Dating em Lisboa. “Tenho vários homens que me tratam de outros assuntos, porém, nenhum capaz de me arranjar o chuveiro”

Foto: IMDB / 'New Girl'
10 de outubro de 2024 às 16:06 Maria Pestana

"Já viste que o suporte do teu chuveiro se está a partir?", disse depois de sair do banho, limpando-se com a toalha branca com berloques coloridos que lhe dei. Não sei quantas pós-graduações e um MBA tirado numa faculdade internacional de nome chique e só me conseguia apontar o óbvio: dali a uns dias estaríamos a tomar banho de chuveiro na mão. Se ainda hoje os homens mal conseguem encontrar o clítoris, seria pedir demasiado que, pelo menos, continuassem a arranjar coisas em casa? Assumo que este pensamento possa ser retrógrado e que uma comunidade de feministas me possa cair em cima. Porventura estarei até a ser machista, sexista certamente. É claro que eu podia resolver o problema. Disponho de todas as competências necessárias para tal, duas mãos e um cérebro, simplesmente não me apetecia. E para todos os efeitos continuo a achar extremamente sensual que um homem consiga trazer soluções para cima da mesa. Neste caso, para o chuveiro. Disponho de uma caixa de ferramentas cedidas pelo meu pai para emergências, mas apreciava ter na minha vida um homem que soubesse o que fazer com elas. Um homem que dissesse "Tens a base do chuveiro a sair. Amanhã, trato-te disso", seria um homem que me deixaria extremamente grata e feliz.   

Há semanas que observava o suporte do chuveiro ceder, sabendo o que precisava de ser feito, mas não tinha nem berbequim, nem parafuso. Tenho chave de fendas, chave de estrelas, um alicate e um martelo. E, durante cinco anos, mantive uma relação de favores com o chefe de obras da minha senhoria que me tratava dos problemas domésticos básicos em troca de cerveja e uns minutos de conversa. Por isso, nunca tive necessidade de aumentar a quantidade de ferramentas. O Sr. Nelson, um cabo-verdiano de meia-idade, costumava vir tratar-me do que fosse necessário e ao que fosse necessário acrescentava sempre mais qualquer arranjo. Era o silicone na bancada da cozinha, as tomadas a saírem da parede. Dava gosto dizer "Oh, Sr. Nelson, precisava que me viesse aqui tratar de uma coisinha". Eu não estava a falar sobre sexo, mas o Sr. Nelson chegava e resolvia. Em troca tinha sempre uma cervejinha fresca para lhe oferecer. "Tem aí uma ‘verdinha’?", perguntava ele no fim e eu tinha. Depois ficávamos uns minutos à conversa enquanto ele bebia a sua bejeca, me falava sobre a mulher ou sobre os filhos e eu lhe falava sobre a crise da habitação ou a falta de recolha de lixo na cidade. Tínhamos o arranjo perfeito: o Sr. Nelson resolvia os problemas práticos, enquanto eu continuava na labuta pela procura do amor, que é como quem diz que continuava iludida à procura do tal.  

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A vida não era perfeita, mas quase. Um dia, o Sr. Nelson decidiu ligar-me. Há demasiado tempo que nada se avariava nem precisava de arranjo em minha casa. Queria saber de mim. Não estranhei. Atendi, falámos como de costume. Conversa para aqui. Conversa para ali. "Não leve a mal, mas queria fazer-lhe uma pergunta. Tenho pensado em si. Será que lhe posso ligar de vez em quando para falarmos? Gosto muito de falar consigo, aprende-se sempre qualquer coisinha. Sabe que a minha realidade é outra, lido com outro tipo de pessoas…". Deixei-o falar, pensado que lá se ia o nosso arranjinho perfeito e que ainda não me tinha mudado as cordas do estendal. "Oh, Sr. Nelson, pode ligar-me sempre que quiser, tenho muito gosto em falar consigo, mas já dizia o meu avô, que Deus o tenha, conversa comprida faz quem quer, e eu não quero". Adeus, janelas calafetas este inverno. Que o próximo mercúrio retrógrado não me traga nenhum cano roto ou entupido, porque vai ser muito estranho olhar para o Sr. Nelson depois desta conversa. No entanto, não podia deixar de achar que era bastante másculo da sua parte jogar charme para o meu lado quando a rejeição seria mais óbvia do que o contrário. Olhem só o trolha de meia-idade a tentar algo com a inquilina uma série de anos mais nova. É preciso tê-los no sítio!  

Não era propriamente uma torneira que pingava, mas enquanto me lavava olhava para o parafuso a ceder com a mesma irritação de um "ping ping". O que fazer? Podia dirigir-me a uma grande superfície, apetrechar-me de mais ferramentas e resolver eu própria o problema. Podia ceder e ligar ao Sr. Nelson que viria em meu socorro assim que lhe fosse possível, mas corria o risco de abrir portas a outras interpretações. Podia fazer como qualquer boa filha e ligar ao meu pai, mas ouviria um "ainda não arranjaste um homem que te trate disso?". "Não pai, tenho vários homens que me tratam de outros assuntos, porém, nenhum capaz de me arranjar o chuveiro!", responderia mentalmente, pois nunca ousaria dizer tal coisa em viva voz.

"Pois. Por acaso não tens um berbequim? Na verdade, isso só precisa de um parafuso novo com bucha", decidi tentar por via das dúvidas, na esperança vã de que o Sr. Doutor se viesse a demonstrar mais útil do que imaginei. Em vez disso, olhou para mim com um ar confuso. "Não, não tenho. O meu pai talvez tivesse…". Como pude julgar que teria? Claro que não, até porque um homem com tanta instrução defende a prática da economia circular. Por isso, contrata outro homem para fazer aquilo que ele não tem competências para fazer ou, simplesmente, não quer. Tal como eu, na ausência do meu Sr. Nelson, me veria forçada a fazer.  

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Algumas semanas depois, voltámos a partilhar o banho. Eu ensaboava-me para o meu lado. Ele para o dele. "Ah, já tens o chuveiro arranjado!", comentou com alguma admiração, como se eu tivesse demorado demasiado para contratar alguém para me resolver o assunto. "Hum, hum", murmurei. "Quem é que cá veio?", perguntou sem realmente ter interesse. "Ninguém. Tratei eu mesma do problema". Fiz o que qualquer mulher sábia faria: dirigi-me a uma loja chinesa e comprei cola prego. Agora, para a base do chuveiro se descolar a parede terá de vir atrás. Senti uma pontada de orgulho de mim mesma por dominar tão bem a arte do desenrascanço. Sempre foi algo que admirei em mim e das poucas coisas que consegui admitir sem gaguejar ou corar. Mais tarde, encontrei no Instagram uma página chamada "Marido de Aluguel", especialistas em praticamente todo o tipo de reparações (curiosamente, num primeiro rascunho deste texto escrevi relações, em vez de reparações). Fiquei esperançosa, afinal, ainda existem homens capazes de resolver os nossos problemas domésticos com uma caixa de ferramentas - só temos de estar disponíveis para pagar o preço.  

 

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