Chloé Siganos: “Foi no CCB que decidi fazer das artes performativas a minha vida (…) fiquei com dores de barriga durante três horas”
Quando inaugurou a exposição “Evidence: Soundwalk Collective & Patti Smith” descobrimos Chloé Siganos – curadora da mostra e diretora do departamento de Artes Performativas do Centro Georges Pompidou – a falar português fluente. Quando faltam pouco mais de 15 dias para encerrar esta mostra iniciática, a Máxima falou com ela sobre a sua relação antiga com Portugal. Mais concretamente com o Centro Cultural de Belém.
Foto: DR03 de setembro de 2024 às 07:00 Maria João Veloso
A vida de Chloé tem sido feita de encontros. E Lisboa um lugar onde regressa como quem volta a casa. Curiosamente, a história desta exposição começa na capital portuguesa. Em 2011, a curadora francesa viu o Soundwalk Collective atuar no Palácio Belmonte, junto ao Castelo de São Jorge. Ela era adida cultural do Instituto Francês e, a partir daí, o diálogo com o artista Stephan Crasneanscki e com o produtor Simone Merlin nunca mais parou. Fizeram uma instalação sonora em Palermo, na Sicília, quando Chloé era adida cultural na Embaixada de Itália. "Ele tem uma parceria com a Patti (Smith) para fazer álbuns e uma comigo de amizade, de coração e de curadoria. Fazemos projetos juntos. Quando comecei a trabalhar no (Centro) Pompidou pensei qual seria o nosso maior sonho, e ele disse-me: eu tenho três álbuns conceptuais com a Patti. E se inventássemos uma exposição com ela? A princípio parecia pouco viável porque eles vivem em continentes diferentes."
Patti Smith vive em Nova Iorque. O Stephan entre Ibiza e Berlim. O Simone em Berlim. Mas Evidence, do Soundwalk Collective, foi uma evidência no Centro Georges Pompidou entre outubro de 2022 e março 2023.
"Para mim era ponto assente que a primeira saída internacional depois de Paris fosse Lisboa."
Em março de 2024 a demanda de Chloé cumpriu-se. A história é simples. "O Sérgio Hydalgo propôs o concerto de Soundwalk Collective ao programador do CCB Fernando Sampaio. Eu estava de férias em Lisboa. A Joana Gomes Cardoso, que é uma grande amiga, pediu-me para tomar um café com o Sérgio. Liguei ao Stephan em frente ao Sérgio. Ele foi perentório. Respondeu-me: a Patti não vai atravessar o Atlântico só para fazer um concerto, temos de fazer também uma exposição. A Joana ligou ao Delfim (Sardo) e ele disse que sim em cinco minutos." Num quarto de hora o caso estava arrumado, revela.
Ao longo destes cinco meses a exposição tem sido um sucesso. Na noite da inauguração, Chloé juntou à mesma mesa Patti Smith, Carminho e Björk. "Foi uma coisa muito espontânea, bem à moda portuguesa. Não foi nada sofisticado. Um jantar no Restaurante Ramiro, sábado à noite, simples e natural", só que nem tanto assim.
A razão deste à vontade de Chloé é que, como ela própria diz, é meia portuguesa, muito sentimental. Não nasceu em Portugal só por um mero acaso. Chora por um salame de chocolate ou por um Sumol de laranja.
"Quase nasci nos Açores. Cheguei a Ponta Delgada com a minha família com apenas dois meses em setembro de 1978". O pai era leitor de francês na Universidade dos Açores. Em 1981 muda-se de São Miguel para o Campo de Santa Clara, em Lisboa. A música popular da Feira da Ladra é uma sonoridade que não esquece. "Adoro música pimba". A língua portuguesa foi a primeira língua que ouviu e falou. Na escola aprendeu a ler e a escrever no Liceu Francês.
Na época os pais eram leitores na Universidade Nova de Lisboa. Entretanto mudou de casa e país um par de vezes. De Biarritz a Tóquio, onde o pai foi colocado como adjunto do Instituto Franco-japonês. Depois da separação dos pais vê-se de novo em Lisboa e regressa ao Liceu Francês, onde acaba o ensino secundário. A mãe dá aulas na mesma instituição e, simultaneamente, é tradutora de Herberto Hélder, Luísa Neto Jorge ou José Saramago. Na década de 90 Lisboa floresce em termos artísticos e culturais. Em 1992 inaugura o Centro Cultural de Belém. Abrem outros polos artísticos, como a Culturgest. Em 1994 Lisboa é a capital europeia da cultura. Wim Wenders realiza Lisbon Story.
"Foi no CCB que decidi fazer das artes performativas a minha vida. Vi uma peça internacional que adorei. Era o Journal de Nijinsky. Fiquei com dores de barriga durante três horas", conta com alguma nostalgia. O teatro seria o seu caminho depois daquela peça em Belém.
"Passei os anos 90 no Bairro Alto. Lembro-me bem de Lisboa ser capital da Cultura. Tinha 16 anos. A minha adolescência foi passada na Rua da Horta Seca, junto da Rua das Chagas, por isso o meu património cultural é totalmente português. Claro que depois tinha o ensino francês, bem cartesiano. Mas o coração é completamente português. E ficaram muitas amizades e projetos.
Por exemplo, em 2015 dinamizou em Paris o Festival Folisboa, que ao longo de um fim de semana contou com vozes como a de Carlos do Carmo, Camané ou Carminho, Rodrigo Leão, entre outros. "Fui a curadora daquele festival de música lusófona".
Este projeto aconteceu depois de ter sido adida cultural no Instituto Francês em Lisboa. "A minha relação com Portugal tem sido muito alimentada, mesmo quando vou trabalhar para outros lugares continuo a apoiar a cultura e os criadores portugueses".
Quando acabou o liceu foi para Paris tirar o curso de teatro na universidade de Nanterre. Inicialmente queria ser encenadora, mas depois resolveu ir trabalhar para a Association Française d'Action Artistique (AFAA) para apoiar a divulgação dos artistas franceses internacionalmente.
"O pai da minha filha apresentou-se numa peça no CCB que era O Fausto Inacabado, de Fernando Pessoa. O CCB tem muito a ver com a minha vida. Ele foi convidado pelo tradutor de Fernando Pessoa que era grande amigo da minha mãe, o Patrick Quillier, que também viveu em Lisboa nos anos 80. Ele tinha um grupo teatro e o pai da minha filha fez o papel de Fausto."
Mais uma vez, o CCB é figura estrutural na vida privada de Chloé Siganos. Mas há outros apontamentos, como o livro infantil O Azul do Zé, que escreveu a convite da ilustradora Françoise Schein (autora da estação de Metro Parque). O livro foi publicado na altura da Expo 98, cuja temática era os oceanos e, mais uma vez, o CCB foi palco de uma leitura
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Foto: DR
De volta ao presente, estes são os últimos dias para ver ou rever um espaço espiritual criado por Patti Smith e pelo Sound Collective. "Um lugar onde nos podemos recolher e voltar. Para a Patti é como se estivemos a caminhar dentro da sua cabeça e coração. E, claro, pelas suas obsessões pelos poetas Rimbaud, Artaud e Daumal." Conta Siganos que Smith não terá sido indiferente ao lugar, à presença do Mosteiro dos Jerónimos, ao túmulo de Fernando Pessoa e ao rio Tejo, por isso esta mostra não é a mesma que se viu em Paris, tem a carga das viagens e dos poetas portugueses.
Chloé vê o CCB como uma casa gémea do centro Georges Pompidou, porque também tem música, salas de espetáculos, restaurantes, espaços expositivos e é um sítio onde se mostra o melhor da arte contemporânea. "Sei que o Delfim Sardo quer fazer mais exposições em que as artes performativas se cruzem com as artes visuais. Esta parceria foi muito boa e a presidente Francisca Carneiro Fernandes disse-me que foi um presente começar com esta exposição. Porque esta mostra é uma peça do futuro."
Evidence: Soundwalk Collective & Patti Smith
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Centro Cultural de Belém / Museu de Arte Contemporânea
Até 15 de setembro. Terça a domingo. Das 10h às 19h. €10-€20