Tal como boa parte das famílias portuguesas, que nesta altura se prepara para ir de férias para o Algarve, Rachel, a protagonista deste livro – mais conhecida como Rocky –, e a sua família também estão a caminho de umas férias à beira-mar, em Cape Cod, no nordeste dos Estados Unidos. Está feliz porque conseguiu convencer os filhos jovens adultos a virem também (o filho trouxe a namorada de longa data de quem todos gostam) e uns dias mais tarde chegarão os seus pais. Nem sequer Chicken, o gato, foi deixado para trás. Quem também veio, mas sem ter recebido convite, foi a menopausa e os seus sintomas, a desolação por sentir o ninho cada vez mais vazio, a angústia com a possibilidade de perder os pais e a irritação por o seu marido se manter tão atraente apesar da idade. Chamemos-lhe as quatro cavaleiras do apocalipse da meia-idade feminina. Sempre presentes e sempre a criar confusão, discórdia e mal-entendidos. Sandwich é um livro um bocadinho lamechas, mas muito divertido e, tal como uma boa sanduíche, vai fazer-lhe excelente companhia na praia. De tal forma que, quando chegar ao fim, vai chorar por mais.
A Sandwich deste título tem um duplo sentido. Tanto se refere à refeição leve sem a qual a praia não é digna desse nome – e a protagonista tem uma tal imaginação para recheios que só dá vontade de tirar notas (principalmente se estiver a ler com fome) –, como alude à geração entre os 45 e os 55, que está ensanduichada entre filhos adolescentes ou jovens adultos que ainda precisam de apoio, e pais idosos que começam a ficar doentes e a precisar de mais tempo e atenção. Ou seja, para as mulheres é precisamente aquela (nada) magnífica fatia de tempo em que a perimenopausa ataca em força.
Há 20 anos que Rocky e a família vão de férias para Cape Cod e alugam sempre a mesma casinha de praia. Duas décadas de memórias, alegrias, tristezas, mas também de segredos que nos vão sendo revelados. Aquilo que, de início, parece ser uma leitura leve e engraçada sobre peripécias familiares à beira-mar – um livro para passar o tempo sem cansar a cabeça –, depressa se transforma numa coisa mais profunda, com a narrativa atual a ser entrecortada com memórias de outros verões, nem todas boas. O drama, porém, é sempre contrabalançado com doses de humor, umas vezes irónico, outras vezes básico, como aquelas piadas de pai (ou mãe) às quais ninguém acha graça, mas das quais toda a gente se ri.
Acima de tudo, Sandwich tem uma linguagem muito verdadeira e sem filtros, é quase como se estivéssemos a viver dentro da cabeça da protagonista, uma mulher muito querida, com sentido de humor, mas bastante controladora e enraivecida pelas flutuações hormonais. Muitas leitoras vão, certamente, rever-se nas coisas que ela diz e faz, mas mais ainda nas coisas que ela pensa.
Vale a pena partilhar um excerto. Um episódio passado quando toda a família vai a uma livraria e Rocky tenta escolher um livro:
“Na secção de Autoajuda, decido dar uma olhadela ao índice de um livro duvidosamente fino de seu nome ‘Menopausa’. Nada de ‘atrofia vaginal’. Ou ‘vaginal, atrofia’. O facto de ter um capítulo chamado ‘Você e os seus Humores!’ só me dá vontade de partir um frasco de antidepressivos na cabeça de alguém. Fecho-o com um gesto brusco e enfio-o de novo na estante. O livro de que ando à procura chamar-se-ia qualquer coisa como ‘Trauma Ginecológico e Ressentimento: a Tua Vagina Não Passa da Porra de uma Casca’ (mas por alguma estranha razão, não o encontro). Encontro, sim, o livro de memórias que li no ano passado, da autoria de uma robusta e divertidíssima autora versada em menopausa que lixa a carreira e o casamento e se afasta de todos os seus amigos e acaba a viver sozinha no seu carro. Uma lenda viva!”
Pelo meio disto, há histórias de gravidezes perdidas, de arrependimentos e de um enormíssimo trauma geracional. Uma estranha, aleatória e pungente mistura agridoce – cópia muito credível da vida real.
Um aviso: leitoras sem filhos e/ou que cresceram com uma mãe que emana o calor humano de um obelisco, vão, muito provavelmente, sentir-se incomodadas com a paixão avassaladora e babosa que Rocky sente pelos filhos e que não faz qualquer esforço para esconder ou disfarçar. Mas vale a pena tapar o nariz e seguir em frente. Sandwich é um livro bem escrito, que desiludirá apenas quem estiver à espera de literatura estilo pastilha elástica: para mascar e deitar fora. No fim, aquela família deixa mesmo saudades.
Sandwich é de autoria de Catherine Newman, escritora norte-americana e autora bestseller do New York Times. Foi editado pela Singular, uma chancela da Porto Editora, custa 15,98 euros e está à venda nas livrarias do costume.