Guadalupe Nettel vence prémio Jan Michalski 2025

No seu livro "A Filha Única", a escritora mexicana aborda uma das questões femininas mais íntimas e universais: ter ou não ter filhos. É um romance profundo e cheio de sabedoria que fala de maternidade, da sua negação ou aceitação, das dúvidas, incertezas e até dos sentimentos de culpa que a rodeiam.

Foto: Mely Ávila
27 de novembro de 2025 às 12:48 Madalena Haderer

Foi com o livro A Filha Única que a escritora mexicana Guadalupe Nettel acaba de conquistar o prémio de literatura da Fundação Jan Michalski, um dos galardões internacionais mais prestigiados dedicados à ficção contemporânea. O romance, que já tinha chegado à final do em 2023 – certamente o prémio anual mais aguardado pelo público, suplantado apenas pelo Nobel –, volta assim confirmar o impacto global de uma autora que tem vindo a destacar-se pela forma como escreve, sem filtros nem melodramas, sobre as tensões e ambiguidades da vida moderna – sobretudo as que recaem sobre as mulheres. Com mais este prémio, Nettel confirma não apenas o momento de força da literatura escrita por mulheres, mas também o alcance universal de histórias que abordam decisões íntimas com coragem, nuance e inteligência.

No livro, Nettel mergulha numa das questões mais íntimas e universais: ter ou não ter filhos. A Filha Única conta a história de Alina que fica a saber, aos oito meses de gestação, que a sua filha não irá sobreviver ao parto. A jovem mulher e o companheiro embarcam então num processo doloroso, e ao mesmo tempo surpreendente, de aceitação e luto. Esse último mês de gestação transforma-se, para eles, numa estranha oportunidade de conhecerem aquela filha a quem tanto lhes custa renunciar. Laura, grande amiga de Alina e narradora da história, fala-nos do conflito deste casal enquanto reflete sobre o amor e a sua lógica por vezes incompreensível, mas também sobre as estratégias que os seres humanos inventam para superar a frustração. Simultaneamente, Laura conta também a história da sua vizinha Doris, de um menino encantador com problemas de comportamento.

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"A Filha Única" foi lançado em Portugal em Abril deste ano Foto: DR

Escrito com uma simplicidade apenas aparente, A Filha Única é um romance profundo e cheio de sabedoria que nos fala de maternidade, da sua negação ou aceitação, das dúvidas, incertezas e até dos sentimentos de culpa que a rodeiam, das alegrias e angústias que a acompanham. É também um romance sobre três mulheres – Laura, Alina, Doris – e dos laços de amizade e amor que estabelecem entre elas. Foi esta abordagem, simultaneamente racional e emocional, que conquistou os leitores e, agora, também o júri do prémio, que inclui nomes como Gonçalo M. Tavares e Jonathan Coe.

Na declaração oficial, o júri sublinha que a autora “explora a ambivalência materna e as contradições que moldam as experiências das mulheres com a sensibilidade de uma cirurgiã”, descrevendo A Filha Única como um romance que pensa a maternidade “para além das restrições sociais impostas aos corpos femininos”.

A atribuição do prémio reforça a ascensão da autora como uma das vozes mais estimulantes da literatura latino-americana atual. Nascida na Cidade do México em 1973, Guadalupe Nettel divide a escrita com o cargo de diretora da Revista de la Universidad de México e colabora regularmente com publicações internacionais como Granta, The White Review, El País, The New York Times, The Passenger, La Repubblica e La Stampa. A sua obra, traduzida em mais de vinte línguas, tem sido adaptada ao teatro e ao cinema, e é conhecida pela forma meticulosa como desmonta temas ligados à identidade, à família e à autonomia pessoal – sempre com personagens que habitam as zonas cinzentas entre o desejo e o dever.

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A Filha Única foi lançado em Portugal em Abril deste ano pela D. Quixote, uma chancela do grupo LeYa. Custa 17,70 euros e está disponível nas livrarias do costume.

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