"Ninguém queria faltar a uma festa dos Burnay", a família mais rica de Portugal no séc. XIX
A exposição "Garden Party 1907" revive os áureos tempos das exclusivas festas que os Burnay organizavam nas suas propriedades. Conta com fotografias, trajes e acessórios alusivos às mesmas e está patente na Biblioteca Municipal de Alcântara, em tempos o Palacete Burnay, até 28 de fevereiro.

Incluída na última LisbonWeek, edição que este ano se estende até 28 de fevereiro, a exposição Garden Party é uma das visitas imperdíveis para os amantes da Lisboa antiga. Entre os destaques do festival citadino para esta temporada está, aliás, a celebração da Alcântara palaciana e das zonas que refletem os seus tempos de sumptuosidade e evolução industrial.
A mostra Garden Party relembra Henrique Burnay, uma figura importante para o desenvolvimento do capitalismo em Portugal no século XIX, um homem de negócios e um bon vivant, que organizava festas de alta sociedade às quais todos queriam comparecer.


Garden Party está inserida na programação da LisbonWeek e acontece naquela que era uma das casas da família, o Palacete Burnay e que mais recentemente foi transformada na Biblioteca Municipal de Alcântara, no número 29 da rua José Dias Coelho."Não quer dizer que eles não tivessem muitas outras propriedades, pois estamos a falar provavelmente da família mais rica de Portugal na altura" começa por dizer Pedro Sequeira, historiador da LisbonWeek, que aponta a existência de mais de mil descendentes deste homem riquíssimo, entre eles nomes como Sophia de Mello Breyner, Miguel Sousa Tavares ou José Avillez. De facto, a fortuna de Burnay era tão colossal que a herança esteve envolvida em contendas jurídicas durante décadas, a fim de se conseguir distribuir o património. "Hoje em dia, quando se pergunta se alguma destas pessoas é rica, costuma ouvir-se como resposta que a única herança foi a asma" brinca o historiador.


Composta por 16 fotografias de Alberto Carlos Lima e Eduardo Alexandre Cunha, selecionadas no Arquivo Municipal de Lisboa, Garden Party documenta especificamente a festa que aconteceu em 1907 no Palácio Burnay, na Junqueira, residência oficial dos Burnay. Com referências à moda e aos trajes usados no jardim, faz-se addim uma viagem pelos hábitos de estilo da alta sociedade lisboeta no final do século XIX e início do XX. Cristina L. Duarte, socióloga que tem estudado vários temas ligados à moda, compõe os textos introdutórios. Além das fotografias, estão expostos vários vestidos do Museu Nacional do Traje.
As Garden Party inspiravam-se nas festas inglesas da época e aconteciam sobretudo ( tal como o nome indica) nos jardins do Palácio Burnay, na Junqueira. Casado com Maria Amélia de Carvalho, com a qual teve nove filhos, "Henrique Burnay era conhecido – e este termo foi cunhado por Bordallo Pinheiro – como o "dono disto tudo" no século XIX. Ele tinha interesse no tabaco, na ferrovia, nas redes marítimas, importação e exportação, indústria química, indústria dos sabões… e claro, o banco Fonsecas & Burnay do qual é fundador, que chega aos nossos dias" explica o historiador. "Era um homem que monopolizava de tal maneira os interesses económicos em áreas tão diferentes no setor da economia que, quando organizava uma festa, neste caso uma festa de jardim, não havia ninguém que quisesse faltar" acrescenta, explicando que na altura essa era a melhor oportunidade "para estabelecer laços e ligações de negócios comerciais com a família Burnay". Eram festas concorridíssimas, "eram o grande evento da Lisboa do início do século XX. Ninguém queria faltar a uma festa de Burnay" garante.


Nas fotografias vemos centenas de pessoas, impecalmente bem-vestidas, os homens de cartola, smoking e bengala, as mulheres de vestidos menos "rígidos" do ponto de vista da estrutura mas não menos ataviadas, ostentando adornos delicados, como leques ou bolsas. Segundo Pedro Sequeira, estava-se a entrar "num ambiente Arte Nova, em que a fluidez dos vestidos e uma certa simplicidade começam a figurar. Estamos a abandonar o período romântico, e as coisas estão-se a simplificar, mas com muita elegância". A mostra inclui, por isso, vários acessórios, pertencentes ao Museu Nacional do Traje, como chapéus, caixas de tabaco, ou leques. Como vemos nas fotografias, homens e mulheres não se misturavam muito, havia um distanciamento físico evidente entre os dois grupos. "E os rapazinhos vestidos à marinheiro, como era a moda da altura, povoavam um pouco por todo esse espaço."

Eram, no fundo, "festas volantes onde a comida e a bebida eram servidas numa espécie de catering de inícios de século (onde não faltava o vinho de Colares) para as quais eram convidados "colaboradores, pessoas que têm negócios com Henrique Burnay, pessoas da esfera política, como deputados, nobreza de capital que surge no século XIX", ou seja, as elites do Portugal da época. "Quem se queria considerar alguém em Lisboa na segunda metade do século XIX e nos inícios do século XX tinha de ser frequentador destas festas."

O jardim do Palácio Burnay "era particularmente importante como registo de um jardim romântico em Lisboa, um jardim do século XIX, à inglesa, cheio de espécies exóticas, tudo isso fazia parte de um cenário muito particular, sobretudo porque Burnay também era um dos maiores colecionadores de arte da Lisboa desta época" referindo-se a este filho de imigrantes belgas, que morreria dois anos depois desta famosa festa, aos 71 anos.
Nesta altura, a Junqueira era o espaço das elites na Lisboa deste período. "A Junqueira de Alcântara vai sempre atrair as elites desde o passado, que tinham palácios como o Sabugosa, junto ao Calvário, até ao Leitão Aranha que já fica perto de Belém."

Embora a festa não tenha decorrido no local onde está agora patente a exposição, vale a pena conhecer a história do Palacete Burnay. "No largo do Calvário, até 1876, existia o Palácio Real do Calvário, o Palácio de Alcântara. Este espaço, que sobe até ao muro da Tapada da Ajuda, era a quinta desse palácio. Inicialmente, este lugar foi uma propriedade régia conhecida como a Quinta de Alcântara, onde se produziam sobretudo citrinos. Isso acaba em meados do século XIX, porque a casa real vende a propriedade à Câmara Municipal de Belém para esta erguer o bairro do Calvário" conta-nos Pedro Sequeira. Originalmente, existe ainda uma fonte no jardim do Palacete que é uma reminiscência desses tempos. "Apesar de não haver nada documentado acerca deste espaço específico, sabe-se que era uma casa onde alojavam convidados, era uma casa de apoio ao Palácio da Junqueira."
O teto e os frescos que ainda sobrevivem nas paredes desta sala – a única conservada com a transição para biblioteca - dão-nos pistas. "Vê-se o Palácio da Pena ainda sem vegetação, e como data aproximadamente de 1840, o parque foi sendo plantado e só ficou com o arvoredo que hoje conhecemos no início do século XX. Já o Chalet da Condessa d'Edla conclui-se só entre 1863 e 1864. Seguindo essa ordem de ideias assim, sabemos que o Palacete Buernay terá sido construído já na década de oitenta do século XIX." Hoje, é a mais recente biblioteca da cidade, mas ainda serviu como escola e esteve muitos anos fechado, até ter entrado em ruína.

No final da exposição, há lugar também para uma experiência imersiva, com a apresentação de um minifilme produzido por Jenny Silvestre, Presidente da Academia Portuguesa das Artes Musicais com música de Luís Freitas Branco e pós-produção de Rodrigo Oliveira, que nos embala para o ambiente destas famosas festas.
