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The White Lotus: e à terceira temporada, a música mudou. A ironia, essa, mantém-se

Um cadáver não identificado, paisagens de cortar a respiração, diálogos deliciosos, um elenco de luxo. Mike White repete a receita que fez de “The White Lotus”um fenómeno global, e serve-se de elementos da cultura tailandesa para reforçar o caráter negro da série, cuja nova temporada estreou há dias, na MAX.

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The White Lotus
21 de fevereiro de 2025 às 16:13 Ana Murcho

Vamos tirar o elefante da sala. Sim, o tema de abertura de The White Lotus mudou. A Internet foi abaixo com a quantidade de vídeos de fãs desolados com a "ousadia" dos responsáveis da série, que tiveram a coragem (displicência?) de acabar com aquele minuto e picos de nirvana sensorial, autoria de Cristobal Tapia de Veer. Da primeira para a segunda temporada, as alterações tinham sido reduzidas, "para melhor" — ao ponto de a música ganhar um Emmy. Agora não há volta a dar. A melodia que deixou milhões de pessoas em transe transformou-se numa coisa completamente diferente, mais sombria, mais em consonância com a intro, que puxa dos galões do mistério e do suspense. "Não quero ser dramático, mas o novo tema arruinou literalmente todo o meu fim de semana", desabafou um utilizador do X, antigo Twitter. O que não deixa de ser irónico, lembra o The Guardian — que dedicou um artigo a este "lamento global" —, já que esta é "uma série sobre ocidentais perigosamente arrogantes que têm dificuldade em adaptar-se quando lhes é apresentada uma nova experiência."

Foto: @HBO

Tudo isto faz parte da mística de The White Lotus. Quando a ação passou do Havaí para a Sicília, mais de metade dos espectadores ficaram horrorizados com o novo elenco, que substituía aqueles personagens imperfeitos, e por isso mesmo inesquecíveis, que fizeram da série uma das mais vistas dos últimos anos. O pânico durou pouco. Ainda antes do final do segundo episódio, o mundo já estava rendido aos novos protagonistas. O mesmo acontecerá, por certo, desta vez — tanto com o enredo como com a música. Mas adiante. À semelhança das outras temporadas, esta começa com um cadáver não identificado, que destrói a serenidade (aparente) do resort White Lotus em Koh Samui, a segunda maior ilha da Tailândia, após uma sessão de meditação ser interrompida por uma intensa troca de tiros. A partir daí a história recua uma semana, até à chegada dos hóspedes/suspeitos.

Foto: @HBO

Num hotel onde o uso de telefones não é permitido (regra que será quebrada vezes sem conta), por se tratar de uma "zona de desintoxicação digital", a presença de um grupo de ocidentais é uma espécie de hecatombe cultural: rodeados de natureza, cenários idílicos, templos históricos e um sem fim de atividades relaxantes, a grande preocupação de muitos deles é a possível falta de WI-FI. "O que é que vou fazer aqui uma semana sem o meu telefone?", pergunta Saxon Ratliff (Patrick Schwarzenegger), o filho mais velho dos Ratliff, uma família americana de classe média-alta cujo pai, Timothy (Jason Isaacs), é um consultor financeiro e a mãe, Victoria (Parker Posey), a típica "dondoca" viciada em medicamentos. Só nestes três elementos há pano para mangas — e ainda não mencionámos os irmãos mais novos, Lochlan (Sam Nivola) e Piper (Sarah Catherine Hook). Saxon é a representação perfeita de um certo machismo tóxico que se esconde atrás do típico "bom rapaz", bem parecido e bem sucedido, que a América, e de certa forma o Ocidente, aprendeu a idealizar. Timothy esconde segredos (muito) graves, e o seu desespero contrasta com o ar nonchalant de Victoria, a "stay at home mum" que sabe sempre mais do que aparenta.

Foto: @HBO

Aproveitemos para fazer um parêntesis e referir que uma das mais-valias de The White Lotus é a capacidade de ir buscar atores, neste caso atrizes, que o público menos espera. Se na primeira temporada assistimos ao renascer de Jennifer Coolidge, uma das melhores surpresas da segunda terá sido o papel dado a Aubrey Plaza. Desta vez o foco está na maravilhosa Parker Posey, normalmente associada ao cinema independente. Qualquer uma delas, à semelhança dos seus companheiros, garante outra das características singulares da série criada por Mike White: bastam alguns diálogos para percebermos quem são as personagens e quais as suas intenções. Lochlan, o filho mais novo dos Ratliff, é inseguro, tímido e misterioso; Piper é o cérebro da família, a única que "encontrou a luz" (será?), o motivo pelo qual a família está na Tailândia: para entrevistar um monge budista, a propósito da sua tese. Qualquer semelhança entre a estranha dinâmica sexual destes irmãos não é pura coincidência.

Foto: @HBO

Outro dos núcleos desta temporada é o das três amigas de infância que se juntam numa "digressão de vitória, não uma excursão ou crise da meia-idade", como uma dirá. Jaclyn Lemon (Michelle Monaghan) é uma estrela do entretenimento que aproveita para passar uns dias com Kate (Leslie Bibb) e Laurie (Carrie Coon). Aparentemente fúteis e vazias, estas personagens são uma tradução perfeita, quase irrepreensível, da amizade entre mulheres — não faremos qualquer spoiler sobre o facto de todas elas, à vez, se juntarem para falar mal da "amiga" que está ausente. Ups… De facto, como compêndio sobre as relações humanas, The White Lotus é magistral. A nova temporada marca o regresso da doce Belinda (Natasha Rothwell), a massagista do White Lotus Havaí, que tinha o sonho de abrir um spa só seu. Agora, encontramo-la do outro lado do mundo, num "estágio" que pode mudar a sua vida — profissional e não só. E conhecemos Rick (Walton Goggins), um homem enigmático e perturbado que está de férias com a namorada, a divertida Chelsea (Aimée Lou Wood), muito mais nova que ele. Será ele uma das peças-chave desta história, a par dos furiosos macacos, que surgem tão frequentemente? É preciso esperar para ver.

Foto: @HBO

Não deixou saudades, é certo, mas Greg (Jon Gries), ex-marido de Tanya McQuoid (Jennifer Coolidge) e malandro de serviço, também está de volta — desta feita como Gary, um expat de poucas palavras que vive numa casa perto do resort, onde costuma ir com a namorada, Chloe (Charlotte Le Bon). Estes dois casais singulares vão ter uma ligação de amizade, forçada pelas respetivas mulheres, que trará uma dinâmica interessante à narrativa. O mesmo se pode dizer de Sritala Hollinger (Patravadi Mejudhon), dona do White Lotus: cantora, ex-atriz, é uma figura dominadora que parece ter o poder de impactar a sorte de algumas personagens. Será? Por ela passam os destinos do imperscrutável Fabian (Christian Friedel), que a segue para todo o lado, da sorridente Mook (Lalisa Manobal, famosa Lisa da girlsband Blackpink), mentora de bem-estar, e de Gaitok (Tayme Thapthimthong), um dos seguranças do espaço. Todos podem ser vítimas ou culpados do crime dá mote a esta terceira temporada, mas a parte mais fascinante da resolução deste mistério é o desenrolar do processo, leia-se, dos oito episódios. Na busca pela espiritualidade perdida, a terceira temporada de The White Lotus é mais uma chapada de luva branca aos subterfúgios da sociedade capitalista atual, que insiste em apropriar-se dos últimos redutos de silêncio e beleza e para colmatar a hipocrisia e os excessos do quotidiano ocidental. Melhor, só se Tanya surgisse no meio daquelas águas cristalinas.

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