Dating em Lisboa. “Não iniciámos um encontro amoroso, entrámos numa espécie de campo de batalha”

"Viver em Lisboa é tão overrated. Eu adoro viver na Margem Sul". Ele não sabia, não tinha como saber, mas existem frases que não entram nem no léxico, nem na mente, nem no estilo de vida de Maria Pestana. Estas eram duas delas, cada uma delas me deixou mais arrepiada do que a outra, mas o pobre coitado não tinha como saber que debaixo da farda que visto diariamente existem outras, a de cronista sob pseudónimo e a de apaixonada por Lisboa?
Cheguei ao café onde havia combinado encontrar-me com esta pessoa a tempo e horas. Ele trabalhava remotamente para uma startup de tecnologia e apesar de, por norma, não me identificar com esse tipo de homens, pois tendemos a ter poucos interesses em comum – sou um zero à esquerda a matemática e tecnologia -, lá aceitei o convite. Sentei-me à mesa e pedi um café, enquanto esperava por ele. Sabia que morava em Almada, por isso, poderia atrasar-se. Chegou sensivelmente vinte minutos depois, e foi simpático o suficiente para me avisar por mensagem. "Desculpa a demora, não conseguia encontrar lugar para deixar o carro. Esta cidade é horrível", disse ele, tentando quebrar o gelo, assim que chegou. "Eu não conduzo", respondi. Não é preciso conduzir para viver no centro da cidade. Por isso, com o passar dos anos tornei-me numa dessas pessoas preguiçosas ou inteligentes que não pega num carro, anda de transportes públicos ou à boleia. "Não conduzes? Então, mas não tens carro?". Parecia um sacrilégio. Como é possível que alguém viva sem ter uma viatura própria em pleno ano de 2025. "Não, não tenho. Não preciso".

A partir daí, não iniciámos um encontro com perspetivas amorosas, nem tão pouco amigáveis, entrámos numa espécie de campo de batalha com o arremesso de comentários ríspidos de parte a parte. Ele mencionava algo e eu menosprezava. Eu dizia algo e ele contradizia. E eu, que me tenho sentado à mesa nos últimos meses para expor muitas das minhas frustrações e desencantos com Lisboa vi, inesperadamente, renascer a paixão que desde sempre me assolou. Achei que este fenómeno apenas ocorria com ex-namorados, naquela fase em que após a raiva começamos a ter saudades dos momentos bons e voltamos a ver tudo em tons cor-de-rosa. A nossa sensata amiga recorda-nos acerca dos defeitos ou dos episódios que levaram à rutura e nós reagimos com unhas e dentes, defendendo o pobre sacana que nos traiu no Lux, porque estava bêbedo e foi genuinamente honesto quando se desculpou. Os defeitos evaporam-se, as críticas somem-se, quando falamos de amor tudo se perdoa. Pelo menos, até ao próximo arrufo.
Escrevo esta crónica há dois anos, e desde o começo que comparo a minha vida amorosa à crise imobiliária que assola Lisboa, numa série de textos que abordam a vida romântica de uma miúda na casa dos trinta anos, que vive na capital. Poderia uma crónica chamada "Dating no Barreiro" gerar o mesmo interesse junto dos leitores? Agora que o escrevi, percebi que sim. Afinal, quem não ficaria desejoso por saber como uma jovem desempoeirada pode encontrar o amor numa localização tão inusitada - agora também trendy - como o Barreiro? Mas, regressando ao que importa, há dois anos que escrevo sobre como os relacionamentos são cada vez mais precários e temporários. A procura por uma casa estável e acessível tornou-se tão difícil quanto a procura por uma relação estável e comprometida. E acreditem, quando cheguei a esta cidade, há quase duas décadas, era um poço de esperança e diversão. Mesmo assim, vários anos depois, muitas desilusões ultrapassadas, vários colegas de casa indesejáveis, namorados menos bons e dates incontáveis, posso olhar-me no espelho e começar a observar as primeiras rugas nos olhos, mas continuo absolutamente encantada por Lisboa.
Apesar de todas as dificuldades, e de alguns momentos de saturação, nada me dá mais prazer do que chegar ao fim da semana, olhar para o meu diário e assinalar a quantidade de coisas que fiz e que puderam acrescentar aos meus dias: aulas de ioga, idas à natação, participação em Clubes de Leitura, exibição de filmes antigos, exposições gratuitas, tudo isto a decorrer durante a semana, não existindo diferença entre os dias. Obviamente, quem me lê, e o meu querido date, concordariam que não é preciso viver em Lisboa para fazer todas estas coisas e mais algumas, viver uma vida preenchida e ser, na generalidade, feliz. A todas essas pessoas eu tendo a responder com um sorriso amarelo e ignoro o conselho, pois não consigo conceber a ideia de deixar a minha adorada cidade, caminhar pelas ruas a pé, observar as fachadas dos edifícios, colecionar fotografias dos azulejos, sentir a presença do rio sempre ao fundo, e tantas outras coisas que alegram os meus dias. Ver as roupas estendidas ao sol, as esplanadas cheias de pessoas a tomar a bica pela manhã, milhares de pessoas a descer a Avenida Almirante Reis na luta pelos direitos humanos. Sim, somos também uma comunidade multicultural e é essa diversidade que nos oferece uma cidade vibrante. Pensando bem, é como qualquer outra relação, cheia de altos e baixos, de aspetos positivos e coisas menos boas.

Este encontro acabou por não cumprir com o seu propósito, não fiquei mais perto de conhecer o homem por quem haveria de me enamorar, mas trouxe-me uma nova perspetiva. Recordou-me que Lisboa, apesar de todas as dificuldades, ainda é uma cidade que me faz sentir viva, me proporciona histórias e encontros únicos. A crise habitacional é real, como os problemas com a recolha de lixo, a falta de estacionamento, e tantas outras questões, mas não definem completamente a experiência de vida aqui. Entre rendas altas, polémicas à parte e corações partidos, Lisboa permanece como o meu grande amor. E é aqui que gostaria de viver o meu outro grande amor, assim que tenha oportunidade de o conhecer. Às vezes, pergunto-me se não o terei já conhecido, se não precisaria apenas de mudar as lentes dos meus óculos, olhar para ele de outra forma, tal como fiz nesse dia em relação à vida nesta cidade. Talvez um dia venha a ter a minha resposta; até lá, vou-me apaixonando pela cidade. "Viver em Lisboa não é overrated. E mais te digo: eu nem morta sairei daqui, mas espero que sejas muito feliz do outro lado do rio!", respondi para arrumar o encontro. Avancei para as despedidas, e fui-me embora. Enquanto caminhava até ao metro pensei que só espero não vir a morder a língua. Sei lá o que a vida tem reservado para mim e para onde é que me poderá levar.
