Testemunhos. Mulheres que estão fartas de namorar: "Conhecia pessoas de dois em dois meses"

Celibato voluntário? Sim, mas à la TikTok com um nome trendy e uma estética de invejar: chama-se movimento boy sober.

Foto: HBO / Euphoria
05 de setembro de 2024 às 12:04 Joana Rodrigues Stumpo

"Acho que ninguém acorda um dia e decide naturalmente que prefere passar todos os domingos de chuva sozinha com pipocas e Netflix". Ainda assim, para Genira, de 31 anos, foi uma escolha inevitável e necessária para restabelecer uma série de expectativas e valores que não estavam a ser correspondidos. "É muito bom ter companhia, receber atenção e carinho de alguém, poder partilhar interesses e momentos, mas a que custo?" Para esta e tantas outras mulheres, o limite está quando os namoros começam a pôr em causa questões profundamente íntimas e viscerais. Nas palavras de Genira, estas relações falhadas começaram a "fazer-me questionar o meu valor como mulher... afinal, eu sou o denominador comum, então o problema só podia estar comigo". Quando chegou a este pensamento, fez o mesmo que inúmeras outras: uma pausa no amor para refletir e pôr-se em primeiro lugar (como responderia alguém cronicamente online: as you should). 

É o movimento boy sober. A internet não tarda a apelidar uma tendência se tiver mais de umas dezenas de aderentes. Desta vez é um comportamento que já dura há alguns meses e parece surgir enquanto resposta às dificuldades sentidas por mulheres que tentam encontrar um parceiro. E é um problema que nos toca a todas - até Julia Fox revelou recentemente no TikTok estar em celibato há cerca de dois anos e meio. Para a atriz, esta é uma maneira de "recuperar o controlo" do seu corpo, especialmente tendo em conta a regressão dos direitos de aborto nos Estados Unidos.

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O Urban Dictionary define o termo como "não estar a falar com um homem, sobre um homem nem a namorar com um homem", e pode ser aplicável a quem passou por uns tempos traumáticos em apps de encontros. Reza a lenda que existem casais forjados no Tinder, que sobreviveram à austeridade do swipe e chegaram mesmo ao altar da igreja (ou à secretária do notário). Histórias bonitas partilhadas pelas redes sociais, mas, para quem está sóbria de amor, são apenas exceções à regra. Soraia (nome fictício) tem 32 anos e esteve inscrita no Tinder durante cerca de um ano e meio. Ao longo desse período, teve vários encontros e relações, "umas mais longas do que outras". Passados estes 18 meses, e sem resultados duradouros à vista, apagou a aplicação. "O perfil das pessoas que encontrava era muito semelhante, para além de sentir que fazes parte de um catálogo, repetes sempre o mesmo tipo de conversas. Quase dá para copiar as respostas e enviar para outra pessoa", justifica.  

O motivo de uma é facilmente aplicável à maioria das que estão a fazer este detox de homens. Genira também partilha ter tido "experiências repetidas e constantes. Parece que independentemente do homem com quem esteja a lidar, todos se comportam da mesma maneira." Descreve uma camada jovem masculina que revela uma "atitude que me parece ser uma tentativa de evitar uma ligação profunda demais". Pondo o preto no branco, em vez de amor e dedicação, Genira encontrou "falta de compromisso". Ainda que não seja do tipo que se atira de cabeça para uma nova relação enquanto ainda está fresca, defende "firmemente que se duas pessoas vão estar juntas, seja lá de que maneira for, é para viver o momento, darem o melhor de si e aproveitarem o melhor um do outro. Não tenho estado a ser correspondida e é muito desgastante estar sempre a recomeçar ciclos".  

Aliada à dificuldade de encontrar alguém que seja uma verdadeira match está a pressão para deixar de ser solteira. Embora seja uma realidade para a maioria dos jovens com uma família abelhuda e um grupo de amigos em que a maioria está em longas parcerias, é especialmente verdade para mulheres a partir da casa dos 30s. E Soraia sabe bem o que isso é. "Parece que tens de ter uma relação, começas a questionar porque é que não tens". Quer queiramos quer não, a urgência acaba sempre por transparecer nos relacionamentos. Há mais objetivos e metas concretas, títulos passam a ter mais importância e há uma pressa que nos força a querer acelerar o processo. "Fiquei com mais expectativas, cada vez que conhecia alguém pensava ‘pode ser que seja desta’", confessa Soraia. "Mas as relações demoram tempo a estabelecer-se, a saber se confias, se podes contar com a pessoa. Se calhar por isso é que as minhas relações só duravam dois ou três meses, é o período em que começas a perceber que não podes contar com a pessoa." Um prazo que Genira também experienciou nos seus namoros, mas por motivos um pouco diferentes, relacionados com a tal falta de compromisso que acabava sempre por afastar os parceiros. 

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Encontrou, naqueles a quem chamou namorado durante uns tempos, uma "falsa ideia das infinitas opções que os homens pensam ter". Então, "comprometerem-se com alguém significa automaticamente que estão a fazer uma escolha, e que têm de interromper qualquer outra ‘relação’ paralela que estejam a ter". Ainda que isto não seja verdade para a totalidade dos solteiros que por aí andam, Genira verificou que "a maioria prefere não se comprometer com ninguém, mas estar com todo o mundo ao mesmo tempo e aproveitar o melhor dos dois cenários: livre para fazer o que quer, porém nunca sozinho". 

Tanto Genira quanto Soraia inauguraram, assim, um período de pausa no amor. Na prática, isto poderá significar diferentes termos para diferentes pessoas - nada de encontros nem novas relações são os pontos básicos. Há, ainda, quem se dedique a definir um claro livro de regras para quem quer um tempo de boy sober. É o caso de Hope Woodward, no TikTok, que partilhou as suas normas para esta pausa: estão proibidas apps ao estilo de Tinder e Bumble, proibidos também estão encontros, contacto com ex-parceiros, situationships (aquela relação não oficial que acaba por ocupar o mesmo espaço mental do que uma com rótulo) e, por fim, beijos, abraços e outro tipo de contacto físico íntimo daí derivado. Um compromisso que Hope tem seguido ao longo de 2024 com o objetivo de se reconectar consigo mesma e reavaliar as suas prioridades. Intenções claras partilhadas pelas milhares de mulheres saturadas do ciclo de dating. 

The official boysober rules lmk if you had questions or feedback

"Conhecia pessoas de dois em dois meses e às tantas sentes-te cansada. Estás a dar e sempre a recomeçar. O ponto das relações é a pessoa ter alguma coisa que te acrescenta", explica Soraia. Também Genira diz que é "muito exigente com a presença e com a entrega da pessoa que tenho ao lado. Talvez as minhas expectativas é que estavam desalinhadas e que era tempo de me preservar, evitando relações novas e focando apenas em mim e nas minhas aspirações individuais". Ainda que as redes sociais assegurem estas mulheres de que não estão sozinhas nesta fadiga de relações a curto prazo, é um fenómeno que está mais próximo ainda: Genira confessa que "quase todas as minhas amigas estão a passar por isso". É um apoio que confere a compreensão necessária nestes tempos. "Talvez por isso eu tenha tanta clareza sobre o tema. Estamos todas, à nossa maneira, a escolher estar sozinhas, inclusive fazemos muitas coisas juntas - que na teoria seriam feitas na companhia de namorados - tipo dates em restaurantes giros, viagens…" Já se dizia que mais vale sozinha do que mal acompanhada. Mas melhor do que qualquer uma das duas opções, é estar com a boa companhia de uma amiga, sem a dor de cabeça provocada por um parceiro com quem o match parece ter sido engano. 

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