Lelê. Tatuar com consciência ecológica

Há um estúdio lisboeta que está a mudar a forma como olhamos para a tatuagem. Trata-se do Jardim Ecotattoo, um pequeno e acolhedor espaço em Campo de Ourique, Lisboa, criado em 2023 pela tatuadora Lelê, onde, das tintas aos móveis, cada detalhe foi pensado para respeitar o ambiente.

Lelê, do Jardim Ecotattoo, em Lisboa, revoluciona a tatuagem com práticas sustentáveis Foto: DR
26 de junho de 2025 às 11:48 Miguel Judas

Com um percurso que começou no design gráfico e ilustração, Lelê enveredou pelo mundo das tatuagens em 2016, motivada por pedidos de amigos e conhecidos que desejavam eternizar os seus desenhos na pele. Desde o início, contudo, algo a inquietava: o impacto ambiental de cada sessão. “Tatuar era um processo que me deixava desconfortável, pela quantidade de resíduos que gerava, porque todo o material é descartável”, explica. Isto inclui “luvas, proteções de superfície, restos de tinta”, ou seja, “estava sempre a produzir lixo”, recorda. Esta insatisfação serviu de incentivo para a levar a procurar alternativas mais sustentáveis e, anos mais tarde, a fundar um estúdio com consciência ambiental.

Foto: DR 1 de 2 / O espaço é livre de plásticos de utilização única
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Foto: DR 2 de 2 / Todo o processo é ecológico
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O caminho, porém, não foi imediato. A artista começou primeiro por usar materiais veganos, o que quer dizer, não testados em animais e livres de ingredientes de origem animal – uma opção que era ainda pouco comum em 2016. “O facto de usar tintas, líquidos de limpeza e desinfetantes veganos atraiu logo um público mais consciente e alinhado com esses valores”, admite. Ainda assim, sentia que havia um longo percurso por trilhar, principalmente no que tocava ao uso excessivo de plásticos.

Lelê criou o Jardim Ecotattoo em Lisboa, um estúdio com materiais sustentáveis Foto: DR

Foi só quando surgiram no mercado luvas feitas com bioplástico – à base de plantas – que Lelê sentiu que podia finalmente dar o passo decisivo: abrir um estúdio onde todos os materiais fossem sustentáveis. “Esperei até conseguir reunir todos os materiais certos. Importar luvas dos Estados Unidos, por exemplo, não fazia sentido, devido à pegada ecológica do transporte. Quando tudo se alinhou, nasceu o Jardim Ecotattoo.”

Lelê criou um estúdio de tatuagem sustentável, o Jardim Ecotattoo, em Lisboa Foto: DR

Decorado com plantas naturais, ilustrações botânicas e mobiliário vintage, o estúdio espelha na perfeição os valores que defende. Para Lelê, se a tatuagem é algo duradouro, o impacto ambiental que ela gera não tem de o ser. Mas estará a indústria da tatuagem sensível a esta necessidade de mudança?

Lelê criou o Jardim Ecotattoo em Lisboa, espaço com consciência ambiental e materiais sustentáveis Foto: DR

“Creio que ainda há um longo caminho a percorrer”, responde. Embora reconheça que há uma crescente oferta de materiais veganos – hoje em dia, até algumas das melhores marcas optam por esse rótulo, mesmo que por vezes de forma mais discreta –, a consciência ecológica ainda não é transversal. “Conheço tatuadores que ficam encantados quando descobrem que é possível fazer uma sessão inteira com materiais ecológicos. Mas ainda é uma escolha pessoal e não uma norma da indústria”, lamenta.

Foto: DR 1 de 2 / A dimensão ecológica do estúdio chama clientes, mas o estilo artístico de Lelê conquista-os
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Foto: DR 2 de 2 / O traço é divertido, limpo e seguro

A principal barreira, sublinha, é económica. “Os bioplásticos são muito mais caros. Chegam a ser 30 ou 40 vezes mais caros do que os plásticos normais. É triste pensar que um material com menor impacto ambiental continua a ser tão inacessível. Torna-se um produto quase elitista”, afirma. Ainda assim, Lelê não abdica da sua missão e mesmo quando trabalha fora do seu estúdio, leva sempre os seus próprios materiais, recusando voltar a usar plásticos descartáveis.

Lelê criou em Lisboa um estúdio de tatuagens com consciência ambiental Foto: DR

O custo mais elevado, todavia, não se reflete de forma desproporcional no preço cobrado ao cliente. Com uma tabela que começa nos 120 euros — ou 105 para mini tatuagens — e com propostas temáticas mais acessíveis, como a coleção dedicada ao 25 de Abril, a partir de 95 euros, Lelê procura democratizar o acesso à tatuagem ecológica. “Não quero que o preço seja uma barreira. E faço questão de ter algumas opções promocionais, porque sei que nem toda a gente pode pagar tanto.”

Lelê, tatuadora no Jardim Ecotattoo, em Lisboa, alia arte, ética e consciência ambiental Foto: DR

Apesar de o estilo artístico continuar a ser o principal fator de escolha para muitos clientes, a dimensão ecológica do estúdio também já começou a ganhar protagonismo. “Já tive estrangeiros que me encontraram por pesquisarem ‘vegan tattoos’ e até marcaram o estúdio no Google Maps com essa designação. Muitos dos meus clientes, especialmente os que trabalham em áreas ligadas à sustentabilidade, ficam muito entusiasmados ao descobrir o cuidado que tenho com os materiais.”

Lelê, em Lisboa, cria estúdio de tatuagens ecológicas, reduzindo o impacto ambiental Foto: Maria Fernandes

E Lelê leva esta consciência para além da cadeira de tatuar. Nos workshops que organiza, partilha a sua experiência tanto com iniciantes como com profissionais da área. Num dos formatos, dirigido a tatuadores já no ativo, foca-se exclusivamente nos materiais e nas formas de tornar os estúdios mais sustentáveis. “É uma forma de espalhar esta mensagem e mostrar que é possível adaptar o dia-a-dia à realidade ecológica. Claro que ter um portefólio ajuda a atrair atenção, mas gostava que o meu trabalho fosse também reconhecido pelo esforço ambiental que coloco em tudo o que faço.”

Lelê cria um estúdio de tatuagens ecológico em Lisboa, o Jardim Ecotattoo Foto: DR

O Jardim Ecotattoo já é totalmente livre de plásticos desde há cerca de dois anos. Por exemplo, Lelê utiliza agulhas com componentes em papel de trigo – uma alternativa rara, “disponível em apenas três marcas no mercado” – e está constantemente à procura de “novas opções que reduzam ainda mais o impacto ambiental” da sua prática. Para ela, “a sustentabilidade não é uma tendência, mas uma responsabilidade”.

Foto: DR 1 de 2 / O estúdio abriu há cerca de dois anos
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Foto: DR 2 de 2 / Há estrangeiros que a procuram pelo Google, interessados na vertente vegana

Num setor onde o desperdício é muitas vezes invisibilizado – “o lixo fica connosco e os clientes nem pensam nisso” –, a tatuadora lisboeta está a construir um caminho diferente, onde arte, ética e consciência ambiental se cruzam de forma harmoniosa, para a construir um futuro cada vez mais verde para a tatuagem.

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