Dating em Lisboa. “Gosta de sexo em grupo? Já fez sexo no trabalho? Alguma vez fez uma sex tape?”
Folheando um jornal deparei-me com uma notícia sobre um novo livro de BD inspirado nos anúncios de cariz sexual publicados atualmente nos jornais impressos. Sim, as pessoas ainda fazem isso. Chama-se Sexopatia, da autoria de Marcos Trindade, heterónimo de Tiago Manuel. Achei a premissa bastante curiosa. Não raras vezes, no meu local de trabalho, reunimo-nos para o café e lemos esses mesmos anúncios sexuais nas páginas dos classificados, rindo bastante com algumas das descrições mais caricatas. Há sempre uma peludinha gostosa, uma morena safada e quem se disponibiliza para realizar sexo anal pela primeira vez. Às vezes, encontram-se homens solitários, que procuram mulheres com quem se possam corresponder, senhoras sérias para amizades sérias. Pergunto-me sempre se serão correspondidos.
Pensei na emblemática canção de Holmes Rupert, Escape (The Piña Colada Song), na qual ele canta precisamente sobre um anúncio que leu num jornal – sendo que este nada tinha de sexual, na verdade, era bastante bonito. Dizia assim: If you like piña coladas and gettin' caught in the rain. If you're not into yoga. If you have half a brain. If you like makin' love at midnight in the dunes on the cape. Then I'm the love that you've looked for. Write to me and escape. Ele escreve-lhe, encontram-se e acaba por descobrir que a pessoa que publicou o anúncio com a qual se deparou no jornal era a sua "velha" esposa. Nesse encontro, voltam a redescobrir-se, e o amor prevalece. Viveram felizes para sempre, mesmo que depois de alguns desencontros, julgamos nós, também felizes, e continuamos a trautear a canção.

Nesta lógica de pensamento ocorreu-me que, em 1944, Agustina, que haveria de ser Bessa-Luís, com apenas 22 anos, publicou um anúncio num jornal que declarava apenas o seguinte: "Jovem instruída deseja corresponder-se com pessoa inteligente e culta." Cerca de 30 pessoas haveriam de responder-lhe, dessas 30 Agustina selecionou cinco para se corresponder e acabou por casar-se com um deles, Alberto Luís, estudante de Direito em Coimbra. Esta história haveria até de inspirar Joana Bértholo na escrita de Augusta B. Ou as jovens instruídas 80 anos depois. Confesso que ainda não o li, mas lá chegarei. Pela sinopse, percebi que nesta época em que vivemos, de encontros fugazes e virtuais, uma jovem decide seguir o exemplo de Agustina e voltar a publicar um anúncio num jornal. Aposto que corre tudo mal. Se fosse eu a escrever haveria de correr tudo pelo pior.
Eu não fiz tal coisa, pelo menos, por enquanto. Talvez o venha a fazer um dia, por graça ou curiosidade, mas não, ainda não inseri nenhum anúncio num jornal. O que haveria de escrever se o fizesse? O que procuro eu? "Miúda desempoeirada procura homem disponível para amar e para se comprometer com esse amor através de uma relação monogâmica, segura e honesta. Dá-se preferência a morenos de olhos verdes". Com tantos caracteres haveria de me sair caro, mas seria eu correspondida? Encontraria eu o amor?
Numa noite destas estava em casa, peguei numa cerveja e decidi corresponder-me ao modo do século XXI. Instalei uma nova app sobre a qual me tinham falado: Quycky, nome sugestivo, sem margem para dúvidas, vai meter sexo. "Uma app de dating que foge ao tradicional e acrescenta uma camada à utilização: através de uma lógica de gaming instantâneo, os utilizadores podem começar a 'jogar' depois de dois simples passos de inscrição na plataforma. Basta escolher o nome a apresentar na aplicação e avaliar, numa escala de 0º C a 100º C, quão sexy o utilizador está a sentir-se. O resto fica ao critério da imaginação de cada 'jogador'", li, online. Percebi que a ideia passava por responder a perguntas sexuais, como se de um quiz se tratasse, e a partir das respostas que desse faria match com outros jogadores com os quais teria uma suposta afinidade sexual. "Então, e o resto?", pensei.

Dei um gole na minha cerveja e comecei a jogar. Gosta de sexo em grupo? Já fez sexo no trabalho? Alguma vez fez uma sex tape? Gosta de cheirar sovacos? Sexo com amor é ok? Gosta de tomar a iniciativa? Engole ou cospe? A aplicação está em inglês, por isso, tomei a liberdade de traduzir algumas das perguntas de forma livre. Quando cheguei a esta última questão decidi parar. Engole ou cospe? Senti-me mais perto daqueles anúncios de cariz sexual dos quais me rio, nos classificados do jornal, do que de encontrar o amor ou qualquer espécie de relação genuína, como a Agustina ou o Rupert.
Respondi a perguntas semelhantes durante praticamente meia hora, talvez quarenta minutos. Algumas delas repetiam-se, o que se tornava maçador. Quantas vezes temos de dizer que não, nunca fizemos sexo no nosso local de trabalho? Os perfis e as respostas dos outros utilizadores nada me diziam. Tudo era completamente informal, frio, automático, distante. E aborrecido. Extremamente aborrecido. Perguntei-me até se alguns dos perfis não seriam criados por IA. Não senti a drive de me estar a conectar realmente com outra pessoa, mas ganhei 10 euros para usufruir na sex shop da aplicação. "Além das 'amizades bem coloridas', os melhores jogadores são premiados com vouchers para a loja online da Quycky, onde podem materializar os seus desejos com brinquedos sexuais e produtos de cuidado sexual", dizem-nos. Afinal, o que pretendem com a utilização da aplicação é vender brinquedos sexuais. E, bom, temos de admitir que um estimulador clitoriano com pequenos "bracinhos" que o seguram no sítio sem precisar de qualquer outro tipo de apoio é bastante inteligente.
Sai da app. Bebi mais um gole da minha cerveja. Lembrei-me que se alguma vez chegasse a pôr um anúncio num jornal precisava de acrescentar uma parte sobre a qual nunca tinha sequer pensado: "Miúda desempoeirada procura homem disponível para amar e para se comprometer com esse amor através de uma relação monogâmica, segura e honesta. Dá-se preferência a morenos de olhos verdes. Apenas se aceitam pessoas reais".
