Histórias de Amor Moderno: “Não te dou uma semana que não estejas a trocar mensagens com ele”
“O ‘estafermo’ é o Miguel, meu ex-namorado. Meu ex-companheiro, ex-amor da minha vida, ex-quase-pai dos filhos que nunca tive.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

[Nota editorial: As Histórias de Amor Moderno estão agora editadas em livro. A sessão oficial de lançamento terá lugar no dia 12 de setembro às 18h30 no auditório da Casa do Comum, no Bairro Alto, em Lisboa. A Máxima, em nome de Maria Olívia Sebastião, garante 10 lugares na plateia aos 10 primeiros leitores que manifestem por e-mail o interesse em estar presente, que serão convidados da autora. Aos interessados basta enviar e-mail para m.oliviasebastiao@gmail.com. Os que não conseguirem estar nesta lista, serão bem vindos na mesma, na sessão e no cocktail]
Conta-me tudo, amiga, "quero os detalhes todos: como é que estão os meus pombinhos?" A Teresa sempre foi assim, muito intensa, como se se espalhasse por todo o lado à nossa volta e fosse feita de confétis, serpentinas e purpurinas. Onde quer que estejamos, é assim a Teresa. Fala muito alto, é muito indiscreta. A alegria de viver que traz com ela transborda de várias formas. A Teresa é a minha melhor amiga.

Estamos no café, cheguei de viagem na véspera. Uma viagem de trabalho, nada de especial. Estive três dias em Maiorca a experimentar um hotel e restaurantes para escrever sobre eles num daqueles guias que a imprensa costuma publicar, normalmente com títulos como "descubra os segredos mais bem guardados de um sítio qualquer". É raro desvendar segredos, já muita pouca coisa é secreta nos lugares que normalmente nos mandam visitar. Em todo o caso, que graça teria revelar os segredos locais e expô-los assim, para toda a gente ler? A beleza de uma viagem é o que ela tem para se descobrir.
Como estive longe durante três dias e não nos víamos possivelmente há quatro, a Teresa precisa de saber tudo e se tudo está bem. Como foi o regresso a casa e aos braços do meu novo amor, o Tiago, que ela adora. "Como é que haveria de estar tudo, Teresa? Só estive fora três dias, o que é que podia ter mudado em tão pouco tempo?" A Teresa tem medo que alguma coisa mude, porque acha que o Tiago foi a melhor coisa que me aconteceu na vida, sobretudo desde que "aquele estafermo" - a definição é dela - me deixou. O "estafermo" é o Miguel, meu ex-namorado. Meu ex-companheiro, ex-amor da minha vida, ex-quase-pai dos filhos que nunca tive, ex-quase marido que nunca quis ser porque "isso são só papéis e convenções".
Quando o Miguel teve a conversa comigo - "não estou feliz, Catarina, e se eu não for feliz, não consigo fazer-te feliz, Catarina, compreende, eu penso no futuro, olho para o futuro, Catarina, mesmo que só na minha cabeça, e não nos vejo juntos, Catarina, acho que não fazemos mais sentido juntos, desculpa, Catarina, não te queria magoar, nunca te quis magoar, Catarina, tu foste o meu amor, eu tenho sentimentos por ti, Catarina, tantos sentimentos, só que não são aqueles sentimentos, tu sabes Catarina, aqueles que nos fazem querer ter filhos, e casar, e ser felizes para sempre" - fiquei de rastos. Um farrapo. Não estava à espera. Sabia que não estávamos no nosso auge, a nossa vida amorosa não fervilhava como outrora, mas acreditei que fosse apenas uma fase de sossego, de acalmia, de amadurecimento. Afinal de contas, estávamos juntos há muitos anos. A decisão do Miguel, com toda a sua surpresa, deixou-me muito desorientada. Desorganizou-me os pensamentos, os sentimentos e, acima de tudo, o meu conceito de vida, porque deixou de ser a dois, deixou de ser um plano com um futuro no horizonte para se tornar numa aventura de improviso forçado, no escuro, sem saber o que esperar de cada dia. "Um dia de cada vez", repetia-me a Teresa enquanto eu lhe gastava os lenços de papel, depois os guardanapos, por fim o papel higiénico a enxugar lágrimas que nunca mais paravam, e a assoar-me até o nariz, vermelho de tão magoado, já não suportar mais o toque do papel.

"Um dia de cada vez." E um dia, quando o meu nariz já estava recomposto e pronto para se assoar de novo, apareceu o Tiago. Um rapaz airoso, um bon vivant, um galã. "Um jogador", dir-me-ia a minha mãe logo após a única vez em que o viu, "um player, cuidado com ele". Ainda não tive tempo para descobrir se a minha mãe se engana ou se está certa, como estão tantas vezes as mães. Eu acho que ela gostava demasiado do Miguel e tinha esperança de que um dia reatássemos. O surgimento do Tiago foi um golpe duro nas suas aspirações e, embora nos tivéssemos conhecido há apenas dois meses, a minha mãe abdicara da esperança de me ver de novo com o Miguel. "Assim, sofro menos", disse-me, desgostosa, atirando a toalha ao chão.
Com a Teresa sucede o oposto. Toda ela é entusiasmo em relação ao Tiago. Adora que ele seja meio desavergonhado, que tenha aquele à-vontade próprio das pessoas que são cheias de confiança, mas sem serem demasiado cheias de si. Um dos segredos do encanto do Tiago é o seu espantoso equilíbrio. Aventureiro, extravagante, confiante, destemido, conversador, divertido, festivo, mas ao mesmo tempo sereno, ponderado. "Além disso", contei eu à Teresa logo ao início, "é espetacular". "Espetacular em quê?" "Oh… espectacular. Tu sabes bem do que estou a falar." "Ah! Esse espetacular!" "Esse mesmo. O mais espetacular que alguma vez tive." Desde o dia em que lhe contei, sabe-se lá porquê, que o Tiago possui essa extraordinária faceta, a Teresa quer sempre saber mais, como estão as coisas, o que fizemos. E eu conto-lhe das nossas pequenas aventuras, das viagens imprevistas, dos jantares exóticos, das festas extravagantes, dos eventos inesperados.
"E a viagem, como correu?" A viagem correu muitíssimo bem. O que é que pode correr mal quando o teu trabalho é, durante três dias, levar massagens, testar Spas, banhar-te em piscinas interiores, em jacuzzis, conhecer restaurantes, praias, paisagens belas, sem teres de te preocupar com mais nada? És só tu num grupo de jornalistas, todos a gozar os melhores prazeres da vida por imperativo profissional. Não se consegue muito melhor do que isto. "Ah, e conheci um tipo."

A frase fica assim, no ar, em suspenso. A Teresa, a faladora implacável Teresa, a inesgotavelmente curiosa Teresa, franze a testa e não diz palavra nem não olha para mim. Mexe o chá e leva a colher à boca antes de a pousar no pires, fazendo-a tilintar. Depois, apoia o cotovelo na mesa, leva a mão à boca num gesto dramaticamente pensativo e faz "hum". E eu: "Francisco. Chama-se Francisco. É só um tipo que também foi na viagem. Não aconteceu nada."
Eu sou feliz com o Tiago. Mesmo feliz. A vida diverte-me de novo, acordo com entusiasmo, quer esteja ou não deitada a seu lado. Surpreendeu-me e arrebatou-me conhecer alguém como ele, assim, com esta frescura, esta vitalidade, este encanto. Um homem um pouco mais velho do que eu, com as suas marcas da vida, tal como eu, mas sem medo das cicatrizes nem do dia de amanhã, porque "o passado é uma coisa e a vida é outra coisa", como ele diz, "e há que lhe dar atenção e não deixar que a cabeça fique a olhar para trás e a reviver memórias". Ámen.
Nem sei por que motivo mencionei o Francisco e o facto de o ter conhecido. Éramos sete jornalistas na comitiva, mais duas pessoas da agência promotora. Nove pessoas no total. Sim, é verdade que me sintonizei com o Francisco com alguma naturalidade. Houve alguns acasos curiosos, calhámos ficar frente a frente logo no primeiro almoço. E fizemos um pedido igual, de comida e de bebida, uma coincidência. E naturalmente achámos graça, e começámos a conversar. E sim, noutra ocasião deixámo-nos atrasar em relação ao grupo, mas apenas porque estávamos a observar e a comentar coisas mais interessantes do que aquilo que a chata da guia ia impingindo à excursão. É normal. Tal como é normal que, na última noite, depois de termos experimentado todas as massagens, estivéssemos os nove à mesa e eu e o Francisco começássemos a avaliar, diante de todos, o potencial erótico e de excitação de uma massagem com água, em que nos mexem nas coxas - e todos os outros começaram a desligar-se da conversa e a falar entre eles, e nós continuámos o nosso assunto, e rimo-nos, porque é impossível não nos rirmos quando alguém diz exatamente aquilo que pensamos, no momento em que o pensamos, e o faz com graça e com rasgo, e consegue ser elegante mesmo quando o assunto é perigosamente indecoroso e indiscreto. Não vejo qual é o mal, nem acho que não seja normal. As pessoas dão-se bem, é só isso, pronto, não há mais nada para explicar, não há mais nada para saber aqui.

"Teresa, eu não lhe pedi sequer o número de telefone, ok? Para com isso." "Amiga, quem é que pede números de telefone, hoje em dia? Vais-me dizer que não se começaram a seguir um ao outro no Instagram?" Não respondo. "Diz. Diz lá. Não dizes. É claro que começaram." Continuo em silêncio, encolho os ombros. "Não te dou uma semana que não estejas a trocar mensagens com ele."
Despeço-me da Teresa, "tenho mesmo de ir andando, querida", dois beijinhos, muah-muah, "deixa estar que eu pago", diz ela, "a próxima pagas tu", está bem, claro que sim, obrigada, vou andando. Falamos amanhã. E lá vou eu, vamos para casa, Catarina. Está tudo bem, tudo normal. Tu és feliz, és uma sortuda, tens um novo amor, um homem que é doido por ti. Deixa lá isso, amiga. Desliga a cabeça. Tudo é normal. Deixa que tudo seja normal. *Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado.

Record implementa medidas contra preconceitos e ódios nas redes
Na segunda edição da 'Gala das Campeãs Record BPI', Bernardo Ribeiro, Diretor do Record, abriu a sessão com um discurso comovente, demonstrando que o apoio que o jornal dará às mulheres será reforçado com três medidas essenciais, e que que será um trabalho prolongado.