Crónica Isabel Stilwell. Sobre dizer não: funcionam melhor as respostas francas do que as desculpas esfarrapadas

Crónica sobre dizer não: respostas francas são melhores que desculpas Foto: IMDB / 'Working Girls'
26 de setembro de 2025 às 12:28 Isabel Stilwell

Não faço ideia porque é que não celebramos a passagem de ano em setembro, já que é mesmo em setembro que começa o novo ano, com a sua lista interminável de objetivos, de comportamentos que vamos mudar.

Inscrevemo-nos no ginásio, nas aulas de espanhol, no curso de competências digitais, anotamos na agenda a tarde que vamos guardar para nós, e procuramos conjugar estes bonitos horários com os cadernos acabadinhos de forrar dos nossos filhos, imaginando que tudo se vai conciliar. A partir dai, pelo menos para a maioria dos mortais, a rotina começa a descambar, com a realidade e o inesperado a boicotarem os nossos planos arrumadinhos.

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Por isso, sim, é bem provável que esta minha decisão tomada com o sol ainda a bater-me nas costas e a caixa de emails relativamente sossegada, acabe por não dar em nada, mas garanto-vos que o topo das minhas prioridades para o ano – este que começa agora! – é aprender a dizer não. Um exercício que para as mulheres é ainda mais difícil, educadas como fomos para a afabilidade e o cuidado dos outros, para cooperar com quem recorre a nós. E se for necessária uma prova do que acabo de dizer, basta consultar a minha data de nascimento para constatar que aos 65 anos, a caminho dos 66, ainda não passo de uma estagiária nesta matéria.

Então vamos lá estabelecer um programa de não sei quantos passos, tal e qual o dos Alcoólicos Anónimos, começando por reconhecer alto e a bom som que a dificuldade em negar o desejo dos outros nunca vai realmente desaparecer e que tudo o que podemos fazer é repetir “Hoje vou ser capaz de dizer Não”, e durante aquelas vinte e quatro horas cumprir o prometido.

Para ser capaz de recusar um pedido, seja a um colega, um chefe, um filho, ou até a alguém que nunca vimos mais gordo, é basicamente preciso superar:

ponto um, a presunção de que os outros valem mais do que nós;

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ponto dois, a convicção de que fazer valer a minha vontade sobre a vontade alheia, transforma-me numa pessoa egoísta;

e, ponto três, que ao recusar vou ferir o meu interlocutor, levando-o a gostar menos de mim, a riscar-me da sua lista de colaboradores ou amigos, ou até a vingar-se na primeira oportunidade.

Dito assim parece fácil, mas é evidente que não é, basta pensarmos que nunca sentimos qualquer necessidade de justificar um sim, enquanto que após cada não, desdobramo-nos em desculpas e justificações.

Hum, é aqui que paro de escrever por umas horas. Se pretendo que esta minha viagem chegue a algum lado, sou obrigada a aceitar que implica uma aprendizagem. Tenho de aprender a dizer não, sem ficar a remoer no assunto e, simultaneamente, sem desvalorizar ou magoar o outro. A minha primeira lição foi escutar quem já vai léguas à frente como, por exemplo, o senhor Adam Grant, psicólogo das organizações, autor de um podcast chamado Rethinking, em que convida grandes mentes para debater com ele questões deste tipo.

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Não me enganei, tem sugestões fundamentadas, que partilho convosco. O pobre queixa-se de que após ter escrito um artigo no New York Times em que defendia que ajudar os outros trazia felicidade, foi inundado com pedidos de conselhos e de apresentações, de idas a programas de televisão e rádio, o que o deixou esmagado na tentativa de corresponder ao que esperavam dele. Do subsequente debate interior concluiu que é muito diferente “agradar” ou “ajudar”, que é uma coisa distinta “dar” ou “ceder”, e decidiu definir com que linhas se queria coser, ou seja, em que circunstâncias iria aceitar ou recusar as solicitações que lhe fossem sendo feitas. Do seu novo “código”, que tornou público, consta, por exemplo, “Não trabalho gratuitamente para empresas”, “Não dou conselhos de carreira a estranhos”, “Não escrevo prefácios para livros”, e por aí adiante, ou seja, quem pretende enviar-lhe um convite fica a saber de antemão se vale ou não o esforço da solicitação, mas sobretudo deixa de poder envarar uma negativa como qualquer coisa de pessoal.

Extrapolando tudo isto para a nossa vida de comuns mortais, podemos fazer uma lista semelhante para os nossos chefes, colegas, família e amigos, já que o princípio básico é essencialmente o mesmo: estabelecer regras claras e dar a perceber as razões que lhes estão subjacentes. Na nossa vida profissional podemos recusar lembrando serenamente que estamos já sobrecarregados com compromissos assumidos, ou lembrar ao colega que pede sempre qualquer coisa ao final da tarde, que a escola dos nossos filhos tem horários. Podemos, igualmente, valorizar um convite, mas dizer que não, na mesma. E sim, funcionam melhor as respostas francas e verdadeiras do “Estou exausta”, “Não me apetece ver ninguém”, do que as desculpas esfarrapadas e as mentiras.

Depois, diz Adam Grant, temos de reconhecer que a nossa recusa não vai abalar assim muito quem nos faz o convite, uma ideia que intimamente provavelmente nos abala mais do que desejamos admitir. Não podemos ir à festa, ótimo, ainda lá estará muita gente; não podemos ir buscar os netos à escola, pede-se à outra avó; não temos tempo para pegar naquele projeto, fantástico, há outra equipa mais disponível. Na verdade, quantas vezes dizemos sim, apenas porque suportamos mal a hipótese de não sermos, afinal, tão imprescindíveis como imaginamos? Só de pensar nisso até dói.

Bem, mas quando compreendemos melhor as armadilhas do nosso pensamento torna-se mais fácil desdramatizar os problemas. E para os “pedinchões” mais insistentes, sobra-nos sempre a resposta do reservado e introvertido E. B. White, autor de A Teia da Carlota, ao convite para integrar o Comité de Artes e Ciências do presidente Eisenhower, em 1956: “Tenho de recusar, por razões secretas”.

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Num tempo em que as teorias da conspiração alimentam o mundo, é a melhor cartada para tirar da manga: firme, sucinta, genial!

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