Como ‘desligar’ os mais pequenos da tecnologia
As crianças usam-nas, os adolescentes usam-nas e até os pais usam as novas tecnologias. Num mundo cada vez mais digital, os miúdos passam horas ‘agarrados’ aos ecrãs. Os riscos existem e é para os evitar que ficam os conselhos de uma psicóloga especialista em adição à Internet.

"Toda a gente tem!" A frase é familiar, talvez até familiar de mais. São muitos os pais que a conhecem, repetida que é, em forma de lamento, vezes sem conta pelos filhos, que com ela argumentam perante a recusa parental em que acedam às mais recentes tecnologias. Um acesso que começa cada vez mais cedo, com os tablets, os smartphones, os computadores, as consolas e por aí fora. Há quem o critique, quem argumente que os riscos são superiores a um qualquer benefício, quem 'compre' uma guerra com as crianças por isso mesmo. Ainda recentemente Bill Gates confirmava ser um dos que se opõe ao uso das tecnologias pelos mais pequenos, pelo menos os seus. Em entrevista ao jornal britânico The Mirror, o fundador da Microsoft garantiu que só a partir dos 14 anos é que permite que os filhos tenham telemóvel, aparelhos que estão "proibidos" à mesa do jantar e cujo uso está limitado antes da ida para a cama.
Há depois quem lhes veja vantagens, quem garanta que são didáticos, fontes de aprendizagem e conhecimentos sem limites. É a estes e a todos os que possam ter dúvidas que a psicóloga Rosário Carmona e Costa, que há anos estuda o tema, dirige a palavra. "As desvantagens superam largamente as vantagens", explica à Máxima. "Está mais do que comprovado que não há aprendizagem tão sólida e duradoura como a obtida através da relação e da experiência, pelo que é artificial acharmos que, pelo ecrã, temos filhos superdedicados à aprendizagem", acrescenta.

A autora do recém-lançado iAgora? (Esfera dos Livros), um livro que pretende ajudar os pais a libertarem os seus filhos da dependência dos ecrãs, defende que até aos dois, três anos de idade, estas tecnologias não são fonte de nenhum benefício. "Não quer dizer que pontualmente seja prejudicial, mas não traz os benefícios que os pais pensam que traz (aprendizagem, desenvolvimento, etc.). Depois dessa idade, há que limitar a uma hora por dia. Possuírem o seu próprio tablet não faz qualquer sentido: haver o da família, que é partilhado por todos, não só reduz o tempo de utilização como diminui os comportamentos de risco online."
São vários os mitos que continuam a prevalecer. Conceções erradas que justificam, para muitos pais, a oferta dos tablets e computadores desde tenra idade. O primeiro deles, refere a especialista, é a ideia de que as crianças estão concentradas quando têm os aparelhos nas mãos. "Eles não estão com atenção nem concentrados quando estão no tablet. Os ecrãs, para os fins que as crianças os utilizam, não requerem (praticamente) a utilização destas duas competências, uma vez que os estímulos estão sempre a alternar. É muito atrativa a sua utilização, não só por causa desta alternância de estímulos, que requer muito poucas competências cognitivas, mas também pela interatividade: eu não só controlo o que vejo e quando vejo como manipulo tudo o que faço para a satisfação das minhas necessidades (lazer, curiosidade, contacto social, etc.)." Mas há outros. Esclarecemos aqui alguns, com a ajuda da especialista. Muitos outros encontra no livro. A regra de ouro, essa, é simples: "Se há oportunidade de relação, não há ecrãs! Sempre que há alguém por perto, não há ecrãs! Vale para os nossos filhos, mas para nós também!"

Quanto tempo é tempo a mais?
O bom senso dos pais é fundamental na decisão do tempo que os mais pequenos passam agarrados aos aparelhos. Mas Rosário Carmona e Costa considera que, "infelizmente, não podemos dar o bom senso por garantido ? basta ver a utilização que os próprios pais fazem das novas tecnologias". Afinal, quanto tempo devem os mais pequenos ter acesso aos tablets e afins? "Do ponto de vista do desenvolvimento, não devem passar mais de uma hora por dia, a partir dos três anos", aconselha a especialista. Mas atenção: é que os limites não devem ser apenas temporais. "Que outras regras e tarefas quero que o meu filho cumpra antes de merecer o acesso ao ecrã?" A resposta, essa, cabe aos pais.

Castigo ou recompensa?
As novas tecnologias são, não raras vezes, usadas como forma de recompensa. E a proibição do seu acesso encarada como um castigo quando as coisas não correm bem. "É uma boa ideia se pensarmos na lógica comportamento-consequência", refere a psicóloga. "Antes uns pais que sigam esta lógica do que a inversa, do ‘toma, usa para te portares bem’. De qualquer forma, esta questão remete para o tema da definição de regras e limites: um castigo pretende sempre atingir a alteração de um comportamento e, por isso, quanto mais natural for o diálogo mais eficaz será. Por exemplo: ‘Não estás sem tablet porque tiveste má nota. O facto de teres tido má nota obriga-me a mandar-te estudar mais e é por isso que ficas com menos tempo para ir ao tablet.’"

O risco das novas baby-sitters
Nada mais fácil para entreter os mais pequenos do que passar-lhes um qualquer aparelho para as mãos. A jogar ou ver vídeos, as horas passam quase sem se dar por isso, deixando os pais à vontade para realizarem as tarefas de que precisam. E se esta nova forma de baby-sitter até parece ter as suas vantagens, para os pais, garante Rosário Carmona e Costa, mais não significa do que "comprar um problema a prestações. Tudo o que fica por adquirir pelo facto de a criança não ter espaço para ensaiar um conjunto de comportamentos típicos do desenvolvimento, por ter estado sempre a ser controlada por um ecrã, vai fazer-lhe uma falta tremenda à medida que cresce".

Erros que é preciso corrigir
Nesta coisa das novas tecnologias, são muitas as dúvidas ou não fossem elas, como o próprio nome indica, recentes. E há erros que os pais cometem e que, alerta a especialista, devem ser corrigidos. Identifica, por isso, os três principais:
1. "Entregarem os aparelhos sem a mínima consciência do grau de maturidade dos filhos para fazerem um bom uso."

2. "Ensinarem apenas onde se liga e desliga e não conversarem sobre o que exigem que seja cumprido para que este privilégio de utilização das novas tecnologias se mantenha."
3. "Que não obriguem a horas de família ‘desligados’. Todos. E os pais também."

De olho nas redes sociais
Facebook, Instagram ou YouTube são redes sociais que exigem os 13 anos como idade mínima para a criação de uma conta. O que não significa que não haja crianças com menos idade por aqui a navegar. E o que não significa também que, com os 13 anos, termine a necessidade de cuidados. Para os pais, que muitas vezes criam estas contas, é importante que saibam que "a capacidade de os nossos filhos fazerem boas escolhas online ultrapassa a mera questão da idade e que do ponto de vista cognitivo estamos a presumir que os ‘erros’ que farão na rede são os mesmos que fazem offline, sem termos consciência do impacto e dimensão que tem a asneira virtual", refere a psicóloga. "Também é fundamental que os pais não só saibam em que redes sociais os filhos têm conta como as políticas de privacidade das mesmas, para que possam ser bons mentores", acrescenta. E, para quem ainda tinha dúvidas, controlar a atividade online dos mais pequenos não só é desejado como exigido. "Não precisa de ser na ótica da ‘cusquice’ e da invasão do espaço pessoal, mas é fundamental que os filhos saibam que os pais não se demitem desta área (tão espaçosa) das suas vidas." No que se refere ao YouTube, proibir, a partir dos 12, 13 anos, não é o caminho, refere Rosário Carmona e Costa. "Mas devem mesmo controlar. Não há maturidade cognitiva e emocional para um jovem gerir, de forma segura e sem se expor em demasia, uma conta de YouTube, assim como é altamente provável que o tempo que lhe toma afete outras áreas de vida."
Da dependência ao hospital

O perigo de dependência das novas tecnologias é real, garante a especialista. "E existem, inclusivamente, casos em que tive de recorrer a internamento." Apesar de não ter dúvidas que "estão a aumentar, a um ritmo galopante, os casos de utilização excessiva e desadequada (cyberbullying)" das tecnologias, é mais cautelosa ao falar das situações que implicam internamento, que não pensa estarem a crescer ao mesmo ritmo. Acima de tudo, não deixa de ser o que chama "esperançosa crónica" no que diz respeito ao futuro, tendo em conta o cenário do presente. "Das conversas que tenho tido com os pais, sinto que eles próprios estão insatisfeitos e esmagados pela relação que têm com as novas tecnologias e há um desejo muito grande de se desligarem. Agora é só lerem o livro e sentirem que lhes foi devolvido o poder: podem pôr um travão. Vamos voltar a olhar-nos, a rir, a partilhar. Vamos dar-nos sem precisarmos de competir com o ecrã do outro pela sua atenção."

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