareço que não tenho 44 anos. Embora já saibas algumas coisas, eu tenho sempre a sensação de que regressas a um ponto de partida, ao zero, nunca estou numa base segura.
Créditos
Maquilhagem: José Teixeira com produtos Dior Beauty
Agradecimentos: Hotel Martinez Cannes

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