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Artistas em greve: “O valor do sector cultural é sempre menosprezado”

Qual a importância deste dia para os designers, ilustradores, djs e atores? Estas são as respostas.

Artistas da Fleischer em greve por melhores salários e condições de trabalho
Artistas da Fleischer em greve por melhores salários e condições de trabalho Foto: Getty Images
11 de dezembro de 2025 às 13:08 Patrícia Domingues

"No meu ponto de vista, manifestar apoio total a esta greve é ser solidário com todas as classes trabalhadoras, mas também manifestar solidariedade com pessoas que têm profissões na área da cultura onde costumam estar fora de cena, desde administrativos, a técnicos, até às equipas de limpeza. Qualquer equipamento cultural depende de diversas funções e serviços para funcionar devidamente e todos os elementos desta equipa merecem ter os seus direitos laborais devidamente assegurados.

Tenho colegas que cancelaram concertos e receitas de espetáculos de modo a marcar uma posição neste dia de greve. Não só por solidariedade com as equipas, mas também tendo em mente eventuais constrangimentos que os públicos possam ter nos serviços relacionados com transportes e refeições, por exemplo.

Hoje não estou a prestar serviços nem a entreter. Mas se algo como esta união popular me inspira, creio que é o meu dever criar algo a partir disso. Nas palavras de Nina Simone, 'o dever do artista é refletir o tempo que vive'."

"Gostava de acreditar que, não estando de licença de maternidade, teria aderido à greve. Há momentos em que o corpo tem de dizer basta, mesmo quando o basta tem custos reais. No meu caso, estando de licença, juntei-me à manifestação por solidariedade. Estar presente era a forma possível de marcar posição.

A greve, na nossa área, é quase um ato de respiração. Porque trabalhar em cultura é andar sempre naquele fio entre a paixão e a precariedade, e cada gesto colectivo lembra ao país que não vivemos de ar, nem de aplausos. Para quem produz, para quem cria, para quem mantém companhias e projetos a sobreviver, uma greve também significa perdas. E é exactamente por isso que o gesto ganha peso. Porque, num sector em que o Estado historicamente falha em garantir condições dignas, parar é arriscar muito. E ainda assim é necessário. É o momento para dizer que a nossa fragilidade não pode ser eternizada como modelo."

"Os motivos para aderir à greve são, primeiro de tudo, como pessoa imigrante, acho essencial fazer greve! Estou a ter imensas dificuldades de renovar o meu visto. A situação atual da desvalorização e mudança de leis no âmbito da imigração têm dificultado e perseguido pessoas imigrantes que só querem trabalhar e terem uma vida justa. As tais novas medidas governamentais atuais de direita estão impossibilitando muita gente de se regularizar, até quem vive cá há anos como eu.

Como trabalhadora na indústria das artes e nightlife em Portugal, que ainda é um trabalho bastante precarizado e por muitas vezes não formalizado.

E por último, as pessoas que trabalham com recibo verde merecem uma regularização melhor das condições. Manifestarmo-nos numa paralisação geral é o começo para as coisas mudarem."

"É surpreendente que a última greve geral que fizemos tenha sido em 2013, tendo em conta tudo o que se tem passado em Portugal. A situação sócio-económica no nosso país está cada vez pior e não parece haver boas perspectivas. Fazemos greve, sim, para demonstrar o nosso descontentamento para com a oferta salarial miserável, situação laboral precária, pela gravidade do problema de habitação em Portugal, que é notícia por toda a Europa e, sim, por um país melhor.

O valor do sector cultural é sempre menosprezado, mas poucos conseguiriam viver com imprevisibilidade de não saber o amanhã. Muitos artistas vivem deste modo e, mesmo assim, continuam no palco, na televisão, no cinema, nas artes, porque um país sem cultura é uma anedota."

"Estou a fazer greve porque nos temos todos de unir contra o poder que nos quer subjugar e desproteger os trabalhadores — facilita os despedimentos e aumenta a precariedade dos contratos — e dar mais poder a quem já o tem. Ataca o bem-estar de quem faz o país funcionar.

Na minha área, para além do pacote também atingir trabalhadores independentes, dependemos de muita gente da comunidade que é afetada pelo novo pacote laboral. Faço greve por mim e por toda a gente que não tem um privilégio económico que faça com que este novo pacote não o afete significativamente. Porque o país não é só de alguns, é de todos e todas. Um dia atacam o nosso vizinho, outro dia atacam-nos a nós. Neste momento, não nos podemos dar ao luxo (e sublinho esta expressão) de ignorar as desigualdades.

Tendo em conta meu contexto de trabalho, alerto como a cultura é esquecida, a arte que tanto valorizam mas depois pouco apoio estatal prestam, é esquecida dos debates políticos, e dos programas de campanha. Os apoios estatais são parcos e difíceis. Há pessoas a PAGAR para aprender a concorrer ao concursos porque são complexos. A arte é indispensável para o pensamento crítico e tão desvalorizada. Não querem que o povo pense, só aceite.

Além disso, fazer greve geral inclui não fazer despesas, não comprar nada (ou evitar ao máximo), para mostrar como os contribuintes somos todos nós. Se o Estado não serve o povo, não serve para o povo."

Joana Duarte, designer de moda

"Não estou em greve porque me é impossível, mas estou com todos os que fazem.

O setor do vestuário é um dos maiores em Portugal. Mesmo que aqui no atelier nem sempre sintamos diretamente o impacto de algumas das medidas previstas no pacote laboral, não podemos esquecer que a nossa indústria passa por muitas mãos e envolve inúmeros parceiros, bordadeiras, transportes, logística, etc. Qualquer alteração nas leis laborais afeta toda a cadeia de produção e é fundamental estarmos atentos ao que estas mudanças podem significar para quem faz parte do processo. Ou seja, mesmo na “bolha” do nosso atelier dependemos de inúmeras pessoas e empresas que podem ser afetadas por estas mudanças. E qualquer impacto na indústria - infelizmente muitos deles com margens mínimas e condições pouco estáveis - acaba por enfraquecer ainda mais uma indústria que, apesar de gigante, continua frágil na proteção dos trabalhadores e na forma como a produção é feita.

Also, pressões económicas e falta de proteção laboral têm tudo para levar ao aumento de desperdício e impacto ambiental."

José Rebocho, videografo

"Uma das formas mais populares e eficazes de um povo reagir ao descontentamento político sempre foi, e sempre será, a adesão à greve.

A importância desta decisão, tão individual como coletiva, reflete-se tanto no impacto económico como na forma como o povo se reconhece enquanto força política. Pois, se um coletivo de trabalhadores parar, a empresa sentirá um verdadeiro abalo económico; já se o CEO da mesma empresa o fizer, o impacto será meramente simbólico. Isto evidencia a diferença real de poder na produção de riqueza.

Penso que nem todos os trabalhadores reconhecem a greve como uma necessidade. No entanto, ignorar a existência de injustiça e desequilíbrio social é tornar-se parte do próprio problema."

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