O lado verde de Ljubomir

Fomos provar o Ecos do 100, o novo menu vegetariano do 100 Maneiras e, entre pratos e conversas, redescobrimos o sempre surpreendente Ljubomir Stanisic.

21 de junho de 2019 às 07:00 Rita Lúcio Martins

Primeira revelação: quando era criança, o pequeno Ljubomir não gostava de carne. Sim, é verdade, ainda que seja difícil de acreditar. Se por um lado é difícil imaginar um Ljubomir pequenino, por outro será ainda mais difícil crer que o homem que tantas vezes vemos fotografado ao lado de animais – vivos ou mortos - não gostava de carne. Ainda assim, é a mais pura das verdades. Tão pura como o amor que este homem de 41 anos acabados de fazer tem pela comida. É isso que fica uma vez mais evidente neste recém-inaugurado espaço na Rua Teixeira, no Bairro Alto, com um projeto de interiores assinado por Nini Andrade e Silva e minuciosamente acrescentado pelo próprio Ljubomir e a mulher, Mónica Franco, que aproveitaram as muitas viagens e variadas incursões em família para colecionar ideias e inspirações. O destino incontornável? A Bósnia, como seria de esperar. Terra natal do chef que se reconciliou com o passado para orgulhosamente trazer o país para a mesa: falamos dos obrigatórios pão Rosa (assim batizado em homenagem à mãe Stanisic, que o confecciona diariamente) e da ajvar (uma pasta de pimento e beringela, igualmente da autoria da matriarca), mas também de algumas das peças em ferro onde é servido este primeiro momento de 15 atos (servidos com um pairing de vinhos). Seguem-se pratos como o Charuto de Sarajevo (espuma de batata, pão de chá fumado e kupus), Great Balls of Fire (croquetes de romanesco) ou Green Book (espargos grelhados, manjericão e beurre blanc), bem desconstruídos pelos empregados que trocaram a formalidade dos menus de degustação pela atitude descontraída e pela informação certeira (esqueçam as descrições intermináveis que nos deixam de boca aberta – não de fome mas de sono). Mais do que certa, também, é a ausência de arroz integral no menu – não fosse este, no capítulo dos cereais, vegetais e plantas, o único ingrediente a não conquistar o palato viajado do chef que, sempre aberto a novas possibilidades, continua a colocar a curiosidade à frente da prudência. Mesmo depois de uma experiência limite em São Tomé e Príncipe, em que umas ervas lhe provocaram uma reacção alérgica que o ia matando. Sobreviveu para contar, sim, mas sobretudo para (continuar a) comer.

Confessa que prefere peixe a carne (a sardinha é a sua favorita), mas revela interesse e respeito por todos os ingredientes, mesmo aqueles aparentemente menos nobres: prova disso é que desde a abertura do Bistro, em 2010, e muito antes da moda da "sustentabilidade", criou no menu a secção "Só para os corajosos", em que utiliza as partes menos nobres e muitas vezes desperdiçadas dos animais. E é sabido que Ljubomir gosta de clientes corajosos. O que, a propósito, nos leva a outra confissão: no início da sua carreira, detestava receber clientes vegetarianos e era mesmo capaz de os mandar embora. Hoje não só não o faz como até cria menus a pensar neles (e, acrescente-se, que em nada ficam a dever aos menus ditos principais).

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Mais revelações? Conta que há uns anos, fez uma dieta 100% vegetariana que durou mais de um mês, acabando por se tornar um amor para a vida inteira. Entusiasmou-se e, com Graça Saraiva das Ervas Finas, construiu hortas orgânicas nos vários hotéis por onde passou como consultor (casos do Sublime Comporta e o Six Senses Douro Valley) e foi sempre à procura de aprender mais. Em 2018, quando foi convidado para cozinhar no Nolla, um restaurante com desperdício zero, em Helsínquia, descobriu uma máquina de compostagem acelerada. Não descansou enquanto não trouxe uma igual para o 100 Maneiras, onde são processados os desperdícios de todos os restaurantes do grupo, com o composto a ser entregue a agricultores biológicos em troca de produtos a preços mais competitivos. Entre esses, um é obrigatório: o tomilho. A sua erva favorita está sempre à vista nas prateleiras da cozinha lá de casa, mas também marca presença na fórmula da primeira cerveja artesanal que criou, a Lhubobeer, ou na ilustração que cobre o fogão do novo 100 Maneiras, em volta de uma caveira onde se lê "Coquo Ergo Sum". A tradução entranha-se mas não se estranha: "Cozinho, logo existo".

Onde? Rua Teixeira, 39 Lisboa Quando? Todos os dias, das 19h às 2h. Reservas 910918181 Preço: o menu vegetariano custa €100 (bebidas não incluídas).

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