Dia Internacional do Migrante: que espaço têm os imigrantes na indústria criativa portuguesa?
Portugal tornou-se casa para uma nova geração de talentos globais. Fotógrafos, stylists, designers e modelos refletem sobre carreira, pertença e o equilíbrio entre ambição e saudade.
José Pereira, fotógrafo
De onde vens e o que te trouxe até Portugal?
Sou natural de Curaçao, mas fui criado na Venezuela. O que me trouxe a Portugal foram os meus laços de sangue.
Ser imigrante abriu-te portas ou criou mais desafios?
Definitivamente abriu-me portas, especialmente se tivermos em conta o contexto da Venezuela: um país em ditadura onde as oportunidades são escassas.
Que diferenças sentes entre trabalhar na tua área aqui e no teu país de origem?
A possibilidade de evolução. Em Portugal preocupo-me em que mercado o meu trabalho iria dar-me mais retorno. Na Venezuela teria que pensar em como proteger a minha integridade física para realizar algo, devido à criminalidade na altura.
De que forma a tua cultura influencia a forma como crias?
A forma de comunicar e de entender uma realidade. Existem questões assumidas na sociedade portuguesa que na latina são tabus, especialmente no que toca a diversidade sexual e questões de género.
O teu trabalho criativo ajudou-te a encontrar a tua voz num novo país? Através dele podes expressar identidade e pertença?
Totalmente. Ter a liberdade de criar e expressar-me fez florescer a minha criatividade. Encontrei a minha voz, mas sinto que a minha identidade é mais “portuguesa” do que sul-americana.
Que conselho darias a outras pessoas que queiram trabalhar na área criativa em Portugal?
O conselho que posso oferecer é que devem aproveitar todos os recursos que Portugal oferece, que podem parecer poucos no contexto Europeu/Americano, mas são muitos a nível global.
Luiza Potyr, set designer e produtora
De onde vens e o que te trouxe até Portugal?
Sou de Brasília, Brasil, vim para Portugal através do meu trabalho e vontade de explorar o mundo.
Ser imigrante abriu-te portas ou criou mais desafios?
Sim, claro. Antes de me mudar de país, tinha já mudado de cidade dentro do próprio Brasil. Morei alguns anos no Rio de Janeiro e desde então aprendi que a mudança de ambiente tinha um papel importante na nossa formação pessoal. Seja abrindo portas ou criando desafios, sempre um aprendizado. Acredito que a mudança cultural de fato carregue mais desafios.
Que diferenças sentes entre trabalhar na tua área aqui e no teu país de origem?
O Brasil é um país que produz e consume muito a sua própria cultura, isso torna a criação lá muito mais prazerosa, porque a aceitação normalmente é alta. Parece que você vai sempre ter algum público que genuinamente te entende, sabe? Dentre esse e vários outros fatores, o Brasil é um país muito mais antenado em vários quesitos, enquanto cultura principalmente.
De que forma a tua cultura influencia a forma como crias?
De todas as formas. Minha cultura me moldou 100% e quanto mais tempo passo longe da minha cultura, mais me sinto pertencente a ela.
O teu trabalho criativo ajudou-te a encontrar a tua voz num novo país? Através dele podes expressar identidade e pertença?
Com certeza meu trabalho criativo me ajudou a conquistar visibilidade e me trouxe conhecimento sobre vários outros países, não só Portugal.
Que conselho darias a outras pessoas que queiram trabalhar na área criativa em Portugal?
Sinceramente, Portugal tem se tornado um lugar não muito agradável de se trabalhar e/ou pertencer como criativo e imigrante. Não tenho muitos conselhos positivos para dar no momento. Como dizem, ”a parte boa é que está na Europa”.
Nicolae Negura, ilustrador
De onde vens e o que te trouxe até Portugal?
Venho da Roménia e, na altura em que decidi mudar-me para cá, estava a começar uma vida mais “séria” de estúdio como designer. Percebi rapidamente que isso não era para mim e acabei por encontrar um programa de voluntariado em Portugal, onde fui logo aceite numa área ligada às artes e à literatura.
Ser imigrante abriu-te portas ou criou mais desafios?
As duas coisas, mas sobretudo mais desafios. Acho que houve alguma curiosidade e algumas portas abertas pelo que eu podia trazer de novo. No entanto, em certas áreas, havia sempre uma prioridade para criativos portugueses. Muitas vezes isso fazia sentido, seja por questões legais que os estrangeiros não conseguiam contornar, seja pelas subtilezas da cultura que no começo não são tão evidentes para os estrangeiros.
Que diferenças sentes entre trabalhar na tua área aqui e no teu país de origem?
Sempre senti que aqui posso ser mais aquilo que realmente quero ser nesta indústria do que no meu país de origem. Depois de um período de desafios, notei que houve sempre interesse, por parte de quem me contratou, pela minha sensibilidade enquanto artista e enquanto pessoa. No meu país, senti-me mais vezes visto apenas como uma ferramenta criativa.
De que forma a tua cultura influencia a forma como crias?
Não sei bem. De vez em quando ouço comentários como “o teu trabalho é diferente” ou “o teu trabalho não parece ser daqui”. Ao pensar nisso, percebo que são muitas pequenas coisas que formam a minha identidade, e a minha cultura romena faz parte desse conjunto.
O teu trabalho criativo ajudou-te a encontrar a tua voz num novo país? Através dele podes expressar identidade e pertença?
Sim. Acho que desenvolvi a maior parte do meu trabalho aqui. O meu traço e o meu estilo cresceram e tornaram-se algo mais definido e maduro, que neste momento expressa a minha identidade de forma mais clara.
Que conselho darias a outras pessoas que queiram trabalhar na área criativa em Portugal?
Que tenham paciência e que procurem a sua própria identidade na forma como se expressam. No fundo, é isso que faz com que sejam ouvidos e valorizados. Estar alinhado consigo próprio é mais importante do que tentar encaixar em modelos ou expectativas externas.
Zichao Ye, modelo
De onde vens e o que te trouxe até Portugal?
Sou natural da China e vim para cá com os meus pais aos 9 anos.
Ser imigrante abriu-te portas ou criou mais desafios?
É um pouco ambíguo. Hoje em dia o ser emigrante até parece algo pejorativo, mas lembro-me nos meus primeiros anos cá, como criança, ter amado vir para Portugal. Sendo modelo, e principalmente um modelo asiático na Europa, é sempre vantajoso, por isso eu diria que abriu mais portas que desafios.
Que diferenças sentes entre trabalhar na tua área aqui e no teu país de origem?
Se estivesse na China sem dúvida não teria tido tantas oportunidades como cá. Talvez se calhar nunca teria começado a carreira de modelo sequer. Seria só mais um.
De que forma a tua cultura influencia a forma como crias?
Uso bastante as redes sociais “próprias” chinesas, então muitas das tendências que surgem lá por vezes tento copiar e recriar, especialmente em termos de roupa. Acho que tem influências também na maneira como penso e faço determinadas coisas.
O teu trabalho criativo ajudou-te a encontrar a tua voz num novo país? Através dele podes expressar identidade e pertença?
Toda a inclusividade que se fala na área da moda vem de precisarmos de representatividade na sociedade, então acho que quando faço trabalhos estou a representar um grupo de pessoas que também devem ser vistas.
Que conselho darias a outras pessoas que queiram trabalhar na área criativa em Portugal?
Acho Portugal um país rico culturalmente e por isso pode ser bom para desenvolver trabalhos criativos.
Larissa Marinho, stylist
De onde vens e o que te trouxe até Portugal?
Sou de Brasília, Brasil, e vim para fazer um mestrado.
Ser imigrante abriu-te portas ou criou mais desafios?
Eu acho que os dois. Por um lado, abriu portas, pois o facto de não me conhecerem e não ter conexão com ninguém fez com que não tivesse preconceito com a escola onde estudei, por exemplo, ou ser mais amiga deste ou daquele. Por outro lado, acho que o facto de ser imigrante tornou tudo mais difícil, pois não tinha as mesmas condições que as outras pessoas que tinham família e uma base de apoio em Portugal. Estar sozinha foi desafiador, mas também me fez crescer bastante como ser humano.
De que forma a tua cultura influencia a forma como crias?
Influencia na maneira de pensar, de ver o mundo. Nas referências que tenho para abordar um trabalho.
O teu trabalho criativo ajudou-te a encontrar a tua voz num novo país? Através dele podes expressar identidade e pertença?
Ajudou sim. Através do meu trabalho e das minhas referências que agora são muitas, visto que pertenço a dois lugares e ao mesmo tempo a nenhum. Consigo expressar o que faz sentido para mim nesse momento. Aprendi muita coisa.
Que conselho darias a outras pessoas que queiram trabalhar na área criativa em Portugal?
Diria o que sempre digo. Que há espaço para todo mundo e que a nossa história/experiência é individual. A moda não é uma área fácil em lugar nenhum do mundo, e em Portugal há ainda muito espaço para melhorar, mas acredito que há cada vez mais oportunidades para crescer. Portugal tem recebido muitos estrangeiros de todos os lugares e há mais gente a ter contato com nosso trabalho.
Andy Dyo, maquilhador e fotógrafo
De onde vens e o que te trouxe até Portugal?
Antes de vir para Portugal vivi em São Petersburgo, lá fiz a minha carreira, cheguei ao “teto” e ao desejo de mudar a minha vida drasticamente. Uma amiga minha já tinha emigrado para Portugal poucos anos antes e, com a ajuda dela, consegui um fresh start cá.
Ser imigrante abriu-te portas ou criou mais desafios?
Há pessoas que acreditam que as melhoras ideias e profissionais são de fora. Na fase inicial isto pode ajudar, enquanto há aquela aura de novidade. Mas quando te tornas um 'local', a magia desaparece e começa a parte do desafio. Ficas mais um 'na fila do pão', com poucos contactos sociais e um português torto que demora uma eternidade para aprender.
Que diferenças sentes entre trabalhar na tua área aqui e no teu país de origem?
Os meus colegas de cá são muito simpáticos. É raro ver confrontos, todos são respeitosos e calmos. O ambiente de trabalho na Rússia é mais agressivo e competitivo. Por um lado, o mercado lá é muito mais dinâmico, novas pessoas entram, há mais oportunidades, mas é preciso mexer muito mais para continuar no mesmo lugar. Cá é muito difícil entrar no mercado, mas depois de conseguir é mais fácil manter a posição.
De que forma a tua cultura influencia a forma como crias?
Eu ainda tenho aquela abordagem quase militar aos meus processos. Que às vezes serve-me, mas eu gostava de saber desligar esta parte e só poder existir apenas. É uma qualidade que muitos Portuguese têm e eu espero obter um dia.
O teu trabalho criativo ajudou-te a encontrar a tua voz num novo país? Através dele podes expressar identidade e pertença?
A nossa voz literalmente muda em cada nova língua que falamos, no novo lugar ganhamos outra camada de personalidade. O meu trabalho fala sobre beleza, sexualidade e solidão se calhar, é difícil para mim dizer se tem algo russo ou português nele. Deixo isto ao critério do espectador.
Que conselho darias a outras pessoas que queiram trabalhar na área criativa em Portugal?
Encontrar uma forma alternativa de se sustentar, seja outro trabalho, ajuda da família ou sugar daddy. E juntar a paciência, que vai precisar de muita. Depois como dizia a Paula Rego, "não desistes, não desistes, não desistes".
Myro, videógrafa
De onde vens e o que te trouxe até Portugal?
Sou da Ucrânia. Os motivos para ter vindo para Portugal foram a invasão em grande escala e o facto de estar grávida. Vim à procura de um sítio onde ficar. Há burocracia, mas mesmo assim diria que foi muito mais fácil e agradável do que noutros países.
Que diferenças sentes entre trabalhar na tua área aqui e no teu país de origem?
Estou a trabalhar em cinema e diria que é muito mais difícil aqui em Portugal do que na Ucrânia, porque tudo se baseia na reputação que construímos num país e agora temos de a construir novamente. É também bastante desafiante trabalhar na cultura aqui, porque ainda não existe uma situação fácil para os trabalhadores culturais portugueses. Por tudo isso, é um pouco difícil para os artistas estrangeiros estabelecerem-se aqui.
De que forma a tua cultura influencia a forma como crias?
Acho que tenho ainda algum distanciamento da cultura portuguesa, mas a migração influenciou o meu trabalho e condicionou a forma como crio. Estou aqui sozinha e tive de aprender a fazer mais projetos, mas mais pequenos e não tão ambiciosos.
O teu trabalho criativo ajudou-te a encontrar a tua voz num novo país? Através dele podes expressar identidade e pertença?
Eu diria que sendo uma jovem mãe, ainda não consegui desenvolver a minha voz criativa neste novo país. Sinto-me livre para me exprimir, mas a falta de apoio financeiro é um problema. Sinto-me com sorte por estar rodeada de pessoas tão simpáticas que me dão algum sentimento de pertença-
Que conselho darias a outras pessoas que queiram trabalhar na área criativa em Portugal?
Diria para procurarem outros projetos em diferentes países se quiserem ficar em Portugal e ser artistas. É uma piada, claro. Acho que o pode melhorar a situação para todos é saber a língua, porque isso não se consegue encontrar lugar no campo criativo em Portugal.
Diria também - não pela minha experiência pessoal, mas pela visão geral - que é melhor não tirar o lugar aos artistas portugueses. A cultura aqui precisa realmente de apoio, os artistas locais precisam de apoio e, neste momento, sinto que tenho muito mais oportunidades porque posso cooperar internacionalmente com os meus colegas.
Não procuro em Portugal. Eu procuro noutro lado. Portanto, esta é a minha verdade.
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