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Capicua: “As minhas crónicas acabam por falar das minhas vivências enquanto mulher, mãe, artista e cidadã”

Em Aquário, Capicua desvenda-os os seus pensamentos, angustias e reflexões, seja em forma de poema, micronarrativa ou crónica.

Foto: Miguel Refresco
31 de outubro de 2022 Rita Silva Avelar

Sempre conhecemos Ana Matos Fernandes, voz de Capicua, como uma voz ativista pelas mulheres, defensora dos direitos humanos, porta-voz dos problemas sociais e da cultura. Como cantautora, escreve-os, canta-os, e agora edita-os num livro para guardar com amor e ler de forma seguida ou aleatória. Perfeito para oferecer - seja a nós próprias ou aos outros - Aquário, editado pela Companhia das Letras, acaba por ser uma viagem autobiográfica pelos pensamentos da artista.

Há quanto tempo tem vindo a recolher estes pensamentos, que se materializam em forma de crónicas, pequenos textos, poemas e letras? Porquê lançar Aquário agora?

Na verdade o Aquário é uma seleção dos textos, letras, poemas e crónicas que escrevi entre outubro de 2015 e dezembro de 2021 (que foi o período em que escrevi quinzenalmente para a revista Visão). Ora quando acabou a minha relação com a revista, achei que seria interessante fechar o ciclo fazendo uma seleção dos meus textos favoritos desse período e editar. A partir dessa decisão, dediquei-me a ler, escolher, organizar e rever os textos, a juntar alguns inéditos que tinha guardados e a construir uma sequência que fizesse sentido e que permitisse ao leitor uma entrada progressiva no meu universo.

Capicua.
Capicua. Foto: André Tentugal

Que autores e cantautores a têm vindo a inspirar ao longo dos anos? E actualmente? Que nomes tem de olho?

Os que mais me influenciaram desde a infância e marcaram a forma como associo palavra e música, é a geração de abril, o Sérgio Godinho, o Zeca Afonso, o Zé Mário Branco... Depois, na adolescência, o rap do Porto, nomeadamente Dealema e Mind da Gap que formaram a minha escola. E depois a genialidade dos brasileiros Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e, mais recentemente também, o meu amigo Emicida.

Este livro tem passagens são gritos feministas, como "Exaustas". Quis, também, dar voz às mulheres?

Essa temática é transversal ao meu trabalho e ao meu posicionamento público, não faria sentido estar de fora do Aquário até porque as minhas crónicas, sendo pessoais mas almejando sempre a reflexão para os temas coletivos, nesse eixo pessoal-político, individual-social, acabam por falar das minhas vivências enquanto mulher, mãe, artista e cidadã. Ora seria muito difícil escapar das questões de género.  

Aquário, editado pela Companhia das Letras.
Aquário, editado pela Companhia das Letras. Foto: DR

Qual é o excerto preferido e porquê?

Eu adoro a crónica "João Sensação" porque acho que é o exemplo de como uma vivência comum, quotidiana, no contacto com o outro e suas histórias, consegue ser tão interessante de trabalhar em texto e resultar numa crónica tão cinematográfica. É sobre um passeio de carrinha por São Paulo e sobre a conversa com o motorista, mas é muito mais do que isso. E a beleza da crónica é mesmo essa de trabalhar a humanidade que partilhamos, a partir da filosofia da vida quotidiana. Acho que isso de escrever regularmente numa publicação, nos obriga a ter um olhar mais atento sobre tudo o que vivemos, nessa busca incessante por um tema, que nos faz mais sensíveis e acordados para o mundo e sua beleza.

Aquário acaba, também, por funcionar como uma biografia literária?

Sim, há muito de mim no livro. Acho que as pessoas ficam a conhecer-me muito melhor e, quem segue a minha música, pode entende-la muito mais profundamente. Claro que não é uma biografia no sentido cronológico, nem pretende contar a história da minha vida ou de um período determinado, não é narrativo, mas fala sobre a vida, sobre as memórias, sobre as coisas de que mais gosto, sobre as minhas causas, o meu imaginário, acabando por ser um recorte, uma janela para os meus mares interiores. Também por isso se chama Aquário.

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