Um fim de tarde de sábado cai ameno na pacata vila de Arronches, quando estamos prestes a colocar as coordenadas de GPS para a Herdade da Figueira Nova, onde vivem Julian Reynolds e a sua mulher, Isabel. Depois de alguns metros em estrada de terra batida, ao longo da qual se avistam vários sobreiros e carvalhos (pasto para o gado da herdade), interrogamo-nos sobre o paradeiro das vinhas, que afinal só são visíveis praticamente à chegada.
Somos recebidos com um amplo sorriso de boas vindas e um pedido: "dêem-me só um minuto, vou só calçar-me" que imediatamente quebra qualquer sensação de intrusão que pudesse existir à priori. Enquanto Julian desaparece pelas portas da bela fachada azul e branca de sua casa, rodeadas de flores, contemplamos o extraordinário cenário, onde o expoente máximo da beleza termina precisamente na linha do horizonte, onde os 41 hectares de vinhas verdes e viçosas surgem em torno de um pequeno monte. Empreendedor e criativo por natureza, Julian Reynolds comprou os 200 hectares que compõem esta herdade no alto Alentejo em 1996, a fim de resgatar uma tradição antiga. Com o fervor com que fala sobre os seus antepassados ninguém diria que tivesse feito outra coisa que não dedicar-se a este complexo negócio vinícola. Mas afinal, e mais à frente durante este passeio, conta-nos que estudou Belas-Artes e posteriormente tirou um curso de guionista no Royal College of Arts, em Londres, o que lhe valeu o seu primeiro emprego: assistente de direção na Colombia Pictures. Mas já lá vamos.
Enquanto caminhamos em direção às vinhas, ouvimos a história da herança vinícola que os antepassados de Julian inscreveram na história dos vinhos alentejanos. É, na verdade, preciso recuar até aos começos do século XIX – precisamente a 1820 - para conhecer a história da primeira geração desta família londrina, que chegou ao Norte de Portugal para investir na comercialização do vinho do Porto. Thomas Reynolds era um comerciante nato e um navegante visionário que trazia mercadorias da doca de Londres para a Península Ibérica, passando pelos portos Porto, Lisboa, Cádis e Sevilha. Este marinheiro teve dois filhos, Thomas e Robert, e a família começou a trabalhar na indústria corticeira em Espanha (em 1938), expandindo-se até Estremoz, onde acabou por se fixar.
Após grande parte dos Reynolds partirem para a Nova Zelândia, Robert fica à frente dos negócios e dedica-se à extensão das propriedades, produzindo vinho de uma qualidade assinalável. O filho de Robert, Robert Rafael, continua a tradição e por sua vez entrega-a ao filho Carlos, avô de Julian. É na geração da filha de Carlos, Gloria, que a família perde as propriedades no pós-25 de abril (a Herdade Dom João, em Sousel). Enquanto ouvimos atentos esta história, o anfitrião adiciona-lhe importantes detalhes. "O meu bisavô Robert Rafael e o irmão John introduziram em Portugal os vinhos "afrancesados", trouxeram as madeiras das barricas e engarrafaram o vinho. O primeiro vinho engarrafado chegou no final do século XIX, início do século XX. Como agricultores procuraram sempre ter uma uva cada vez melhor, e foram os responsáveis por trazer para Portugal a casta Alicante Bouschet." Segundo documentos históricos, é a esta família que se atribui a vinda da famosa (e cobiçada) casta para o território português. "Eu continuo a vocação da agricultura, pela boa uva, sem isso é impossível criar vinho de qualidade. Esta vinha não é apenas uma vinha, é também um jardim" explica, ao mesmo tempo que lhe lemos na voz a paixão e o orgulho que tem na sua história e a ambição do legado que quer deixar - e que entretanto já passou para o filho, Carlos. Essa ambição é também evidente nas três marcas que fundou: Gloria Reynolds, que leva o nome da sua mãe, Carlos Reynolds, com o nome do filho e Julian Reynolds, o seu vinho em nome próprio. Além dos 41 hectares de vinha que tem a herdade, os Reynolds detêm mais 12 hectares de vinha fora da mesma, sendo que as castas presentes em toda a área são Alicante Bouschet, Trincadeira, Aragonez, Alfrocheiro, Touriga Nacional, Antão Vaz e Arinto.
Seguimos para a adega, que Julian deixou praticamente intacta desde que a comprou aos antigos proprietários, equipando-a como um armazém de envelhecimento climatizado. É aqui que se encontram os balseiros e as meias-barricas da tanoaria francesa Seguin Moreau onde o vinho é feito. No mercado desde 2002, os vinhos Reynolds são produzidos respeitando a tradição francesa, sob a consultoria dos enólogos Nelson Martins e Ana Real, e são vinhos com uma excelente qualidade preço. Assim, a cultura de leveduras a partir da própria produção da herdade e a aposta no envelhecimento dos vinhos tintos são duas premissas obrigatórias, bem como as minuciosas práticas na apanha (ocorre de noite) e, logo, no processo de fermentação. Estas condições, o clima (que a sorte dita), o terroir onde se insere esta vinha, e a ousadia de Julian fazem destes vinhos de excelência, simultaneamente ricos e interessantes.
Alguém curioso, criativo e empreendedor como Julian, que passou por várias áreas – no Sudão, trabalhou sob o calor de 50 graus, uns anos antes de se dedicar à viticultura. Mas não só: quando lhe disparamos a pergunta – qual foi o seu primeiro trabalho? – recorda com alguma nostalgia e exaltação os tempos do Cinema, após concluir o curso de guionista em Londres. "Na altura, quem trabalhava na indústria dos filmes, e ainda por cima para uma multinacional como a Colombia Pictures, estava preparado para a vida. Se o filme era sobre romanos, tínhamos que saber a história de Roma. Eu gostava tanto daquilo que quando chegava ao domingo e tínhamos que parar ficava chateadíssimo. Esse foi o meu primeiro trabalho. Em Almería, Espanha, filmámos o The Spikes Gang (1974, com Lee Marvin). Uma vez fiz o Lee Marvin cantar a Wandering Star [do filme Os Maridos de Elizabeth, 1969]" conta, entre a prova do belíssimo e fresco rosé Carlos Reynolds e a do tinto Carlos Reynolds 2017. "Outro dos atores com quem trabalhei foi o Gene Hackman, tinha sempre um sorriso. Foi no filme March or Die [1977], Catherine Deneuve, Terence Hill, Max von Sydow (…) do Dick Richards. Também tenho aqui em casa um quadro que o ator Keith Michell pintou para mim."
A boa conversa prolonga-se para um jantar amistoso onde temos a oportunidade de provar alguns dos inéditos Reynolds, como o belíssimo Julian Reynolds Grande Reserva 2011, o memorável Gloria Reynolds Arts & Tradition 2009, ou o exclusivo Gloria Reynolds Cathedral 2004. Ao mesmo tempo, Julian e Isabel contam-nos as histórias dos inúmeros quadros que têm na sala de jantar, todos com a sua história. O serão termina em harmonia com a prova do licoroso Robert R. Reynolds (um vinho que mereceu 95 pontos Robert Parker*), um simples gesto que em muito diz da constante homenagem que esta geração presta aos seus antecessores. O vinho é, afinal, uma das mais encantadoras artes e, tal como em todas elas, o bom gosto é redondamente imprescindível.
Os vinhos Reynolds Growers estão à venda em garrafeiras selecionadas, e são distribuídos pela Heritage. As visitas à herdade para provas (preços sob consulta) podem ser agendadas em reynoldswinegrowers.com. Além das provas, a herdade também recebe festas privadas, casamentos ou baptizados.
*Robert Parker é um dos maiores críticos de vinhos do mundo, e tem uma cotação própria com sistema de atribuição de pontos.
Onde? Monte Figueira de Cima 7340, Arronches Reservas 245 580 305 ou wine@gloriareynolds.com