O que um mau preenchimento labial nos pode ensinar sobre política

Depois da publicação de uma série de retratos pela Vanity Fair, até Trump aprendeu: na maquilhagem, como na vida, os detalhes falam mais do que as palavras.

Um close up de uma mulher loira, após artigo da Vanity Fair sobre política e governo Trump Foto: Getty Images
18 de dezembro de 2025 às 18:07 Patrícia Domingues

Por esta altura de certeza que já viu as fotografias que se seguem, da autoria de Christopher Anderson. Já as recebeu por mensagem reencaminhada no Instagram, já tropeçou num dos milhares de memes, já as viu num artigo como o do sobre os problemas causados pelas injeções labiais. Calma, não é exatamente sobre as fotografias que queremos falar agora – ou pelo menos não sobre aquilo que elas mostram de forma tão escarrapachada.

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Maquilhagem que parece uma pasta. Lábios delineados com buracos de injeções. E aquele que para qualquer adita de maquilhagem é o derradeiro faux pas - o contorno alaranjado na ponta do nariz. Grandes planos extremos do círculo íntimo do Presidente Trump – incluindo Karoline Leavitt, Susie Wiles, JD Vance e Marco Rubio – dominaram a internet desde que saíram nas páginas da Vanity Fair. Não é difícil perceber porquê, diz-nos a : "o olhar cru e sem verniz sobre algumas das pessoas mais poderosas do país é cada vez mais raro". Como é que uma equipa de relações públicas deixou isto passar?

Quando a lente de Anderson aponta para a nossa cara,  é expectável: há já duas décadas que as suas imagens mostram parte do teatro da política. O seu trabalho revela, não esconde. Aqui, ele não fotografa Trump e a sua equipa como caricaturas, mas também não os idealiza. Revela momentos de cansaço, insegurança, vaidade e silêncio – uma humanização que não gera empatia automática, mas desconforto. Talvez seja aí que estas imagens se tornam moda no sentido mais profundo: não como tendência, mas como leitura do tempo em que vivemos, do zeitgeist.

"Se for honesto, hesitei em aceitar a proposta da revista Vanity Fair para fotografar a administração Trump. Presumi, incorretamente, que me estavam a pedir para usar o meu “chapéu” de fotógrafo de celebridades. A minha sensibilidade jornalística simplesmente não se sentiria confortável a retratar políticos da forma como fotógrafos de celebridades o fizeram em portfólios semelhantes de administrações anteriores. Não este tema, não este contexto. Para minha surpresa, a Diretora Criativa Global, Jennifer Pastore, assegurou-me que esse não era o trabalho. O trabalho consistia em trazer a minha sensibilidade como jornalista e observar o tema com um olhar claro, em vez do olhar de um fotógrafo de “celebridades”. O trabalho não era fazer ninguém parecer bem ou mal. A minha missão era estar presente e fotografar de forma honesta e ponderada."

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O artigo da Vanity Fair apresenta de facto um retrato íntimo da administração Trump. Tensão constante, conflitos de poder e um clima de vigilância permanente montam um ambiente de trabalho tóxico revelado por relatos de bastidores e declarações de figuras centrais do governo. E não só: uma Casa Branca movida por impulsividade, disputas internas e lealdades instáveis, onde decisões políticas se misturam com ressentimentos pessoais e estratégias defensivas. As fotografias personificam o burnout: poses rígidas, expressões fechadas, iluminação dura e enquadramentos que isolam os indivíduos, criando sensação de pressão, desconfiança e confronto silencioso. 

Vivemos um presente em que o poder, em diferentes partes do mundo, volta a vestir-se de rigidez. Governos endurecem discursos, fronteiras fecham-se, gestos tornam-se angulosos. A estética acompanha esse movimento. O retorno do autoritarismo vem embalado em códigos visuais precisos. A autoridade confunde controlo com elegância, disciplina com força, silêncio com estabilidade. As fotografias de Anderson antecipam – ou espelham – esse momento global. Elas mostram um poder que precisa parecer sólido porque, internamente, é instável. Um poder que se estrutura mais na imagem do que na confiança, mais na performance do que na convicção. E é justamente aí que o olhar sobre estas imagens se torna quase subversivo: ao perceber que o excesso de rigidez é, na verdade, sintoma de fragilidade. A verdadeira elegância, na política como na moda, não está na dureza, mas na capacidade de flexão, de escuta, de nuance. Num mundo que volta a admirar linhas duras e silhuetas fechadas, estas imagens lembram-nos que todo o poder que teme a suavidade acaba, inevitavelmente, por cometer o maior dos seus medos - borrar a pintura.

 

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