Quando foi a primeira vez que percebeu que havia desigualdade entre homens e mulheres? Considera-se feminista? O que pensa da existência de um Dia Internacional da Mulher? A Máxima pediu aos candidatos que concorrem às eleições legislativas deste domingo que respondessem a um questionário sobre temas como a interrupção voluntária da gravidez, a eutanásia, ou a necessidade de um Ministério para a Igualdade.
Sem cronómetro ou a pressão do tempo, Inês Sousa-Real, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Pedro Nuno Santos, Rui Rocha e Rui Tavares responderam, por escrito, às mesmas dez questões. Às portas das eleições legislativas, e em vésperas de celebrar o 8 de março, eis o que os líderes dos partidos com assento parlamentar têm a dizer — nas suas palavras.
Todos os líderes de partidos com assento parlamentar foram convidados e todos aceitaram receber as perguntas da Máxima. André Ventura, do partido Chega, e Luís Montenegro, da Aliança Democrática, decidiram não responder.
Quando foi a primeira vez que percebeu que havia desigualdade entre homens e mulheres?
Quando vi a minha mãe trabalhar na construção civil e percebi que ela fazia o mesmo que os homens, mas recebia menos pelo facto de ser mulher.
As mulheres continuam a receber menos do que os homens (menos 13,1%, segundo os dados mais recentes da Eurostat) e estão sub-representadas, na política e na economia, nos cargos de decisão e poder. Que proposta tem o partido para atenuar esta desigualdade?
Não há uma proposta para enfrentar o conjunto de desigualdades nos diversos domínios que a pergunta encerra, mas uma política alternativa – a política patriótica e de esquerda – que o PCP preconiza com soluções para um Portugal com futuro de que é parte indissociável o cumprimento dos direitos das mulheres, concretizar a igualdade no trabalho, na família e na vida. As discriminações salariais das mulheres e os baixos salários traduzem uma desvalorização do contributo que as trabalhadoras dão à criação de riqueza e ao funcionamento do País indissociável de um modelo económico assente em baixos salários para todos os trabalhadores.
O combate às discriminações salariais e a concretização da igualdade salarial é indissociável de uma política assente no fim da precariedade laboral, do aumento geral dos salários, num mínimo de 15% e não inferior a 150 euros, da valorização das carreiras e profissões de todos os trabalhadores do sector privado e público e do aumento do salário mínimo nacional para 1000 euros em 2024.
Melhores salários representa assegurar a necessária autonomia económica e social das mulheres, que ao mesmo tempo deve ser acompanhada por um efectivo combate às discriminações — salariais e em função da maternidade, entre outras — dando verdadeira eficácia aos instrumentos de deteção e combate às discriminações e ao cumprimento da legislação. O programa eleitoral do PCP concretiza um conjunto de prioridades para fazer cumprir os direitos de todas as mulheres à igualdade, no trabalho, na família e na sociedade, para assegurar os direitos das crianças e dos pais com garantia de acesso à habitação, com estabilidade de emprego e nos horários, redução do horário de trabalho para as 35 horas e licenças de maternidade e paternidade pagas a 100% pelo menos até aos sete meses do bebé. A política de promoção dos direitos das mulheres que o PCP propõe assume um claro compromisso com a valorização da luta emancipadora das mulheres, com o papel das organizações de mulheres em defesa dos seus direitos e com o reforço da participação das mulheres na vida social, política, cultural e desportiva.
Em 2023 foram registados 30.323 crimes de violência doméstica, e 22 vítimas mortais (17 das quais mulheres), em Portugal. No ano passado, as autoridades receberam perto de três mil queixas relacionadas com o crime de violência no namoro. O que falta fazer?
Os dados que refere são expressão gritante de um problema social que tem de ser erradicado. Desde logo concretizando uma política que esteja verdadeiramente centrada na prevenção e combate a todas as formas de violência sobre as mulheres. Desde logo fazendo cumprir os direitos das mulheres; direito ao trabalho, valorização dos seus salários, acesso à habitação, creches gratuitas para que possam decidir sobre as suas vidas, incluindo libertar-se da violência doméstica. Complementarmente é fundamental ampliar a informação e apoios diversificados, criando uma estrutura descentralizada geograficamente, pública e social, devidamente articulada com meios humanos, técnicos e financeiros, que assegurem uma intervenção continuada na informação, no apoio e encaminhamento e na protecção das vítimas de violência doméstica, implementar a intervenção de equipas multidisciplinares — advogados, psicólogos e outros técnicos — de apoio às mulheres vítimas de violência doméstica. E é preciso não esquecer a necessidade de ampliar os Programas de apoio e recuperação dirigidos aos agressores visando a prevenção da reincidência desta forma de violência sobre as mulheres. A violência no namoro impõe a necessidade de investir na promoção dos valores da igualdade e respeito nas relações pessoais, no assegurar que o namoro seja desfrutado com respeito mútuo, com bem-estar, quer individual, quer enquanto casal. Acresce a subversão de valores que resulta da exposição dos jovens a diversas formas de objectificação do corpo das mulheres que atentam contra a sua dignidade, à pornografia e à proliferação de concepções que promovem a exploração das mulheres na prostituição. Acresce as medidas que propomos relativamente à exploração na prostituição com a adoção de uma estratégia assente na consciencialização da sociedade para esta grave forma de violência que atenta contra a sua dignidade e direitos; prevenção das situações económicas e sociais que levam as mulheres a sujeitarem-se a esta forma brutal de exploração e violência e a promoção de medidas que fomentem as oportunidades de saída da prostituição das pessoas que decidam libertar-se, e a criação de medidas multidisciplinares, como serviços de apoio educativo, laborais, habitacionais e de saúde física e psicológica.
A interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas deve ser permitida?
A prolongada luta travada contra o aborto inseguro e pelo direito da mulher a decidir por uma maternidade responsável e desejada, que o PCP assumiu de forma determinada ao longo de muitos anos, levou à aprovação de uma lei em 2007 que prevê a realização da interrupção voluntária da gravidez, por opção da mulher até às 10 semanas e às 24 semanas quando existem motivos para prever que o nascituro venha a sofrer, de grave doença ou malformação. É fundamental cumprir esta lei no Serviço Nacional de Saúde indissociável do reforço do Serviço Nacional de Saúde.
As escolas devem permitir o acesso dos alunos a casas de banho tendo em consideração o seu direito à autodeterminação de género?
As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos e tendo presente a sua vontade expressa, aceda a casas de banho e balneários, assegurando o bem-estar de todos, procedendo-se às adaptações que se considerem necessárias. Consideramos que deverá existir flexibilidade de decisão e organização das escolas, face à sua realidade concreta, para que possam encontrar as soluções mais adequadas.
O próximo Governo deve promover a realização de um referendo à morte medicamente assistida (eutanásia)?
Não. Há uma razão formal e constitucional: as leis aprovadas na Assembleia da República não podem ser referendadas. O PCP não acompanhou a proposta de realização de um referendo sobre a eutanásia quando discutida na Assembleia da República em 2020, pela mesma razão que rejeitou em 1998 a realização de um referendo, por acordo negociado entre o PS e o PSD, sobre a interrupção voluntária da gravidez: estamos perante direitos fundamentais, que não devem ser referendados tendo a Assembleia da República tanto legitimidade como o dever de decidir. Votámos contra os projectos de lei que visaram legalizar a eutanásia. Não há, na nossa posição, qualquer juízo de valor negativo acerca de quem, baseado na sua reflexão ou experiência individual, defende posição contrária à nossa. Discordámos das decisões tomadas na Assembleia da República e não abdicamos dos nossos fundamentos, mas não questionamos a legitimidade desta Assembleia para tomar decisões. Mas o que está em causa não é a opção individual de cada um sobre o fim da sua vida, mas a atitude do Estado e da sociedade relativamente à fase terminal da vida dos cidadãos. O que está em causa é saber se um Estado que nega a muitos cidadãos os meios para viver dignamente lhes deve oferecer os meios legais para antecipar a morte.
Para nós o Estado Português não pode continuar a negar à maioria dos seus cidadãos os cuidados de saúde que necessitam, particularmente nos momentos de maior sofrimento. É fundamental a criação de uma rede de cuidados paliativos com carácter universal. Para o PCP, um país não deve criar instrumentos legais para ajudar a morrer quando não garante condições materiais para ajudar a viver.
O Ministério para a Igualdade foi um departamento do Governo efémero, entre 1999 e 2000. Atualmente existe uma Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações. Faria sentido a existência de um Ministério?
As questões da Igualdade e das Migrações envolvem áreas muito vastas. No que concerne à igualdade e aos direitos das mulheres, as soluções na orgânica de governo podem ser diversas. Mas o que é de fundo é o conteúdo das políticas económicas, laborais e sociais que pode debelar as discriminações, desigualdades e violências que penalizam a condição e estatuto social das mulheres e fazer cumprir os direitos das mulheres: estudantes, trabalhadoras, micro e pequenas empresárias, agricultoras e rurais, reformadas e pensionistas, no trabalho e na família, concretizando a igualdade nas suas vidas.
Uma política que assente na elevação das condições de vida e de trabalho das mulheres e assuma complementarmente a prioridade no reforço dos mecanismos de prevenção e combate às discriminações e violências, com a valorização da luta emancipadora das mulheres, com o papel das organizações em defesa dos seus direitos e com o reforço da participação das mulheres na vida social, política, cultural e desportiva.
Faz sentido haver um Dia Internacional da Mulher?
Sim, faz todo o sentido por três razões fundamentais. A sua histórica data criada em 1910, proposta por Clara Zetkin, visou a afirmação da luta organizada das mulheres, designadamente das trabalhadoras contra a exploração laboral, por direitos sociais e políticos e pela sua emancipação social. A justeza das razões deste dia transformaram-no num símbolo da luta das mulheres em Portugal e no mundo pela igualdade, o fim das violências, contra a guerra e pela Paz. Cinquenta anos após a Revolução de Abril, a comemoração do Dia Internacional da Mulher afirma as aspirações das mulheres e a sua luta por melhores condições de vida e de trabalho, por melhores serviços públicos, pela concretização da igualdade no trabalho, na família e na vida. Porque é preciso cumprir Abril na vida das mulheres. Esta é uma data com a maior atualidade no presente e para o futuro.
Considera-se feminista?
Enquanto comunista luto em defesa dos direitos das mulheres e pela sua emancipação social como parte integrante de um País mais justo, de progresso social e soberano. Sou um aguerrido ativista em defesa dos direitos das mulheres.
Qual a mulher que mais admira? Porquê?
A minha mãe, porque ela, na sua vida, no seu percurso, me mostrou e demonstrou as razões fundas pelas quais eu me empenho todos os dias em particular no que diz respeito à igualdade entre mulheres e homens. Com ela e com o meu pai aprendi uma lição de vida que me acompanha até hoje.