Homens evitam ler livros escritos por mulheres: 81% prefere autores masculinos

No Reino Unido, um estudo com base em 54 mil livros comprados, mostrou que, entre as 20 autoras femininas mais vendidas, menos de 20% das compras foram feitas por homens. E uma dissertação recente dá indícios de que se passa o mesmo em Portugal.

Estudo revela disparidade de género nas leituras em Portugal e Reino Unido Foto: Pexels
25 de julho de 2025 às 13:33 Madalena Haderer

Em princípio, ninguém marcha pelos corredores de uma livraria enquanto pensa: “Ah, cá vou eu comprar mais um livro escrito por um homem. O que é que está no top esta semana? Um livro escrito por uma mulher?! UGH, que nojo!” Foi, precisamente, isto que disse Richard Curtis, conhecido argumentista, produtor e realizador britânico, num post recente do Instagram de The Queen’s Reading Room, o clube de leitura criado pela rainha Camilla. E, no entanto, a verdade é que enquanto as mulheres tanto leem livros de autores masculinos ou femininos, indiscriminadamente, o mesmo não se passa com os homens, que tendem a evitar livros escritos por mulheres – ainda que, muito provavelmente, de forma inconsciente, o que, no melhor das casos, é demonstrativo de um viés, fruto, talvez, de menor contacto com obras escritas por mulheres. E, de acordo com uma dissertação defendida na Universidade Nova de Lisboa, parece estar a passar-se o mesmo em Portugal

PUB

A pesquisa é da Women’s Prize Trust, uma ONG britânica, e teve por base os dados da Nielsen BookData, um estudo de 2023 que analisou 54 mil livros comprados no Reino Unido. Os resultados demonstraram que, de entre as 20 autoras femininas mais vendidas, menos de 20% das compras foram feitas por homens, com a maioria a focar-se em obras clássicas em detrimento de obras de autoria de escritoras contemporâneas. Por contraste, entre os autores masculinos, 44% das compras foram feitas por mulheres – ou seja, elas lêem livros de autoria de ambos os géneros, mas muitos homens evitam autoras. Mais: apenas uma das 20 autoras mais vendidas de ficção e não-ficção em 2023 foi comprada maioritariamente por homens – Harper Lee –, enquanto sete dos 20 autores masculinos mais vendidos de ficção e não-ficção em 2023 foram comprados maioritariamente por mulheres, a saber: Richard Osman, James Patterson, o Príncipe Harry, James Clear, Matt Haig, Peter James e Harlan Coben.

Para combater esta disparidade, a Women’s Prize Trust, uma instituição que tem como propósito criar oportunidades equitativas para as mulheres na literatura, promovendo o acesso à escrita feminina e sua valorização por parte dos leitores, lançou a campanha Men Reading Women que inclui diversas iniciativas como desafiar escritores – Salman Rushdie, Ian McEwan, Andrew Marr, Sanjeev Bhaskar, Simon Mayo, Lee Child, entre outros – a dizerem quais são as suas escritoras favoritas.

Richard Curtis, responsável pelos argumentos de algumas de melhores comédias das últimas décadas, como Quatro Casamentos e Um Funeral, Notting HillO Diário de Bridget JonesO Amor AconteceDá Tempo ao Tempo, bem como de sitcoms tão hilariantes como BlackadderMr. Bean e A Vigária de Dibley, foi um dos escritores que abraçou a campanha Men Reading Women, algo que explicou da seguinte forma: “A minha filha tem estado muito envolvida no maravilhoso Women’s Prize – e, inspirado por ela, decidi mudar os meus hábitos de leitura. Comecei com a vencedora do Women’s Prize for Fiction desse ano [2020] – Hamnet, de Maggie O’Farrell – e desde então já li 60 livros escritos por mulheres, consecutivamente. Depois de uma vida inteira a ler Waugh, Vonnegut, Dickens e Le Carré, tem sido uma revelação e um verdadeiro prazer. Três anos de Elizabeth Strout, Arundhati Roy, Edith Wharton, Anne Tyler, Chimamanda Ngozi Adichie, Ann Patchett, Daphne du Maurier… O Women’s Prize faz um trabalho excelente – mudando a vida de escritores e leitores – e por isso é um prazer poder apoiá-lo.”

Na conversa publicada no Instagram do clube de leitura da rainha Camilla, Curtis disse ainda que, depois desta empreitada de 60 livros, agora, todas as suas escritoras favoritas são mulheres e que mal pode esperar para ler “o próximo livro da Anne Tyler, da Ann Patchett, da Sally Rooney, da Elizabeth Strout…” E terminou com a seguinte confissão: “O Women’s Prize acabou por me empurrar na direção de um mundo [literário] onde sinto, atrevo-me a dizer, uma humanidade talvez um pouco mais rica – que vai mais ao encontro do meu gosto.”

PUB

Para além desta campanha, a Women’s Prize Trust organiza, há 30 anos, um prémio anual para obras de ficção escritas por mulheres e, no ano passado, lançou também um prémio para obras de não-ficção. De resto, o post do Instagram de The Queens Reading Room é apenas um excerto de um filme – uma parceria entre o clube de leitura da rainha e o Women’s Prize Trust – feito para celebrar, precisamente, o 30º aniversário deste prémio de ficção feminina, e que pode ser visto na totalidade no YouTube.

Em Portugal, o cenário também não é animador. Prova disso é a dissertação de mestrado intitulada “Será que os homens leem livros escritos por mulheres? Um estudo exploratório do caso português (2022-2023)”, defendida por Clara Silva, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, no passado mês de março. De acordo com esta (pequena) investigação, que usou uma amostra de 400 leitores portugueses (200 homens e 200 mulheres), 81% dos homens escolheram livros escritos por homens, refletindo um padrão semelhante ao observado no Reino Unido.

Para combater este viés, faltam, por cá, instituições como a Women’s Prize Trust, embora a autora da dissertação refira alguns esforços que estão a ser feitos nesse sentido, nomeadamente, a existência de “iniciativas maioritariamente independentes que têm promovido a literatura de mulheres em Portugal: livrarias feministas (Greta), editoras especializadas (Aurora), clubes de leitura (Leitoras de Pandora), coletivos de autoras (Clube das Mulheres Escritoras), bibliotecas feministas (biblioteca especializada Ana de Castro Osório) e projetos de investigação académica”.

leia também

Mercúrio Retrógrado em Leão – Estes signos precisam de falar!

Entre os dias 18 de julho e 11 de agosto, a comunicação nas relações amorosas ganha relevo. Vai haver um desejo de libertação e maior reflexão. O mais importante será desenvolvermos uma relação de amor connosco próprias. Tempo também para ter mais tolerância com as crianças.

PUB
PUB