Joana Ribeiro: "em cinema, diz-se uma palavra para dizer o mundo"
Ambiciosa e com um quê de reservada, cativante e sem qualquer vestígio de pretensão, Joana Ribeiro é já uma atriz na mira do estrelato internacional. Até ao final do ano vê-la-emos em vários filmes, esperançosamente em salas de cinema.
Foto: Pedro Ferreira22 de junho de 2020 às 07:00 Rita Silva Avelar
O telefonema que deu origem a esta conversa caiu tantas vezes que, a dado momento, quando uma de nós voltou a ligar para retomar a conversa, só nos conseguimos rir. "Devias escrever sobre isto!", ouço, entre as gargalhadas. É irónico que nem a única via possível para realizar uma entrevista à distância, no presente momento, pudesse estar disponível. Bem-disposta, enérgica e descomplicada, Joana Ribeiro [Lisboa, 1992] está longe de ser apenas mais um rosto bonito da nova geração de atrizes portuguesas a dar cartas dentro e fora do nosso país.
A sua sensibilidade para a Arte despertou primeiro para a Arquitetura (frequentou o curso durante uns meses), antes de uma viagem a Nova Iorque mudar a sua perspetiva profissional e voltá-la do avesso para o caminho da representação. Aos 28 anos, Joana Ribeiro é um nome de referência na televisão e no cinema português e internacional e parece falar dos seus projetos com uma seriedade feliz, confessando que, até há bem pouco tempo, não se via como atriz. "Quando me perguntavam a profissão nos formulários, eu escrevi ‘Estudante’ durante muito tempo. Sinto-me uma estudante da vida porque sinto que estou sempre a aprender."
Este é um ano estrondoso para esta atriz porque foi eleita uma das European Shooting Stars de 2020 durante a Berlinale, a competição do Festival de Cinema de Berlim, em janeiro passado, e também porque, em breve, estreará Fátima, do italiano Marco Pontecorvo, no qual será a Virgem Maria, integrando um vasto elenco que inclui, entre outros, Harvey Keitel e Sônia Braga. Além disso, contracenará em Um Fio de Baba Escarlate, de Carlos Conceição, e no remake The Dark Tower, de Stephen Hopkins, que será exibido na Amazon Prime. No ano passado, participou em Infinite, de Antoine Fuqua, ao lado de atores como Mark Wahlberg ou Chiwetel Ejiofor, e em Sombra, de Bruno Gascon, ambos os filmes em fase de pós-produção, segundo o IMDB.
Foi num casting que a aprovou – após cinco horas de espera e entre mais de duas mil candidatas – para desempenhar a personagem de Mariana na telenovela portuguesa Dancin’ Days (de 2012-2013) que a carreira de Joana começou. Seguiram-se outros projetos em televisão, como as novelas Sol de Inverno (de 2013-2014) ou Poderosas (de 2015-2016), e no cinema com os filmes A Uma Hora Incerta (de 2015), de Carlos Saboga, sobre refugiadas francesas durante o período do fascismo em Portugal, e Linhas Tortas (de 2019), de Rita Nunes, uma história de desencontros amorosos. Porém, o grande desafio que foi desempenhar a personagem principal da série televisiva Madre Paula (de 2017) contribuiu para o decisivo salto para o estrelato.
No ano seguinte, Joana Ribeiro foi contratada para o elenco de O Homem Que Matou Dom Quixote, de Terry Gilliam, entre atores como Adam Driver, Jonathan Pryce, Olga Kurylenko ou Stellan Skarsgård. Na verdade, quem Joana mais gostou de conhecer no mundo da representação foi Claudia Cardinale. Não é caso para menos. "É uma atriz incrível e de uma generosidade ainda maior. Admiro muito os seus filmes." Nas entrelinhas desta conversa, lê-se em Joana Ribeiro uma atriz determinada e com "garra". E quem sonha, concretiza.
Poderia ter sido arquiteta. Como surgiu a representação no seu caminho?
[Ser atriz] nunca foi algo que eu dissesse em voz alta. Eu sempre gostei muito de arquitetura e como o meu pai é engenheiro civil pareceu-me ser um caminho óbvio. Em arquitetura, fazia muitas noitadas a terminar projetos e isso não era algo que me deixasse feliz. Hoje, quando estou a trabalhar, mesmo que durma apenas duas horas por noite e esteja muito cansada, gosto tanto daquilo que faço que aguento.
Em que momento aconteceu essa determinante viagem a Nova Iorque?
Foi a minha primeira experiência a viver sozinha e foi um mês de muitas "primeiras vezes". Conheci pessoas que queriam o mesmo que eu e que também estavam "meio perdidas". Quando fui fazer um curso [de representação] de um mês, fi-lo para perceber se, porventura, poderia ser atriz. Eu não tinha nenhum exemplo próximo do que era a vida artística e essa experiência ajudou-me muito. Ao fim de um mês, soube que estava disposta a arriscar, voltei [a Portugal] e comecei a procurar escolas e monólogos para fazer as audições. Um dia, o meu pai ligou-me a dizer que ia haver um casting para uma novela na SIC. Não era a minha ideia fazer telenovelas porque não via esse género de televisão e eu até era um pouco snobe em relação às novelas. Mas fui passando os níveis de casting e fiquei com o papel. Fiz, gostei imenso e provou que eu estava errada em relação às novelas.
Qual foi o projeto que a fez querer ser atriz?
Na verdade, isso só aconteceu muito mais tarde. Até há pouco tempo, sempre que alguém me perguntava o que eu fazia, eu respondia que era estudante. Só há dois ou três anos é que comecei a escrever atriz. Sinto que estou sempre a aprender.
O que é que distingue o tempo da televisão e o tempo do cinema?
Na pergunta está a resposta. É exatamente isso: o tempo. Tem também a ver com a forma como se aborda uma personagem. Em televisão, e particularmente em novelas, a personagem está mais em "aberto", uma vez que nunca se sabe muito bem qual será o seu desfecho e, logo, não se podem fechar opções. Há esse guião em aberto. Em cinema, sabemos qual é o arco que a personagem vai fazer, sabemos tudo pelo qual ela vai passar. Em televisão, há muitas conversas de circunstância, em cinema, diz-se uma palavra para dizer o mundo. E eu acho essa sensibilidade muito bonita. Estar calado diz tanto e, às vezes, só no cinema e no teatro é que isso pode existir. As novelas têm um ritmo mais rápido, há uma demonstração maior, e no cinema isso é muito mais subtil. Em novela, gravamos 30 cenas por dia e no cinema já me aconteceu gravar uma cena em três dias.
Todas as personagens são desafiantes à sua maneira, mas qual foi a mais exigente?
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Uma das personagens que puxou mais por mim foi a Angelica, no filme [O Homem que Matou Dom Quixote] do Terry Gilliam, até porque comecei as filmagens uma semana depois de ter terminado a série Madre Paula que, por si só, foi uma rodagem muito intensa. Mais recentemente, foi muito interessante enquanto atriz perceber até onde o meu corpo conseguia ir durante a rodagem do filme de Carlos Conceição [Um Fio de Baba Escarlate]. Durante o dia eu era a protagonista de uma novela [Prisioneira, 2019-2020], durante a noite gravava com o Carlos e dormia cerca de três a quatro horas. Enquanto atriz, lido melhor com os desafios e com as cenas se estiver mais cansada porque o [meu] cérebro trabalha de uma maneira diferente. Todas as personagens me desafiaram de formas diferentes: dei-lhes coisas minhas, recebi coisas delas…Aprendi e resolvi coisas em mim graças a elas, e todas têm um lugar especial.
Empresta muito de si às personagens?
Como seres humanos estamos sempre a mudar e a escolher coisas diferentes em nós, e este trabalho permite-nos fazer mais isso. Eu acredito que todos os atores emprestam algo de si às personagens. O que a mim me interessa é ver como um ator "ataca" uma personagem, como a vai interiorizar. Ou seja, o que é que cada ator vê numa personagem que pode ser milhares de coisas diferentes [de pessoa para pessoa]. É interessante ver quando os atores escolhem coisas out of the box que não são a escolha segura. Eu não sou uma pessoa de viver na segurança e gosto de me atirar de cabeça… Às vezes corre mal!
Recorda alguma cena como sendo particularmente desafiante?
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Durante a rodagem do filme de Terry Gilliam, no Convento de Cristo, em Tomar, eu tinha de entrar numa cena onde já estavam o Jonathan Pryce, o Adam Drive, o Jordi Mollà, o Óscar Jaenada, a Olga Kurylenko e o Stellan Skarsgård à minha frente. E eu tinha um diálogo com o Jonathan Pryce muito teatral. Estava em pânico. No dia seguinte, estava a passear sozinha, em Tomar, e de repente encontrei o Stellan Skarsgård e ele foi impecável. Veio ter comigo e disse-me que tinha gostado muito daquela cena. E eu fiquei tão nervosa que comecei a chorar à frente dele [risos]. Achei-o tão simpático e atencioso que fiquei sensibilizada com o gesto.
Ser eleita uma das European Shooting Stars de 2020 foi recompensador? Como correu a experiência?
Eu adorei conhecer os outros Shooting Stars, oriundos [e oriundas] de países e de backgrounds diferentes. Por exemplo, percebi que na Geórgia e na Bulgária não existem agentes de atores ou que na Polónia as pessoas valorizam muito a cultura e a sua identidade. O que eu achei mais interessante foi perceber como é que a indústria do cinema funciona noutros países. Nenhum dos países tinha tanta tradição de novelas como Portugal. Todos eles conheciam o fado, que é o mais exportado, e alguns deles conheciam alguns nomes do cinema português como Pedro Costa, Miguel Gomes ou Manoel de Oliveira.
Portugal precisa de maior apoio à cultura. Onde se inclui a representação?
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O ano passado foi um ano muito bom para Portugal, de uma maneira geral. Mas esta pandemia aconteceu e parece que a cultura ficou para segundo plano. No outro dia li um texto que alguém partilhou sobre como, com o isolamento, conseguimos viver sem carro e sem roupas, mas não sem filmes, sem música, sem livros, sem arte… E, na verdade, num mundo sem arte, porque a arte está em todo o lado, a nossa vida seria como uma folha em branco.
Os atores portugueses estão a fazer mais televisão e cinema internacional. Foi um reconhecimento tardio?
De repente, eu sinto que houve uma abertura para Portugal, uma mudança. Tenho imenso orgulho no meu país e nos meus colegas, e acho que o mundo inteiro viu isso. O que me entristece é ver que Portugal também está a ver isso ao mesmo tempo que o mundo inteiro. Devemos dar mais oportunidades ao nosso país.
O que é que mudou para melhor?
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Se, há uns anos, era preciso ir para Los Angeles e tentar a sorte, e muitas vezes nada acontecia, neste momento não precisamos de sair de Portugal. A iniciativa do [programa] Passaporte [da Academia Portuguesa de Cinema] ajudou muito, na medida em que trouxe cineastas de todo o mundo para conhecerem atores portugueses. É o fenómeno das self-tapes [gravação para uma audição feita pelo próprio autor] que é um fenómeno bastante recente. A minha geração tem essa sorte e, neste momento, está muita coisa a acontecer (…), mas o Governo precisa de apoiar mais a cultura. No meio de todo o mal que esta pandemia trouxe, o meu desejo é que as pessoas percebam o que podem mudar que possa estar mal e que a cultura tenha um lugar importantíssimo nas suas vidas.
[Este artigo foi escrito durante o confinamento]. Styling de Susana Marques Pinto e Xana Guerra. Maquilhagem de Cristina Gomes, assistida por Catarina Cirne. Cabelos por Eric Ribeiro. Agradecimentos ao espaço Stivali pelas facilidades concedidas.