Europeu de Futebol Feminino: Uma derrota para a história
O estádio de Wankdorf, em Berna, na Suíça, registou a maior enchente alguma vez vista na fase de grupos de um Europeu feminino, para assistir a um Espanha-Portugal desnivelado em termos de resultado, mas que mostrou ao mundo o poder da paixão e da superação do futebol jogado por mulheres
Futebol feminino: Portugal supera Espanha em Berna, apesar da derrota
Foto: André Sanano / FPF07 de julho de 2025 às 12:45 Miguel Judas
Portugal entrou em campo, na passada quinta-feira, com o coração apertado, depois de um minuto de silêncio duro, em honra do jogador português Diogo Jota e do irmão André Silva, falecidos horas antes num brutal acidente de viação. Um peso emocional que marcou o início de um confronto desigual, pois logo aos dois minutos, Esther González inaugurou o marcador para a Espanha; aos sete foi Vicky López a ampliar, e pouco antes do intervalo, Alexia Putellas fazia o 3-0, deitando por terra o sonho português de pontuar contra as campeãs do mundo. No segundo tempo o jogo continuou ao ritmo espanhol, com novo golo tardio de González e, já nos descontos, com Cristina Martín-Prieto a concluir de cabeça o 5-0 final.
A superioridade de Espanha foi total, como o comprovam as estatísticas, que confirmam esta seleção como a equipa com mais passes por jogo na última década – tem uma média de 530. Sobre a história do jogo pouco mais haveria a dizer, mas esta crónica não é sobre Espanha, mas sim sobre a odisseia do futebol femininoem Portugal até este momento.
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Há apenas uma década, “As Navegadoras”, como hoje são popularmente conhecidas, viviam quase à margem da modalidade; hoje, contam já com três presenças consecutivas em Europeus (2017, 2022, 2025) e uma inédita participação no Mundial de 2023. E, apesar de ainda nunca terem conseguido ultrapassar a fase de grupos, mantêm uma sólida e ascendente evolução, que poderá ser surpreendente para alguns, mas não para quem assistiu ao jogo de Berna, apesar da copiosa derrota e dos erros, normais em qualquer processo de crescimento desportivo.
Em Berna, Portugal defronta Espanha num jogo do Europeu de futebol feminino
Foto: André Sanano / FPF
A recente qualificação para o Europeu exprime aliás esse percurso, com um domínio no grupo da Liga das Nações e uma fase de apuramento com vitórias frente ao Azerbaijão e à Chéquia a consolidarem um grupo com cada vez mais ambição e, pormenor importante, uma enorme auto-estima e espírito de entreajuda, como mais uma vez ficou bem patente no jogo frente a Espanha.
O crescimento no apoio popular também tem sido notável, com os 40.189 adeptos que assistiram à partida de qualificação com a Chéquia, a 29 de novembro de 2024, no estádio do Dragão, a baterem o recorde de público para um jogo de futebol feminino em Portugal. E agora, em Berna, um novo marco, com um estádio lotado por 29.520 pessoas, que representam a maior audiência de sempre num jogo da fase de grupos de um campeonato da Europa de futebol feminino.
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O facto de Espanha ser a equipa campeã do mundo muito terá contribuído para isso, mas também é verdade que quase metade eram portugueses. E mesmo quando já se perdia por quatro a zero, a claque nacional sempre se continuou a fazer ouvir, merecendo, no final, o aplauso de todo o estádio e um agradecimento muito especial das jogadoras da seleção – são também cenários como este que ajudam a levantar a fasquia da ambição federativa, mas também dos patrocinadores.
Se os resultados desportivos ainda não acompanham a evolução, o caminho é cada vez mais claro, até porque é sabido que no desporto cada derrota traz lições. A geração que viu Portugal no Mundial e na Liga das Nações começou com o futebol feminino como um ramo quase invisível do denominado desporto-rei. E, hoje, tornou-o numa causa nacional, como se pode testemunhar em Berna, perante a todo-poderosa Espanha.
A derrota com Espanha foi dura e, em futebol, 5-0 nunca deixa margem para grandes interpretações, mas que sirva para colocar o foco num nível competitivo ainda com muito por escalar para ser atingido. Tudo isso, porém, é passado. Nos próximos dias seguem-se já os encontros com Itália (esta segunda-feira, 7 de julho) e Bélgica, reavivando-se também o sonho de se chegar finalmente aos quartos-de-final, marco ainda não alcançado pela seleção em Europeus.
Francisco Neto, o treinador à frente da equipa desde 2014, tem ouvido elogios pelo percurso sem pressas, mas de passos firmes. O registo de público desta terça-feira comprova que o trabalho tem dado frutos que já vão vai muito além do relvado. Esta seleção conquistou o país nas bancadas e nas ruas, provando que a igualdade, tal como os bons resultados em campo, pode ser muito mais do que um sonho.
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Futebol feminino português procura brilhar no Euro 2025 após jogo em Berna
Foto: FPF
Afinal, uma competição como um campeonato da Europa não se resume apenas às vitórias ou às derrotas. É também um espelho da equipa, do trabalho desenvolvido e até do país que se representa. Revela a distância percorrida, as lacunas ainda por cobrir, mas acima de tudo serve para consolidar o lugar que o futebol feminino português já ocupa – dentro e fora do relvado. E, em Berna, mostrou que está vivo, com gente a acompanhá-lo e uma equipa com vontade de fazer o que, até há pouco tempo, parecia impossível.
A seleção até pode ter saído do campo derrotada e com zero no marcador, mas ficou mais rica na sua história. O Euro 2025 começou em Berna, mas a jornada continua em Genebra, frente a Itália, esta segunda-feira, e em Sion, contra a Bélgica, na próxima quinta-feira, 11 de julho, onde o futebol feminino português terá mais palco e tempo para brilhar.
No final do embate com Espanha, que não seja a derrota a ficar para memória, mas sim tudo o que já foi conquistado desde que o futebol feminino decidiu existir desta forma: forte, persistente e capaz de olhar de frente para qualquer adversário, até para a equipa campeã do mundo.
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