A princesa culta que se tornou a primeira imperatriz do Brasil
A arquiduquesa austríaca Leopoldina de Habsburgo passou à História como vítima dum casamento infeliz com D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal. Mas foi também uma das responsáveis pela independência do Brasil.

Se mais não tivesse feito (e fez), a arquiduquesa austríaca Leopoldine Caroline Josepha von Habsburg-Lothringen ficaria para a História como a primeira princesa de uma coroa europeia a atravessar o Oceano Atlântico para casar com o primogénito de outra dinastia, deslocada para outro continente por força das guerras napoleónicas. Sobrinha-neta da infeliz Maria Antonieta (e como tal bisneta da grande imperatriz da Áustria, Maria Teresa), Leopoldine nasceu no Palácio de Hofburg, em Viena, a 22 de janeiro de 1797, filha do imperador Francisco I da Áustria e de sua segunda esposa, a princesa Maria Teresa de Nápoles e Sicília. Também foi cunhada do imperador Napoleão Bonaparte, casado em segundas núpcias com a sua irmã mais velha, Maria Luísa.

Como era tradição na casa de Habsburgo, a educação que a arquiduquesa recebera na infância e adolescência era eclética e ampla, de nível cultural superior e formação política consistente. Tal educação dos pequenos príncipes e princesas baseava-se na política educacional iniciada por seu avô Leopoldo II que acreditava "que as crianças deveriam ser desde cedo inspiradas a ter qualidades elevadas, como humanidade, compaixão e desejo de fazer o povo feliz", como escreve o historiador Paulo Rezzutti, autor do livro D. Leopoldina — A história não contada: A mulher que arquitetou a Independência do Brasil. Com uma profunda fé católica e uma sólida formação científica e cultural – que incluía política internacional e noções de governo –, a arquiduquesa fora preparada desde cedo para reinar. Mas é também considerada por muitos historiadores como uma das principais dinamizadoras do processo de independência do Brasil ocorrido entre 1821 e 1822. O historiador Paulo Rezzutti, autor do livro D. Leopoldina — A História não Contada: a mulher que Arquitetou a Independência do Brasil, sustenta que foi em grande parte graças a ela que o país se tornou uma nação independente e una, ao contrário do que acontecera na América espanhola, que se dividiu em dezenas de novos Estados. Segundo ele, a mulher de D. Pedro "abraçou o Brasil como seu país, os brasileiros como o seu povo e a Independência como a sua causa".


Uma mulher de ação
Leopoldine (ou Leopoldina, como ficaria para a História depois de casar com D. Pedro) ficou órfã de mãe aos 10 anos. Um ano depois, como era timbre nas casas reais europeias, o seu pai casar-se-ia novamente com aquela que a jovem descreveria como a pessoa mais importante de sua vida, Maria Luísa de Áustria-Este. Musa e amiga pessoal do poeta Goëthe, ela foi responsável pela formação intelectual da enteada, desenvolvendo na jovem o gosto pela literatura, pela observação da natureza pela música de Joseph Haydn e de Beethoven. Não tinha filhos seus, adotara de bom grado os da antecessora, que não tardaram a dar-lhe o tratamento de "mãe"... Leopoldina teria uma infância marcada pela exigência nos estudos, pela diversidade dos estímulos culturais diversos e também por uma Europa posta a ferro e fogo pela política expansionista de Napoleão.
O seu programa de estudos incluía disciplinas como alemão, francês, inglês, italiano, dança, desenho, pintura, história, geografia e música, matemática (aritmética e geometria), literatura, física, canto e trabalhos manuais. Desde cedo, Leopoldina mostrou maior inclinação para as disciplinas de ciências naturais, interessando-se principalmente por botânica e mineralogia. Do pai, herdou o gosto pelo colecionismo: criou importantes acervos de moedas, plantas, flores, minerais e conchas. Quando o acordo para o seu casamento com o primogénito de D. João VI e Carlota Joaquina foi assinado, aprendeu Português com uma rapidez inusitada nas muitas princesas europeias que, por via matrimonial, se tornaram Rainhas de Portugal.


Com a família real portuguesa no Rio de Janeiro desde 1808, na sequência das invasões francesas, Leopoldina embarcou em Livorno, Itália, na esquadra lusa composta pelas naus D. João VI e São Sebastião. Com uma bagagem de princesa (40 caixas da altura de um homem contendo o enxoval, livros, as suas coleções e presentes para a futura família) e numerosa comitiva, enfrentou 86 dias de travessia nas águas do Atlântico. Já no Rio, tornar-se-ia uma auxiliar preciosa para o marido nos desafios que lhe foram colocados, para além de lhe ter dado uma vasta prole em que se incluíram a nossa rainha Dona Maria II e o futuro Imperador do Brasil, D. Pedro II. Ele, homem de personalidade instável, violenta e com uma educação rudimentar, raramente lhe retribuiu a lealdade e dedicação como devia.
Leopoldina tornar-se-ia crucial nos acontecimentos que conduziram à proclamação da independência do Brasil, consubstanciada no grito do Ipiranga. Em 1822, com D. João VI já em Portugal, onde a revolução liberal de 1820 impusera a monarquia constitucional (num processo que sofreria duros e trágicos reveses nos anos seguintes) algumas províncias brasileiras, como São Paulo, ameaçavam entrar em guerra contra o Príncipe-Regente, D. Pedro. Numa tentativa de pôr termo à rebelião, este viaja para o local, deixando Leopoldina como regente interina. É também nesse momento que D. João VI, consciente de que o seu filho estava cada vez mais próximo dos independentistas, exige que D. Pedro volte imediatamente a Lisboa. Perante isto, a 2 de setembro de 1822, à frente do Conselho de Estado, a princesa regente ouviu calmamente a opinião dos ministros (um momento representado em quadro pela pintora Georgina de Albuquerque) e envia ao marido uma carta contendo a profética frase: "O Brasil vos quer como monarca. Com vosso apoio ou sem vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece." Cinco dias depois, nas margens do Ipiranga ouviu-se o grito: "Independência ou morte."

Depois disso, Leopoldina empenhou-se a fundo no reconhecimento da autonomia do novo país pelas cortes europeias, escrevendo cartas ao pai, imperador da Áustria, e ao sogro, rei de Portugal. Boa parte do empenho que punha na causa pública devia-se ao terror que a imperatriz tinha às revoluções populares, já que a sua infância fora assombrada pelos fantasmas da Revolução Francesa e do trágico final da sua tia-avó, Maria Antonieta.

Embora o liberalismo e a monarquia parlamentar fossem conceitos que a repugnassem (crescera na Áustria do Chanceler Metternich, paladino do absolutismo), Leopoldina procurou formas de acabar com o trabalho escravo, que predominava no Brasil. Numa tentativa de mudar este paradigma secular, a imperatriz incentivou a imigração europeia para o país, nomeadamente de trabalhadores suíços e alemães. A importância e relevância da ação da princesa em terras brasileiras passou também pela importante missão científica e artística que trouxe da Europa. Como a princesa tinha grande interesse por Botânica e Geologia, acompanharam-na para o Brasil dois cientistas alemães: o botânico Von Martius e o zoólogo Von Spix, nomes conhecidos das ciências naturais do século XIX, além do pintor viajante Thomas Ender. A pesquisa dessa missão resultou nas obras Viagem pelo Brasil e Flora Brasiliensis, um compêndio de aproximadamente 20 mil páginas com classificação e ilustração de milhares de espécies de plantas nativas. Juntos, os cientistas percorreram mais de 10 mil quilómetros do Rio de Janeiro até às fronteiras com Peru e Colômbia.

Vítima de violência doméstica?
O amor, ou a atração, não eram convidadas assíduas nos casamentos entre príncipes na Europa do Romantismo (a exceção será talvez a união da rainha Vitória com o príncipe Alberto) mas Leopoldina, na correspondência que envia à família, mostra-se muito agradada com o seu príncipe. Só que D. Pedro colecionava amantes como a sua mulher colecionava conchas da praia. Leopoldina sofria mas resignava-se, lamentando os deslumbramentos dele com toda e qualquer novidade que lhe passasse pela frente. No entanto, quando o Imperador se tomou de amores pela paulistana Domitilia dos Santos e a exibiu na corte, Leopoldina entrou em desespero.
A filha que teve com Domitila – na mesma época em que a imperatriz dava à luz outra criança – recebeu do pai o nome de Isabel Maria de Alcântara e o título de duquesa de Goiás. Em carta à irmã Maria Luísa, Maria Leopoldina desabafa, atribuindo todas as culpas à "outra". "O monstro sedutor é a causa de todas as desgraças", escrevia. Solitária, isolada, devotada apenas a conceber um herdeiro para o trono (o futuro D. Pedro II nasceria em 1825) Leopoldina tornava-se cada vez mais depressiva. Desde o início de novembro de 1826 que a imperatriz não se encontrava bem de saúde, definhando a olhos vistos.

A 20 de novembro de 1826, preparando-se para viajar para a fronteira com o Uruguai, D. Pedro quis demonstrar à sua corte ser mentira o boato sobre as suas relações extraconjugais e o mau clima entre o casal imperial. Para o fazer, não encontrou melhor maneira do que promover uma sessão de beija-mão à regente na sua presença e na da amante, entretanto tornada marquesa de Santos e dama de companhia da imperatriz. Mas esta teria achado uma enorme humilhação ser recebida pela corte junto à amante de seu marido, e teria confrontado Pedro recusando-se a entrar na sala do trono. O imperador, de génio irascível, teria então tentado arrastá-la pelo palácio, agredindo-a com palavras e pontapés, mas acabando por comparecer ao beija-mão acompanhado unicamente pela marquesa. Embora esta versão seja frequentemente repetida, sublinhe-se que não se conhece outra testemunha da agressão além dos três, e que as suspeitas sobre as agressões sofridas teriam sido levantadas pelas damas e médicos que ampararam Maria Leopoldina nas terríveis semanas que se seguiram.

A imperatriz, que se encontrava na 12ª semana de gravidez, adoeceu gravemente. Na sua última carta à irmã Maria Luísa, ditada à marquesa de Aguiar (e datada de 8 de dezembro de 1826, às 4 horas da manhã) refere-se aos terríveis males de que fora vítima: "Reduzida ao mais deplorável estado de saúde e tendo chegado ao último ponto de minha vida no meio dos maiores sofrimentos, terei também a desgraça de não poder eu mesma explicar-te todos aqueles sentimentos que há tanto tempo existiam impressos na minha alma. Minha mana! Não tornarei a vê-la! Não poderei outra vez repetir que te amava, que te adorava! Pois, já que não posso ter esta tão inocente satisfação igual a outras muitas que não me são permitidas, ouve o grito de uma vítima que de ti reclama - não vingança - mas piedade, e socorro do fraternal afeto para meus inocentes filhos, que órfãos vão ficar, em poder de si mesmos ou das pessoas que foram autores das minhas desgraças, reduzindo-me ao estado em que me acho, de ser obrigada a servir-me de intérprete para fazer chegar até tu os últimos rogos da minha aflita alma."
Morreu a 11 de dezembro de 1826, no Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, aos 29 anos. Foi muito chorada pelo povo do Rio de Janeiro e a fama de crueldade de D. Pedro chegaria à Europa, tornando-lhe muito difícil a tarefa de encontrar uma segunda esposa compatível com o seu estatuto imperial. Aconteceria em 1829, com Amélia de Leuchtenberg, quarta dos sete filhos do general Eugênio de Beauharnais, e de sua esposa, a princesa Augusta da Baviera, que lhe sobreviveria.

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