O mote da conversa foi o ativismo e a liberdade de expressão. Na tarde de 21 de junho, Guadalupe Amaro, Carolina Pereira e Clara Não estiveram no New Era Stage do Máxima House of Beauty. Clara Não refletiu sobre o seu percurso como ilustradora e cronista no Expresso. As suas crónicas são frequentemente alvo de reações negativas nas redes sociais, especialmente quando o tema é o feminismo, os direitos humanos e a Palestina. Foi perseguida online, falsificaram conteúdos em seu nome.
Com Tiago Manaia como moderador, a ilustradora falou da importância de escolher as batalhas, preservar o bem-estar emocional e praticar um ativismo quotidiano centrado no autocuidado e na coragem de dizer “não”, evocando o exemplo de Simone Biles como símbolo dessa resistência pessoal.
O Máxima House of Beauty 2025 foi palco de várias talks focadas em temas atuais e relevantes nas áreas da beleza, saúde, auto-estima e maternidade. Ao longo das próximas semanas, a Máxima vai recordar alguns momentos marcantes que passaram pelo New Era Stage ao longo dos dias 20 e 21 de junho.
Com moderação de Tiago Manaia, a Máxima partilha as reflexões da ilustradora na edição deste ano do House of Beauty.
Clara, tu estás a escrever para o Expresso há dois anos. As redes sociais do Expresso conseguem agregar imensas reações, não sei se positivas ou negativas — eu diria que é muitas vezes negativa. Tens muitas vezes crónicas que são educacionais, ou informam as pessoas, mas o que é escolhido para promover a tua crónica é quase uma provocação. Como é que lidas com esse lado, que poderia ser quase uma instrumentalização do meio para o qual tu estás a trabalhar?
O Expresso permite-me escolher quais são os excertos para a crónica que estou disposta a partilhar nas redes deles. Quando escrevo o artigo, não tenho restrições de temas, nem nada. Aliás, até me disseram que, se eu de vez em quando quiser fazer uma coisa que vai-me salvar dessas responsabilidades, uma crónica mais leve sobre, por exemplo, a história da Maria Antonieta, tenho a oportunidade.
Então, porque é que tu farias crónicas mais leves?
Assim como fizeram agora com a Lídia Jorge — falsificaram citações dela que nunca existiram — também fizeram isso comigo há dois anos, duas vezes. Foi muito, muito chato, desesperante até, porque foram coisas horríveis. Uma delas imitava tal e qual o design do Expresso, a segunda já era mais semelhante ao que fizeram com a Lídia Jorge, notava-se nas serifas. Eu sou designer. Começaram-me a identificar em coisas que não faziam sentido, coisas muito sexistas, ordinárias. A segunda foi mesmo problemática, porque envolvia animais, foi assim, foi muito, muito chato. E nesse sentido, o Expresso ajudo-me imenso, porque eu, com uma equipa de advogados, consegui tirar aquilo da internet. Claro que há uns tempos, voltaram a surgir [essas citações falsas], porque as pessoas fazem prints e é muito chato estar constantemente a ser perseguida por esses fantasmas que nem sequer são meus, que são de alguém que os fez para mim.
Isso é uma consequência da tua liberdade, se calhar, não?
Isto é uma consequência da falta da falta de responsabilização deles. Acho muito ingrato que se diga que, ao teres um lugar público, automaticamente faz parte teres de lidar com o ódio. Isto é uma desresponsabilização de quem está do lado do computador, dos telemóveis deles, a gritar ódio por todo lado. Isto eu não acho que faça parte. Acho que uma pessoa que tenha visibilidade pública deve ter os mesmos direitos que outra pessoa qualquer. Tenho mais deveres por ter uma plataforma. Ou seja, depois destas situações todas, fui sempre muito apoiada, continuo a falar sobre os assuntos sobre os quais acho que tenho de falar. Quando isto começou tudo [o conflito entre Israel e a Palestina], do lado da publicidade de Israel, porque não há outra forma de dizer isto, foi no 7 de outubro, a publicidade começou, eu escrevi três ou quatro artigos seguidos sobre a problemática, e depois tive uma intimidação da Embaixada de Israel em Portugal, que me chamou antissemita.
Chamaram-te? Foste intimidada?
Foi uma carta aberta, foi publicada, chamavam-me antissemita, diziam que meus números estavam mal. Foi horrível.
Eu já fui bloqueado por museus também.
Eles usaram aquela técnica típica que é apresentar-me os nomes seguidos de coisas, e eu fiz as contas. As contas deles, em relação às minhas contas de dados oficiais da publicação ligada diretamente à Palestina, falhava tipo em 500 pessoas. Ou seja, em termos de números não é relevante, em termos de pessoas pode ser irrelevante, mas era uma carta aberta terrível. Chamaram-me antissemita, vários insultos, e diziam mesmo o meu nome. Intimidação pura. Depois, no Expresso, disseram-me “Olha, estás no direito de responder, se quiseres, se não, ignora”. E eu só ignorei, porque eu não vou colaborar com ódio.
Não precisas de estar sempre a reagir. As redes sociais trouxeram-nos muito isso que é... Muitas vezes, um gesto online é uma reação a uma provocação.
É uma bola de neve. Por isso, acho que é preciso medir esforços. Perceber quando é que alguém nos vai ouvir e quando é que não. Se não é como se tivessemos a falar com uma parede. O meu tempo é mais valioso do que estar a falar com uma pessoa que, nitidamente, só está a destilar ódio. Honestamente, o que eu revi foi que, na verdade, se calhar os meus textos chegaram onde tinham de chegar. Também é uma questão pessoal de virar a retórica para tranquilizar e para dar força para eu continuar na luta, não é? Às vezes uma pessoa dá por si com uma crise de ansiedade. Também não é preciso tanto.
Clara, queres dizer mais alguma coisa sobre a ideia de que tu acreditaste que a tua mensagem vai chegar mais longe?
Eu pegava pelo lado do ativismo do quotidiano, que é sermos capazes de nos defendermos a nós mesmas e, se nos sentirmos desconfortáveis, dizermos que estamos desconfortáveis, se nos sentimos desconfortáveis, lutar pelo nosso conforto e não só dizer um sim porque sabemos que o nosso não vai ser desconfortável para a outra pessoa, que aí estamos a comprometer o nosso conforto. Isto é válido para qualquer coisa na vida, não estou a falar só em questões de consentimento sexual, porque o consentimento existe em tudo na nossa vida. E sempre que eu estou com medo de dizer que estou desconfortável, que não estou bem aqui, só penso: Simone Biles. É nisto que eu penso. Simone Biles. Estas duas palavras, esta mulher que está no auge de uma competição, disse não, isto não é bom para mim e eu vou-me embora.