Panda Bear: “quis que qualquer pessoa que ouvisse as músicas se sentisse amada”
Conversámos com o artista Panda Bear sobre as suas origens, a influência da música experimental na sua vida e como é viver em Lisboa.
Foto: Fernanda Pereira13 de março de 2019 às 07:00 Rita Silva Avelar
Noah Benjamin Lennox é o guitarrista e compositor por detrás de Panda Bear, o projeto a solo do músico nascido em Vírginia, nos Estados Unidos, membro dos experimentais Animal Collective. Panda Bear acaba de apresentar o seu sexto álbum de originais – Buoys, editado a 8 de Fevereiro, disco que sucede a Tomboy (2011) e Panda Bear Meets the Grim Reaper (2015), antecipado com os temas Token e Dolphin.O artista, que se mudou para Lisboa há vários anos, tem concerto marcado para dia 24 de abril no Grande Auditório da Culturgest. Antes, falou com a Máxima.
Como era a cultura musical de Virgínia, onde nasceu, e quais são as primeiras memórias musicais?
Saímos de Virgínia quando eu tinha três anos… Eu tenho só uma imagem na minha cabeça de Virgínia que é uma rua com restaurantes de fast food, uma série deles como o McDonald’s. É uma imagem triste de infância, mas é mesmo só o que me recordo. Com essa idade mudámo-nos para Baltimore. Tive duas vias para a música, quando era pequeno. Uma era a minha mãe, que sempre esteve no meio do ballet, aliás ela ainda dança. Em casa, tínhamos sempre a rádio na música clássica... E depois, no carro, o meu pai sintonizava sempre em estações com música dos anos oitenta, hits… estas são as minhas primeiras memórias da música. Tinha também a sorte de termos um piano em casa. Eu pareci interessado o suficiente para os meus pais me inscreverem em lições de música – o que eu adorei. Recordo-me de a professora de música ter dito aos meus pais para me colocarem numa escola "a sério" porque eu estava a evoluir muito.
Como é que se tornou artista a partir dai?
Eu não me lembro disto, mas após três aulas com o senhor com quem passei a estudar (que era exigente), saí dessa aula e desisti. Eu senti que essa nova perspectiva [sobre aprender música] não iria resultar. Tenho memórias vagas desse episódio. A escola que frequentei, depois, era muito estranha, todas as manhãs ouvíamos discos, havia sempre música, e acabei por integrar a orquestra da escola, onde tocava violoncelo. Quando cresci, fiquei mais receptivo ao treino formal. Dessa vez foi a última vez que estudei.
Já na altura em que tocava piano, adorava inventar, improvisar… E tenho dois irmãos, um irmão mais velho e uma irmã mais nova. Todos estão na música… Porque os meus pais incentivaram esse nosso lado. A certa altura, compraram um sintetizador e foi o primeiro aparelho que quis investigar, conhecer todas as funcionalidades. Foi o primeiro instrumento que usei para fazer música. Lembro-me de ver um vídeo dos Daft Punk à noite, e pensar "isto é o que eu faço! Repetições, e sessões em loop". E eu não tinha, na altura, uma visão do que estava a fazer. Na altura conhecia já o Josh [Dibb] mas não estava muito virado para a música alternativa. Nem sabia nada sobre música electrónica. Antes dos Animal Collective, trabalhei numa loja de bagels e conheci a Jen, que era cinco ou seis anos mais velha que eu. Ela dava-me cassetes com música para ouvir de bandas como Sun City Girls… E nessa altura comecei a procurar pessoas com gostos diferentes. Quem me dera dizer que foi algo que veio dentro de mim, mas não foi assim que aconteceu.
Eu diria que o momento em que os meus pais que me ofereceram o sintetizar marcou o início do meu percurso como produtor de música.
Estudou religião, antes de ser artista. Como recorda essa fase da sua vida?
Eu cresci em Baltimore, onde começamos a tocar como Animal Collective. Mas foi em Nova Iorque que desenvolvemos o coletivo (se perguntar aos outros membros, talvez tenham uma perspectiva diferente da minha). Eu comecei a estudar Religião em Nova Iorque e decidi desistir no terceiro ano (…) não sabia bem o que estava a fazer, só que gostava de teologia e de descobrir mais sobre o conceito de Deus. Continua a ser um assunto que me interessa, mas quem me dera que na altura [do curso] alguém me tivesse dito que tudo o que aprendi era importante para um dia "fazer dinheiro". Só sabia que era um tema interessante para se pensar sobre. Não é mesmo o melhor trilho profissional para se ser financeiramente sustentável…
Em que momento passou a chamar a si mesmo artista?
Eu fazia música a todo o momento, mas nunca imaginei que esse fosse o meu futuro. Lembro-me da primeira vez que escrevi "músico" num formulário para entrar num país. E fiquei a pensar, uau… É mesmo isto que eu sou. Antes, escrevia estudante de religião (risos).
O novo álbum de Panda Bear chama-se Buoys. Que quer este disco dizer ao mundo?
PUB
Eu sabia que, em termos gerais, queria fazer algo diferente de tudo. Não tinha uma visão clara do que seria, mas sabia bem o que não queria, e isso ditou o resto dos passos. Na composição não há nada que ligue nenhuma das músicas e há um certo sentimento geral nelas, quis que qualquer pessoa que as ouvisse se sentisse amada. É uma reacção a tudo o que vejo à minha volta, muito relacionado com a política.
Há vozes portuguesas neste disco, como a de Dino d’Santiago. Como é que isso aconteceu?
Conheci o Dino através do Rusty. Comecei a gravar, e o Dino estava noutra sala do estúdio. Estavam sempre pessoas a entrar e a sair. Uma noite, cruzámo-nos os dois e o Dino disse que tinha uma ideia para uma das músicas. Aconteceu assim.
Como veio parar a Lisboa, tornando-a a sua residência permanente?
PUB
Na altura lembro-me que fizemos uma viagem de seis meses em que aconteceram três ou quarto tours, só eu e o Dave [Avey Tare]. Era outubro…e demos um último concerto em Lisboa, nas Docas (acho que o sítio já não existe). Nesse momento lembro-me que estava emocionalmente em baixo, mas não tinha noção. Tinha 25 anos e sabia que [no fim da tour] me sentaria no meu apartamento em Nova Iorque e teria ataques de pânico, então não queria lá estar mais – mas não sabia onde queria estar. Assim que aterrámos em Lisboa de avião senti que me sentia bem. Na noite antes do concerto, um amigo, o Miguel, convidou-me para sair à noite com o seu grupo de amigos. Sem introduções, cruzei-me com ele na rua. Tentámos ir ao Kremlin, mas ainda não estava aberto… Eram três da manhã, ainda não estava aberto, achei aquilo surreal. Desse grupo de amigos, dei-me muito bem com a Fernanda [Pereira]. Começámos a falar muito, e a passar tempo junto durante a minha estada aqui…Eu estava alojado num hotel no Rossio: acordava e ia explorar a cidade… É uma sensação que ainda tenho hoje. Depois, a Fernanda foi visitar-me várias vezes a Nova Iorque, eu voltei cá… E um dia decidi ficar. Temos dois filhos.