Alba Baptista: “Não sei se me identifico muito com a assinatura de Hollywood (...) Sou europeia de coração."

“A Semente do Mal” estreou-se nos cinemas e foi pretexto para falar com a atriz sobre as emoções que as rodagens impõem no quotidiano. Como encontrar a paz quando o escrutínio se torna ruidoso? Alba responde.

Alba Baptista: “Não sei se me identifico muito com a assinatura de Hollywood (...) Sou europeia de coração."
19 de janeiro de 2024 às 17:36 Tiago Manaia

Anoitece em Lisboa e Alba surge no meu ecrã de computador via Zoom. Fuso horário diferente, o seu rosto aparece ainda iluminado pelo sol. Anoitece em Lisboa, mas é Alba quem se aproxima das estrelas, as que se movimentam nos ecrãs de cinema e enchem as ruas de Los Angeles para onde a sua vida se precipitou nos últimos tempos. Há mais de uma década que o seu rosto está associado ao cinema rodado em Portugal, com passagens obrigatórias pela ficção televisiva, Alba tornou-se presença assídua tanto em produções comerciais como em pequenos filmes independentes. Hoje fala de A Semente do Mal, filme de terror realizado por Gabriel Abrantes, onde um palácio esconde memórias e massacres, o corpo de Alba envelhece e muta para a interpretação de Anabela Moreira – são a mesma personagem. Ambas procuram juventude, entre sobressaltos vamos descobrindo a fotogenia de Alba, o ecrã foi feito para o seu rosto de grandes olhos emotivos. A série da Netflix Warrior Nun apresentou-a ao resto da população mundial, e o seu casamento com o ator americano Chris Evans não parou de inflamar a imprensa com projeções de como será o quotidiano vivido pelo casal. Alba passa mais tempo nos EUA, ainda que continuem a chegar aos ecrãs trabalhos seus feitos no nosso país. 

Parece serena na imagem sua que vejo no ecrã, na voz que me devolve as respostas desta entrevista. Atrás de si vislumbro um interior cheio de plantas verdes, ouço o seu cão a dar pequenos passos. A atriz finta a timidez, começa por dar respostas curtas. As suas hesitações revelam sensibilidade à flor da pele. Poderia eternizar a conversa, ainda mais, para ouvir o que tem a dizer sobre o mundo que vê agora a partir da La La Land, cidade repleta de possibilidades e novos voos de cinema. O tempo é cronometrado, o descolar de Alba é iminente. 

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Foto: DR

De onde estás a dar esta entrevista? 

Estou em Los Angeles neste momento. Estou aqui em trabalho com reuniões e tudo mais. 

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A Semente do Mal é assumidamente um filme de terror. Os filmes de Gabriel Abrantes costumam ter sempre uma mensagem por trás. Como é que ele te convenceu a entrar neste projeto?

Ele não teve de me convencer em nada, trabalhar com o Gabriel sempre foi uma ambição minha. Ele é um dos jovens realizadores que realmente tem uma visão única e desafia um pouco a assinatura cinematográfica portuguesa. Ele é mesmo um visionário e assim que descobri que havia uma personagem na qual me poderia enquadrar ergui logo a mão (risos).

Então tu foste à procura?

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Sim. 

Na vida acreditas nas superstições que são abordadas nos filmes de terror? E gostas de cinema de género? 

Sim, sou muito supersticiosa... Agora que penso nisso, posso dizer que sou bastante supersticiosa.  Tive uma fase na minha adolescência em que via filmes de terror e adorava explorar o género. Hoje já é mais raro estar interessada, e confesso que ainda não vi o filme do Gabriel Abrantes.  Não tive oportunidade. Há certos géneros que me interessam mais, como o terror psicológico. Mas qualquer filme de qualidade vale a pena ver. Um filme do Ari Aster (realizador do filme Midsommar) vai sempre ter qualidade por mais que seja de terror. 

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Foto: A Semente do Mal

O que achas do destino reservado às jovens protagonistas dos filmes de terror? Muitas vezes acaba por ser perverso. Há muitas atrizes que começaram a fazer pequenos papéis em filmes de terror. Esta tua escolha pode ser vista de alguma forma um piscar de olho a uma tradição que existe no cinema de género? 

Não sei. Na verdade, também entrei nesta indústria com um filme de terror psicológico que se chama Miami, uma curta-metragem do Simão Cayatte. É irónico, isso que mencionas acabou por acontecer comigo, eu comecei assim. Mas n’A Semente do Mal a personagem que interpreto é muito pequena. A Anabela Moreira é quem merece os créditos da personagem, ela faz de mim mais velha.

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Chegaram a falar uma com a outra? O que é que tentaram acordar no vosso trabalho de atrizes para fazer a mesma pessoa? 

No início estávamos muito motivadas para encontrar uma linguagem corporal que nos identificasse às duas. Ela queria imitar a minha e eu queria imitar a dela (risos). Portanto, não chegamos a lado nenhum (risos). Trabalhámos um pouco a cadência na linguagem falada.

Os filmes de Gabriel Abrantes têm muitas vezes mensagens ocultas, ele vem da arte contemporânea. Neste filme a procura da juventude eterna é forte. Lembrou-me muito o Oscar Wilde e O Retrato de Dorian Gray. Achas que o filme pode querer dizer algo sobre a nossa sociedade? Sobre o idadismo...

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O Gabriel trabalha muito no momento da edição. Nenhum dos atores consegue prever como é que o filme vai acabar no resultado final. Mas no guião que eu li pareceu-me haver uma crítica a esta época que vivemos na dependência das redes sociais e da internet. Na verdade, subtilmente, isso tira-nos a nossa essência. Pouco a pouco vamos perdendo a nossa bússola moral ao longo dos anos e isso é algo que me dá tremenda ansiedade. Eu tento ativamente lutar contra isso.

Sentes que és sugada no dia a dia pelas redes sociais? Somos todos, não é? 

Tenho alguma aversão às redes sociais... tenho momentos, aqui e ali, em que passaram dez minutos e eu nem me apercebi que estava a olhar para o telemóvel. É uma sensação que todos nós conhecemos. Eu sinto que tenho alguma dependência em relação ao Instagram que ainda assim é importante nesta altura da minha carreira para promover trabalhos. Mas só de ter essa noção, sinto que me avaria um pouco a cabeça. (risos)

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Foto: A Semente do Mal

O Instagram ganhou uma importância tão grande, é quase como uma outra ferramenta de trabalho. Falas disso com as outras atrizes, com as tuas amigas ou colegas? Achas que é uma espécie de nova personagem (pública) que vocês têm de encarnar? 

Tenho várias amigas que trabalham com isso muito bem. Eu confesso que não tenho grande talento porque tenho alguma teimosia em relação a isso. Prefiro esconder-me num canto a expor o que se está a passar na minha vida. E até na vida profissional... é um erro. Temos de conseguir saber manusear o que existe à nossa volta. Temos de conseguir dosear as coisas, sempre com os pés assentes na terra. 

Será que há mesmo certo ou errado? Se pensarmos em Hollywood, em determinadas épocas, houve sempre atrizes muito misteriosas e isso também funcionava. Também eras tímida quando estudavas teatro em Lisboa na ACTEras do género a ficar num canto quando te chamavam para fazer uma improvisação? Eras a última a ir?

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Sim, sempre. Eu prefiro muito mais não falar e observar do que partilhar a minha opinião ou ser vista. Estou muito mais confortável na sombra do que ao sol.

Estás a tentar controlar nessas alturas? O que estás a tentar ultrapassar?

É simplesmente a minha personalidade, sempre fui muito tímida. Qualquer familiar poderá confirmar que eu não falava muito quando era criança (risos). Há também uma outra vertente de cuidado... Talvez até um medo de dizer a coisa errada. Eu, se partilhar a minha opinião, geralmente, falo sobre algo em que tenho confiança ou que pude confirmar de várias fontes. 

Isso pode ser também uma pressão de quem cresceu sempre com redes sociais... A pressão de toda uma geração?

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Pode ser o outro lado da moeda, sim. Tanto pode haver uma falta de medo ao expor tudo, como pode também acontecer o oposto... (pausa) Nunca tinha pensado sobre isso. 

A curta-metragem que evocas do Simão Cayatte é uma espécie de reflexão sobre a fama. É engraçado ter sido o teu primeiro trabalho... Agora consegues pensar na mensagem dessa curta-metragem de outra maneira? Penso na exposição que conheceste com a série da Netflix Warrior Nun. O que achas que isso quer dizer sobre ti? Serão os papéis que escolhem os atores, às vezes? 

Nunca pensei sobre isso. Espero não me tornar como essa personagem, porque ela realmente era obcecada pela fama. Isso é algo com o qual não me identifico. Mas sim, fama é um conceito que não... (faz uma pausa e olha para o lado). Peço desculpa o meu cão está a distrair-me. Está muito lindo aqui a andar de um lado para o outro. (pausa) Desculpa, agora perdi o raciocínio do que estava a dizer. 

Foto: A Semente do Mal

Estávamos a falar sobre a fama. Essa tua curta-metragem é de 2014, passaram quase dez anos, sinto que ao longo da última década conheceste algum sucesso. Tens alguma reflexão sobre isso? 

Vivenciar uma fase dessas não traz alegria ou satisfação. Eu simplesmente quero navegar com os pés assentes na terra e entender que na verdade a fama é apenas uma ilusão. Há um súbito interesse em ti, mas não é verdadeiramente um interesse em ti... O interesse ou está ligado a uma personagem ou está ligado às minhas conexões. Portanto, na minha perceção, é mais desconfortável do que qualquer outra coisa.

Há uma dissociação. As pessoas acham que te conhecem, mas no fundo não?

No final do dia é apenas um trabalho, e penso que qualquer artista gosta de explorar a sua criatividade. Só que de repente tens de levar com uma onda, que faz parte do trabalho também, e tens de conseguir saber manusear algo que não é orgânico. (pausa) É uma antítese de tudo o que é normal...E certas pessoas sabem navegar melhor que outras. Eu... O meu instinto é fechar a porta. 

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O filme A Semente do Mal acaba contigo a dançar lembrou-me do filme Leviano (2018) que fizeste com o Justin Amorim. Em cena, nessa possibilidade de te movimentares, sentes que encontras alguma liberdade enquanto atriz? São bons, esses dias em que te dizem – olha, agora vais dançar à frente de uma câmara? 

Sim, curiosamente sim. Por mais que não tenha formação, qualquer tipo de fisicalidade é interessante. Gosto de juntar a componente física e emocional. É um desafio ainda mais específico, é mais difícil. O Carloto Cotta é um ótimo parceiro de dança, e no filme do Gabriel foi bem divertido fazer essas cenas. 

E como aparece o texto no meio disso tudo? Estou a lembrar-me de um filme francês que fizeste em 2022 – L’Enfant. O que muda em termos de preparação? Que prazer encontras no texto? Tu tens uma cultura poliglota e falas várias línguas.

Para mim, enquanto atriz, o mais satisfatório é trabalhar com um realizador num filme de autor. Cada caso é único e cada processo é individual. E é o realizador que escolhe o seu ambiente. 

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Foto: Gonçalo Claro

Eu enquanto atriz gosto de me adaptar e ouvir. Gosto de cultivar o que recebo e adaptar-me. Quando trabalhei com o Gonçalo Waddington, no filme Patrick (2019), foi uma experiência única. Fizemos uma residência artística, ficámos um mês simplesmente a viver uns com os outros para estarmos completamente confortáveis. Não acontece sempre poder criar histórias que vão além das que existem no guião das personagens. Em projetos mais comerciais isso nem sempre acontece, e às vezes pode sentir-se falta dessa essência. 

Mais nova fizeste os teus estudos na Escola Alemã de Lisboa. Vias cinema alemão nessa altura, ou a tua cultura era global? Sentes que o teu interesse pelo cinema de autor pode ter vindo da tua educação?

É possível, sim. Confesso que na Escola Alemã não ainda não era uma nerd do cinema (risos) diria eu. O cinema europeu sempre foi minha primeira atração neste mundo, só recentemente comecei a ver os clássicos americanos. Vi recentemente a Anatomia de Uma Queda da Justine Triet e amei. É maravilhoso. É o tipo de cinema do qual gostaria de fazer parte.

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Tinhas heroínas de cinema na escola? Pessoas sobre as quais dizias, "quero ser assim."

A primeira atriz que admirei mesmo muito foi a Natalie Portman. Só porque a carreira dela era tão apelativa para uma jovem mulher ou adolescente. O facto de ter começado com o Léon (Léon, o Profissional, 1994) do Luc Besson, e depois ter feito de personagens icónicas como no Black Swan (Cisne Negro, 2010) ou Closer (Perto Demais, 2004). Ela é uma atriz mesmo sensível, identifiquei-me com isso.

A Natalie Portman sempre escolheu muito os papéis dela, talvez por ter começado ainda criança no filme Léon, o Profissional, mas em geral os atores não têm assim tanta margem para escolher. Como vês esta história de um ator ou uma atriz estar sempre dependente do desejo dos outros? São os outros que te escolhem para fazer uma personagem. Como é viver com essa necessidade de existir através do olhar do outro? 

É complicado. Depende mesmo dos outros e mesmo que estejas a fazer a tua personagem de sonho, não há garantias que o filme seja o que imaginaste quando leste o argumento. Estás dependente de tantos departamentos, em cinema o processo é quase interno. Sinto que em Portugal passei muito por isso, ia fazendo várias audições e fazia os filmes em que ficava escolhida. Agora tento ser mais seletiva e cuidadosa nas minhas escolhas. Desde que fiz a série Warrior Nun tento avançar para mercados maiores, e parece que começas da estaca zero outra vez. Mas na verdade o meu conhecimento já está para lá da estaca zero, trabalhei em Portugal quase uma década. A minha experiência já é muito vasta mesmo com a minha idade [Alba tem 26 anos]. Agora a estratégia com os meus agentes é mais sobre os trabalhos que não vou fazer. Para no final da minha carreira não olhar para trás e ter arrependimentos. 

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Foto: A Semente do Mal

O que é que evoca em ti a palavra Hollywood? É só mais uma etapa em que tens que estar pronta para audições, ou é querer pertencer a um universo mais amplo? 

Não sei se me identifico muito com a assinatura de Hollywood, ou com a maneira de trabalhar nomeadamente em Los Angeles. Sou mesmo muito europeia no coração. A estrutura americana é um pouco mais agressiva. A abordagem para conseguir um papel aqui tem muito a ver com o tentar erguer a mão para ser vista. É muito mais direto, e tens um volume muito maior de pessoas que deseja fazer a mesma coisa. E são pessoas muito talentosas. O importante no meio disto tudo, para mim, é não olhar para essas vertentes todas, pode ser muito overwhelming... É importante víveres através da tua verdade e fazer as coisas como tu farias dentro do teu silêncio. 

Onde encontras o silêncio quando há demasiado ruído? 

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Encontro-o na minha família, no meu marido, nos meus amigos. Sim, tenho pessoas incríveis na minha vida que são insubstituíveis. Sou uma sortuda. 

Filmar uma sequência dramática ou uma cena mais difícil, é algo que te pode tirar o sono

Sim. Sem dúvida. 

Quando é que sentiste que tinhas mesmo de fazer este trabalho e ser atriz? Foi quando estavas a estudar na ACT ou ainda foi antes? Tiveste aquela coisa em que pensaste assim "eu tenho mesmo de seguir isto e isto comove-me, isto faz-me ser feliz."

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Foi durante o processo de rodagem do [filme] Miami do Simão Cayatte. Ele ensaiou comigo e com a namorada [a atriz Joana Santos] durante 2 meses. Todos os dias, eu saía da escola e ia ter com ele. 

Foi uma experiência surreal, para uma miúda de 15 anos, trabalhar e ir cavando emoções. Foi mesmo muito bonito. Quando as rodagens acabaram, lembro-me de estar completamente perdida. Eu não tinha a maturidade emocional para entender que o projeto tinha acabado. 

É algo com que os atores têm de lidar constantemente e é muito fácil perdermos a visão... sofri bastante porque não sabia voltar à minha normalidade. (pausa) Eu mergulhei. E isso causou-me muito sofrimento e deu-me também um enorme prazer. Eu desconhecia isso na altura. Mergulhar emocionalmente tornou-se um vício. 

Falas de equilíbrio e falas de encontrar o silêncio. Será que que ser ator não é só sobre isso... A habilidade de te perderes mais ou menos num papel? 

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Eu achava que os atores deviam sofrer e deveriam vivenciar tudo. E apercebi-me que isso não nos torna melhores atores. Acho que na verdade é desnecessário e só traz mágoa para a nossa vida pessoal e possivelmente para os que estão à nossa volta.

O que te perguntam sobre Portugal agora, nesta nova fase americana da tua vida? 

Não perguntam muita coisa. Toda a gente ama Portugal, ou querem visitar ou já visitaram. Portugal é muito popular neste momento. 

Foto: A Semente do Mal

Há um teatro chamado Saudades Theatre e há uma comunidade de atores portugueses em Los Angeles. Já foste à procura deles?

Não conheço... vou pesquisar. 

Isto era para acabar e perguntar-te se sentes saudades nestes longos períodos de afastamento? Ou se calhar não tens saudades e é uma palavra que odeias

Não, eu tenho sempre saudades. Sou uma pessoa muito nostálgica, muito melancólica. Todos os dias tenho saudades das minhas pessoas, obviamente. Tenho saudades das ruas de Lisboa, de sentir a nostalgia da Arquitetura, a História detrás das paredes. Eu adoro caminhar pela zona onde vivia em Lisboa, no bairro da Estrela, tenho saudades do mar…às vezes.

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