Opinião. ‘Soares é fixe’, mas o filme é triste
Os soaristas rumaram ao CCB, em Lisboa, para assistir à estreia de ‘Soares é fixe’, o novo filme de Sérgio Graciano vagamente inspirado na noite eleitoral de 16 de fevereiro de 1986.
Madalena e Vasco foram um casal de namorados tardio – ambos com 30 anos. Madalena vivia sozinha e atravessava um mau momento. Na carreira militar há sete anos, viu-se a terminar contrato, ficando fora dos quadros. "Tinha perdido a minha identidade profissional", recorda. Como eram da mesma terra, num fim de semana, encontraram-se, numa saída entre amigos. Vasco falou-lhe da sua última, e falhada, relação; Madalena partilhou o mau momento que atravessava. "Não tinha razão para desconfiar do contrário, acreditei em tudo o que me dizia", comenta. Vasco era um tipo pacato e discreto, "quem olha para ele não diz… é um lobo em pele de cordeiro".
Ficavam juntos aos fins de semana. "Ele começou a ficar lá em casa, e saía, de vez em quando, com amigos, mas para mim estava tudo bem", recorda Madalena. Tinham "um bom convívio". À data, Vasco tinha fechado uma loja de que era coproprietário com a ex-namorada e estava sem trabalhar. "Seria um recomeço na vida dele, e seria comigo", lembra Madalena.
Ao Vasco nunca faltava dinheiro, a família era uma das mais ricas da zona. Portanto esse não foi, inicialmente, tema de discussão, mas tudo o mais já começara a ser – sobretudo, depois de um acontecimento não planeado. Madalena engravida e tem um aborto espontâneo. Será a primeira vez que se choca com o comportamento do namorado. Numa noite dolorosa, física (com contrações) e psicologicamente, ele virou-se para o lado e dormiu toda a noite. "Aí, fico muito triste e começo a sentir-me sozinha." A contagem decrescente para o descalabro ganha velocidade quando se mudam para uma casa da família de Vasco. Sentindo-a mais dependente, fazia noitadas constantemente. Quando se viu "a olhar para quatro paredes", Madalena começou a sair também. As agressões físicas surgem nesta fase. Quando estava na rua, o namorado mandava-lhe mensagens como: "Com quem andas? Depois conversamos…" Madalena contrapunha que "não podia viver presa". E isto "era tudo o que ele queria". Certa vez, ficou com um hematoma no olho, outro junto da boca. Enquanto lhe batia, Vasco dizia que a culpa era dela.
Madalena soube mais tarde que Vasco havia feito o mesmo com a ex-namorada, "só que era tudo abafado, a família dele amparava-lhe as quedas". E se ele caía… Sempre com dinheiro no bolso – dado pela mãe – consumia cocaína. "Cheguei a tê-la lá em casa para ele ficar bem comigo, mas percebi o erro e parei", conta Madalena.
Partilhavam casa, mas já sem dinâmicas de casal. Quando havia cenas mais graves, ela refugiava-se na casa da mãe – a quem nunca contou tudo por vergonha. Mostrando-se arrependido, a namorada perdoava. "Ele sabia: eu ia mas voltava, descredibilizei-me", reconhece Madalena. Numa noite pior, pediu ajuda aos vizinhos – "das outras vezes ouviam mas não se metiam". Em sete anos de agressões nem uma única queixa à polícia. Ia justificando tudo com a má educação, os ciúmes, os consumos de cocaína e de álcool. "Vivi uma história que foi só minha, nunca ninguém me viu batida, porque sempre tive esperança de conseguirmos superar, e não queria que as pessoas soubessem." O momento de viragem viria a ser inopinado: estava a passear, ao pé do mar, ele passou de bicicleta e acenou de longe, como um desconhecido. "Naquele momento, caiu-me a ficha. Nesse dia chorei muito." Nesse dia o ciclo acabou.
*Excerto da reportagem "Amor, só que ao contrário", de Teresa Gens, publicado na revista de aniversário dos 35 anos da Máxima, lançada em novembro de 2024.