Quem é Samantha Harvey, a vencedora do Booker Prize deste ano?
Foi com o livro "Orbital", o seu quinto romance, que esta autora britânica venceu o galardão literário mais prestigioso do Reino Unido. Este ano, a shortlist de candidatos era quase totalmente composta por mulheres, algo que, na história do prémio, ocorreu apenas em 2019.

Samantha Harvey, a autora britânica vencedora do Booker Prize deste ano, com o seu livro Orbital, ainda não é editada em Portugal. Falha que será corrigida em breve, com o grupo editorial Infinito Particular a comunicar que o livro chegará ao mercado nacional no primeiro trimestre do próximo ano. Harvey nasceu em 1975, em Kent, no sudoeste da Inglaterra, e não é a primeira vez que o mais prestigioso prémio literário do Reino Unido repara nela – em 2009 fez parte da longlist (a lista inicial dos potenciais vencedores) com o seu primeiro romance, The Wilderness. Orbital, o livro que, finalmente, lhe valeu o galardão, tem 136 páginas, o que faz dele o segundo mais curto da história do prémio – o mais custo de todos é Offshore, de Penelope Fitzgerald, que venceu em 1979. Samantha leva para casa 50 mil libras, cerca de 60 mil euros, e a certeza de que o interesse dos leitores nas suas obras vai disparar, qual foguetão.
Pela segunda vez nos 55 anos de história do Booker Prize (a primeira vez foi em 2019), a shortlist dos livros a concurso era liderada por mulheres: do conjunto final, composto por seis obras avaliadas (a longlist incluía um total de 13 livros), cinco foram escritas por mulheres. O único homem, o norte-americano Percival Everett, autor do livro James, e favorito à vitória, voltou para casa de mãos vazias. E, no entanto, o livro vencedor quase não via a luz do dia. Samantha Harvey escreveu alguns milhares de palavras e desistiu. Ao Guardian a autora explicou porquê: "Por que raio haveria alguém de querer ler o que uma mulher, a escrever a partir da sua secretária em Wiltshire, tem a dizer sobre o espaço, a imaginar como é estar no espaço, quando há pessoas que realmente estiveram lá? Perdi a confiança. Pensei que não tinha autoridade para escrever este livro."

Alguns meses mais tarde, depois de ter tentado escrever sobre outras ideias e de nada ter dado grande resultado, Harvey abriu, por engano, o documento Word de Orbital e achou que o que ali estava tinha mérito. Foi então que decidiu que não devia temer o projeto. "Se conseguir escrever de uma forma diferente daquela em que os astronautas escrevem sobre as suas experiências, então, talvez haja algo aqui que valha a pena", concluiu.
Apesar de ter começado Orbital antes da pandemia, boa parte do livro foi escrita durante o confinamento. Durante o tempo de escrita, Harvey tinha sempre imagens em direto da Estação Espacial Internacional a passar no seu desktop. Para a autora, foi um grande conforto poder escapar-se para o espaço durante a covid-19. "Quando estou aqui em baixo, na Terra, sinto uma grande dificuldade em encontrar consolo perante as coisas que fazemos ao planeta e uns aos outros. Mas quando faço zoom out [vendo a Terra a flutuar no espaço], consigo sentir alguma paz. Consigo olhar para o planeta sem julgamentos e apreciar a sua beleza", disse a autora ao jornal britânico.
É precisamente lá, na Estação Espacial Internacional, que se passa a acção de Orbital. No livro, Harvey, a única autora britânica da shortlist deste ano, conta a história de seis astronautas de cinco nacionalidades que estão a orbitar em torno do planeta Terra – em 24 horas dão 16 voltas, ou seja, vêem o sol pôr-se e nascer 16 vezes. Ao longo das 136 páginas, o leitor vislumbra momentos das suas vidas na Terra através de breves comunicações com a família, das suas fotografias e amuletos. Preparam refeições desidratadas, flutuam num sono sem gravidade e fazem exercícios com rotinas rigorosas para prevenir a atrofia muscular. Pelo meio disso, é possível testemunhar os laços que se formam entre eles e a solidão total. Orbital é um pequeno livro contemplativo, um hino ao planeta Terra e à sua fragilidade.

Samantha Harvey nasceu e viveu em Kent até aos 10 anos, altura em que os pais se divorciaram e foi viver para a Irlanda com a mãe. Estudou Filosofia nas universidades de York e Sheffield, tirou um mestrado e um doutoramento em Escrita Criativa na universidade de Bath Spa. Em 2009 publicou The Wilderness, escrito do ponto de vista de um homem com Alzheimer, mas o seu primeiro romance é um outro, que a autora ainda não concluiu – vive hibernado numa gaveta, à espera de melhores dias. Desde então, Harvey escreveu outros quatro romances – All Is Song, uma história sobre dever moral e filial; Dear Thief, que é uma longa carta de uma mulher para a sua amiga ausente, detalhando as consequências emocionais de um triângulo amoroso; The Western Wind, sobre um padre que vive na cidade de Somerset, no século XV; e, claro, Orbital – e um livro de não ficção, chamado The Shapeless Unease: A Year of Not Sleeping, sobre e experiência de ter passado a viver com insónia, subitamente, aos 40 anos.
Para além dos livros, Harvey escreve contos para a revisa Granta e a BBC Radio 4, e resenhas de livros para o Guardian e o The New York Times, e contribui com ensaios e artigos para a revista New Yorker, a revista Time, o jornal The Telegraph, entre outras publicações, e dá aulas de Escrita Criativa na universidade de Bath Spa.
Antes de se saber quem era o vencedor do Booker Prize, o jornal britânico The Economist perguntou a Samantha Harvey o que ia fazer com o dinheiro, caso ganhasse. "Tirar tempo para dedicar à escultura [um hobby da escritora] e comprar alcaçuz dinamarquês", respondeu. Tendo em conta que, por exemplo, conforme indica o jornal, as vendas do livro Shuggie Bain, do escritor Douglas Stuart, o vencedor do Booker Prize em 2020, tiveram um aumento de 1900% em uma semana depois de o prémio ter sido anunciado, é muito provável que Samantha Harvey venha a enjoar o alcaçuz dinamarquês.

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