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Franz Ferdinand: "Se forem uma banda, não tentem fazer-se passar por uma espécie de divindade intocável, mostrem que são humanos"

A banda escocesa apresenta hoje em Lisboa o novo "The Human Fear", um álbum inspirado no medo, mas que pretende ser uma celebração da humanidade, como explicaram à Máxima o vocalista Alex Kapranos e o baixista Bob Hardy.

Foto: Vítor Chi
14 de fevereiro de 2025 às 17:14 Miguel Judas

No universo pop-rock, sete anos é uma eternidade, mas foi esse o tempo que os Franz Ferdinand levaram para editar o novo The Human Fear. Trata-se de um álbum inspirado no medo, que, sem ser negro nem triste, pretende ser uma celebração da humanidade, como explicaram Alex Kapranos e Bob Hardy, na véspera de o apresentarem pela primeira vez ao vivo em Lisboa, no concerto de arranque da digressão europeia.

Corria o ano de 2004 e apesar do rock alternativo já começar a perder o fulgor e a importância de outros tempos, aí estavam os Franz Ferdinand a provar o contrário. Contemporâneos de grupos como White Stripes, The Strokes ou Interpol, o quarteto escocês apresentou-se ao mundo com um álbum homónimo que, à boleia de êxitos como Take me Out, This Fire ou The Dark of the Matinée, tanto funcionava em casa, no leitor de CDs, como na pista de dança e especialmente ao vivo, no modo como sempre conseguiram atear o público logo ao primeiro acorde – fenómeno ainda hoje recorrente nos espetáculos do grupo. Entretanto passaram-se mais de duas décadas e apesar de nunca terem conseguido o tal golpe de asa que superasse a auspiciosa estreia, o modo como sempre sempre conseguiram reinventar-se, sem nunca perderem o azimute da sua música, é só por si um feito assinalável. Já não serão a salvação do rock alternativo, até porque porventura já será um pouco tarde para isso, mas tal pouco importa, tanto para os Franz Ferdinand como para quem há muito esgotou o concerto de hoje à noite na Aula Magna, em Lisboa, que marca o arranque da digressão europeia. Afinal e como o poderão comprovar mais uma vez os fãs portugueses, o palco tem sido desde sempre o habitat natural desta banda, hoje liderada pelo vocalista Alex Kapranos e pelo baixista Bob Harris, os dois sobreviventes da formação original, a quem entretanto se juntou Julian Corrie (teclas, guitarra), Dino Bardot (guitarra) e Audrey Tait (bateria).

Foto: Vítor Chi

Como é que se consegue transformar os medos em boas canções?

Alex Kapranos – Ena, boa pergunta (risos)…

Bob Harris – Na verdade o disco não foi escrito como um álbum conceptual sobre medos. As canções já estavam todas prontas quando escrevemos a última letra, para o tema Hooked, que começa com a frase "I got the fear / I've got the human fear / That's alright". Pouco depois de ter escrito isso, o Alex sugeriu: "E se isto fosse o título de um álbum? E de facto, quando olhámos para trás, para as canções já escritas, percebemos que todas abordavam medos humanos individuais de algum tipo. Por isso, acreditámos que seria uma boa maneira de embrulhar o álbum. Reconheço que se trata de um título um pouco sombrio para um disco bastante leve e enérgico. Mas gosto de pensar no medo humano como um sinal de que estamos vivos. Quer dizer, se passamos pela vida sem sentir qualquer tipo de medo é porque não a vivemos na plenitude, não é?

AK – O que acho interessante é que toda a gente se centra nos medos e nunca nesse lado mais humano. Quando o que é realmente interessante é como esses medos nos fazem descobrir quão humanos todos somos. Ou seja, é através dos mais variados medos que a nossa personalidade verdadeiramente se revela. Todos somos confrontados com esses medos ao longo das nossas vidas, mas reagimos a cada um deles de uma forma particular e individual. No fundo é isso que nos permite descobrir quem realmente somos enquanto indivíduos. Como disse o Bob, o medo torna-nos vivos.

E de facto não é um álbum nada negro, em termos musicais, quero dizer. Pelo contrário, até soa bastante animado ou mesmo alegre…

BH – Não, não é, embora reconheça que, quando as pessoas ouvem o título, possam pensar num tipo de disco muito diferente do que é na realidade.

AK – Mas isso também é bom porque todos nós nos sentimos muito alegres quando conseguimos vencer os medos. Basta pensar em algo tão simples como fazer bungee jump, parapente, para-quedismo, ou algo do género. A euforia que se segue é única.

BH – Nós próprios, enquanto banda, já tivemos em situações assim, quando tocámos num determinado festival ou demos um grande espetáculo, muito importante para nós, que depois de terminados são muito estimulantes, apesar de todos os receios iniciais.

Sentiram algum medo depois do enorme sucesso do vosso álbum de estreia? Olhando hoje para trás, sentem-no como uma bênção ou uma maldição?

AK – Algumas situações que se seguiram foram sem dúvida negativas, mas medos reais creio que não sentimos.

BH – Eu estava tão cansado, exausto e esgotado, depois do primeiro disco, que simplesmente não tinha capacidade para sentir qualquer tipo de emoção (risos).

Ak – Sim, concordo.

BH – Penso que, em última análise, tem sido uma bênção porque nos permitiu continuar a fazer isto e estar aqui, agora.

Como é o vosso processo de criação? Em que momento decidem fazer um novo disco? Já lá vai muito tempo desde o anterior, daí a pergunta…

AK – É verdade, passou muito tempo, mas na realidade é um processo muito básico. Apenas queremos fazer boas canções. Pensar em coisas boas para escrever, depois passar o tempo necessário a arranjá-las até soarem o melhor possível. Aprender a tocá-las enquanto banda, e finalmente ensaiá-las até ficarem perfeitas. E depois gravá-las rapidamente, enquanto ainda estão frescas. Demorámos sete anos a fazer um disco novo, mas gravámo-lo em apenas duas semanas.

Mas há um momento em que param e decidem fazer um disco, ou é um processo mais natural?

AK – Teoricamente, há sete anos a separar os dois últimos álbuns, mas a verdade é que muita coisa aconteceu nesse período. Lançámos uma coletânea de êxitos, que pessoalmente não me entusiasmou muito, mas hoje reconheço ter sido uma boa decisão, a longo prazo. Houve uma pandemia que virou tudo do avesso.

BH – Olhando para trás, parece-me que estamos sempre a trabalhar no próximo disco, há é alturas em que o fazemos de uma forma mais furiosa e urgente que noutras.

AK – Quando está pronto nós sabemos e isso é o mais importante, até porque já fizemos discos à pressa e embora o resultado não seja necessariamente pior, o gozo não é o mesmo. E as pessoas percebem quando os músicos não estão a ter prazer. Por muito sombria que a música seja, as pessoas sabem. Quando ouvimos um tema como Love Will Tear Us Apart, dos Joy Division, sabemos que aquela banda estava a divertir-se a tocar e isso é o que realmente importa. E nessa fase que estou agora, se não estiver bom não entra e se não tivermos material suficiente não fazemos o disco. Às vezes nem é a canção em si, mas o arranjo ou qualquer outro pormenor.

Portanto, o processo de criação também mudou ao longo dos anos.

BH – Na verdade, neste disco voltou a ser como era no início. Passámos por muitos becos sem saída no passado, que nos fizeram perceber que era melhor regressarmos a um processo semelhante ao do primeiro álbum.

AK – Há muitas dinâmicas que acontecem nas bandas, especialmente a nível interpessoal. Nós tínhamos uma fórmula que funcionou muito bem no início, mas depois há sempre a tendência para mudar, porque alguém quer fazer de forma diferente. Por exemplo, o Nick e o Paul gostavam muito de fazer jam sessions em estúdio, mas não é assim que se faz um álbum que, no futuro, todos vamos querer gostar de tocar.

Foto: Vítor Chi

Este é o primeiro disco com os novos membros, o que é que eles trouxeram à banda?

AK – A Audrey trouxe um kit de bateria (risos).

BH – Acima de tudo são pessoas fantásticas, com muito bom gosto musical e um espectro bastante variado. A Audrey gosta de música pop, talvez mais do que qualquer um de nós. O Dino gosta de música progressiva dos anos 70, o Julie gosta de eletrónica e nós gostamos de juntar tudo isto.

AK – Conseguimos ouvir música de qualquer género e concordar com o que é bom e o que não é bom. Tem a ver com o gosto de cada um e é isso que eles trazem para o projeto. E, além disso, sabem tocar muito bem o seu instrumento, mas isso é um dado adquirido para estar numa banda, pelo que, para mim, é a sua perspetiva e o seu gosto que os torna tão especiais e importantes.

BH – Isso e o seu entusiasmo, que é contagiante e também é muito importante. Quando se está a trabalhar num projeto a longo prazo como os Franz Ferdinand, isso pode não ser imediato. O processo de gravação de um disco é muito demorado e muitas vezes é necessário manter o entusiasmo, porque há dias muito maus. A beleza de estar numa banda é que, quando nos sentimos um pouco em baixo, há outra pessoa que está bem nos traz de volta à superfície.

AK – É sem dúvida o caso deste disco. O tema Night or Day, por exemplo, não teria sequer entrado se não fosse o Dino a insistir para voltarmos a essa canção. O que foi muito bom porque já tinha tentado dois ou três arranjos diferentes e não tinha resultado.

O que é para vocês uma boa canção?

AK – Quando se ouve, sabe-se, é tão simples quanto isso.

BH – Quando nos emociona, é só isso que eu quero de uma canção, sentir algo.

AK – Acho que neste disco temos algumas canções muito boas e isso acontece porque tivemos tempo para nos afastar e voltar a elas. As canções estão prontas quando estão, não vale a pena tentar acelerar o processo.

Foto: DR

Ao contrário do que aconteceu quando começaram, há mais de 20 anos, hoje são vocês que servem de referência para muitas bandas. Como é que se sentem nesse papel?

AK – É uma posição fixe, sabes? Continuo a ir a concertos de bandas novas e gosto muito de as ver evoluir e fazer coisas fixes. E quando por vezes falamos tento sempre ter uma palavra de incentivo. É tão simples, basta ser encorajador e não um idiota arrogante e convencido. Se alguém disser que gosta da tua música, não faças pouco caso nem sejas condescendente. E se pedirem conselhos, ofereçam-nos e acima de tudo riam-se com eles. E o mais importante, não tentem fazer-se passar por uma espécie de divindade intocável, mostrem que são apenas humanos.

Alguém vos tratou assim, com condescendência e desdém, quando começaram?

AK – Embora algumas pessoas tenham tentado fazer isso - e não vou dizer quem porque não quero envergonhar ninguém -, prefiro lembrar quem nos tratou bem e encorajou. Lembro-me de conhecer grandes figuras, como o David Bowie ou o Elton John, que eram muito despretensiosos e apenas queriam conversar connosco. Isso é muito, muito fixe para quem está a começar. E é assim que eu também quero ser, o mais terra-a-terra possível, sem estar sempre à procura de qualquer tipo de adulação, porque isso torna-se perverso.

Como é que se sentem ao ver hoje no público pessoas mais novas que o vosso primeiro álbum?

AK – É de facto um pouco louco, isso (risos).

BH – Quando se anda em digressão há 20 anos, acabamos por perceber que os miúdos da frente não envelhecem. Mantêm a mesma idade com o passar dos anos. Ou seja, é como se fossem sempre os mesmos, embora saibamos que não são (risos). Por isso, para mim, é como se nada tivesse mudado.

O que podemos esperar do espetáculo na Aula Magna?

BH – Bem, vai ser o primeiro espetáculo da nossa digressão, portanto vamos estar muito frescos e entusiasmados. Obviamente vamos tocar músicas do novo disco mas também aquelas canções que todos gostam de ouvir.

AK – Sim, vamos apostar muito neste disco, porque se nota quando há uma boa reação e creio que as pessoas querem muito ouvi-lo. E também temos alguns fãs que vão a todos os concertos, por isso também queremos surpreendê-los um pouco.

Foto: Vítor Chi

E vão regressar novamente em agosto, para o Festival Paredes de Coura.

AK – Sim, mas aí vai ser diferente, porque é um festival e esses alinhamentos são muito mais simples. Eu imagino-me na plateia e sei o que gostaria de ouvir de uma banda como nós. As pessoas esperam energia e sentirem-se animadas com o que estamos a fazer.

Sendo os Franz Ferdinand desde há muito presença regular nos palcos portugueses, qual é a vossa recordação mais antiga ou marcante de Portugal?

BH - Em 2004, quando tocámos no festival Sudoeste, os meus pais estavam cá de férias e foram assistir ao concerto. Lembro-me que no final foram ter connosco aos camarins e o meu pai estava chocado com o cheiro a canábis. Ele é um polícia reformado (risos).

AK – A minha memória mais antiga foi quando cá vim a primeira vez dar entrevistas e fiquei muito entusiasmado com a comida e com o facto de ir comer a um restaurante português, um daqueles sítios de peixe da velha guarda, com luzes de néon, adorei. Senti-me, "porra, isto é tão entusiasmante. Não acredito que estou aqui". Mas as minhas melhores recordações são, provavelmente, uns dias que cá passei em 2009. Fui até ao Porto de comboio e adorei. A comida lá também é fantástica. Aluguei uma bicicleta e ia para a Ribeira e ver os pescadores a descarregar as sardinhas. Não sei se ainda está assim, mas na altura havia pouco turismo e ainda era tudo muito verdadeiro, mas também um pouco duro. Foi muito, muito fixe.

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